Falando de Música

Beethoven encontra Goethe

por Leandro Oliveira

“Que Goethe está aqui, eu já te disse. Passo algum tempo com ele todos os dias”, informou Beethoven em julho de 1812 a seus editores Breitkopf & Härtel. Sobre o incrível encontro, Goethe reagiu com uma mistura de admiração e espanto, escrevendo para sua esposa em Weimar: “eu nunca conheci um artista tão autônomo, tão enérgico e tão fervoroso.”

Nascido em 1749, vinte e um anos antes do gênio de Bonn, Goethe havia formado seus gostos musicais no ambiente clássico de Carl Phillip Emmanuel Bach, Haydn e Mozart. Ele suspeitava da veemência revolucionária de Beethoven, mesmo reconhecendo-o como o maior compositor alemão vivo. Pouco depois do verão de 1812, Goethe escreveu uma reflexão menos sintética sobre o compositor: “seu talento me surpreendeu; no entanto, infelizmente, ele tem uma personalidade totalmente indomável, não completamente errado em achar o mundo detestável, mas dificilmente o tornando mais agradável para si ou para os outros com sua atitude. No entanto, seu estado suscita alguma empatia e compaixão, pois está perdendo a audição, algo que afeta menos a parte musical de sua natureza do que a social. Ele é naturalmente lacônico, e ainda mais devido à sua deficiência.”

O entusiasmo de Beethoven por Goethe era desmedido. O primeiro contato entre os dois mestres se deu em 1811, quando Beethoven enviou a Goethe uma cópia da música incidental para sua tragédia “Egmont”.

“Egmont, op. 84” consiste em uma abertura seguida por uma sequência de nove peças para soprano, narrador masculino e orquestra sinfônica. Beethoven escreveu-a entre outubro de 1809 e junho de 1810, e a peça foi estreada em 15 de junho de 1810 – o  tema que inspira o compositor é a vida e o heroísmo do nobre Lamoral, Conde de Egmont dos Países Baixos. 

A música foi elogiada por E.T.A. Hoffmann, e o próprio Goethe respondeu calorosamente à partitura, expressando a esperança de que ambos eventualmente se encontrassem. Em 1814, o poeta  teria dito “Beethoven fez maravilhas para combinar sua música com meu texto”. 

Curiosamente, para além da abertura, hoje a obra é raramente realizada – e estou ainda por encontrar a documentação para uma apresentação da versão original em São Paulo. 

Ela abrirá a temporada do Theatro São Pedro neste final de semana, no sábado, dia 16, às 20h00 e no domingo, dia 17, às 17h00. O concerto é em homenagem a Heidi Lazzarini. A Orquestra Sinfônica do Theatro São Pedro, sob a direção de Claudio Cruz, executará a rara versão completa de “Egmont” de Beethoven, com a soprano Marina Considera e narração de Luiz Guilherme. O programa contará ainda com o poema sinfônico “Prometeu” de Leopoldo Miguez e a extraordinária “Siegfried Idyll” de Richard Wagner.

Leandro Oliveira

Leandro Oliveira é autor do livro “Falando de Música: Oito lições sobre música clássica” (editora Todavia, 2020). Tem experiência internacional em transmissões de música clássica, e é responsável pela direção das transmissões da “Maratona Beethoven”. Realizou doutorado com pesquisa na área pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.