Poesia

Em tradução: três poemas de Giorgos Seféris

Da Antologia Poemas, publicada pela editora Nova Alexandria.

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Já escurecera na sacada

junto a nós uma urgência esvoaçava

nos dois corações, bem aninhada,

uma confissão correspondida.

Vã, murchou a voz. Enxame de erros

nossos lábios, e nas profundezas

do corpo, Deus, só estava acesa

nossa espera da benção pedida.

Dentro da casa os sonhos zumbiam

e da luz da tarde até o ímã

dos cabelos teus, tudo trazia

à memória o anjo inalcançável

de para com os anéis subitâneos

de chofre caídos, dos abanos

no pensamento que, o mesmo orando,

líamos, evangelho inefável.

Mulher que na minha alma te hospedas

tua surpresa é o que me resta

formosa mulher amada, nesta

tarde que absurdamente definha,

e os teus olhos de círculos negros

e a noite e seu calafrio ligeiro…

Quimera, espada do meu silêncio,

curva-te e entra outra vez na bainha.

De Esboços para um verão

A cada manhã me lembra a água morna

que não tenho junto a mim nada mais vivo.

De Solstício de verão

VIII

Duro espelho o papel em branco

restitui apenas o que eras.

O papel em branco fala com a tua voz

a tua própria voz

não com a que te agrada;

tua música é a vida

que dissipaste.

Podes recuperá-la se quiseres

se te apegares ao que indiferente

te atira para trás

ao ponto de partida.

Viajaste, viste muitas luas muitos sóis

tocaste vivos e mortos

sentiste a dor do jovem

e o gemido da mulher

e o amargor do menino ainda imaturo —

o que sentiste rui sem fundamento

se não te confias ao vazio.

Talvez ali encontres o que julgavas já perdido:

o renovo da juventude, o justo sossobro da idade.

Tua vida é o que deste

esse vazio é o que deste

o papel em branco.