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Imposto é roubo?

Episódio célebre da história americana, o “Boston Tea Party” de 1773 é simbólico da resistência à taxação.

O Estado da Arte, em parceria com a Fundação Indigo de Políticas Públicas, publica o artigo do professor e pesquisador americano Michael Huemer (University of Colorado, Boulder) sobre a moralidade da taxação e o conhecido slogan libertário “imposto é roubo”.

Por Michael Huemer

“Imposto é roubo” é um slogan popular entre os libertários. Ele capta o sentimento de que devemos submeter o estado aos mesmos padrões morais que atores não estatais.

1. Por que impostos talvez sejam uma forma de roubo

Imagine que eu tenha fundado uma organização de caridade que ajuda os pobres.[1] Mas não há um número suficiente de pessoas contribuindo voluntariamente com a minha caridade, então muitos dos pobres continuam passando fome. Eu decido resolver o problema abordando pessoas bem-sucedidas na rua, apontando uma arma para elas e exigindo seu dinheiro. Eu passo o dinheiro para a minha caridade e os pobres finalmente são alimentados e vestidos.

Nesse cenário, eu seria chamado de ladrão. Por quê? A resposta parece ser: porque estou tomando a propriedade de outras pessoas sem o seu consentimento. A frase em itálico parece ser o que significa “roubo”. “Tomar sem consentimento” inclui tomar por meio de uma ameaça de força contra outras pessoas, como neste exemplo. Esse fato não é alterado pelo que eu faço com o dinheiro depois de levá-lo. Você não diria: “Oh, você deu o dinheiro aos pobres? Nesse caso, tomar a propriedade das pessoas sem consentimento não foi roubo, afinal.” Não; você pode afirmar que foi um roubo socialmente benéfico, mas continua sendo roubo.

Agora, compare o caso do imposto. Quando o governo “tributa” os cidadãos, o que isso significa é que o governo exige dinheiro de cada cidadão, sob uma ameaça de força: se você não paga, agentes armados contratados pelo governo irão levar e prender você em uma cela. Isso parece um caso muito claro de tomar a propriedade das pessoas sem consentimento. Então o governo é um ladrão. Esta conclusão não é alterada pelo fato do governo usar o dinheiro em uma boa causa (se for o caso). Isso pode tornar o imposto um tipo de roubo socialmente benéfico, mas continua sendo roubo.

2. Três contra-argumentos

A maioria das pessoas é relutante em chamar imposto de roubo. Como é possível evitar dizer isso? A seguir estão três argumentos que pode-se tentar, juntamente às respostas mais óbvias.

Primeiro Argumento

Imposto não é roubo porque os cidadãos concordaram em pagar impostos. Isso faz parte do “contrato social”, que é uma espécie de acordo entre os cidadãos e o governo, no qual os cidadãos concordam em pagar impostos e obedecer as leis em troca da proteção do governo. Ao usar os serviços governamentais (como estradas, escolas e a polícia) e permanecer no território do governo, você indica que aceita o contrato social. [2]

Resposta ao Primeiro Argumento

Esse tipo de contrato simplesmente não existe. [3] O governo nunca de fato escreveu e ofereceu tal contrato, nem ninguém o assinou.

Ainda assim, o uso de serviços governamentais pode implicar um acordo para pagar por esses serviços, se as pessoas que não utilizaram os serviços não fossem obrigadas a pagar. Mas, na verdade, o governo obriga os cidadãos a pagar impostos independentemente de eles utilizarem ou não os serviços governamentais. Portanto, o fato de você utilizar os serviços do governo não indica nada sobre você concordar ou não em pagar impostos.

Permanecer no “território do governo” também não indica concordância com o suposto contrato social. Isso ocorre porque o governo não possui de fato toda a terra que reivindica como “seu território”; Esta terra é, ao invés disso, propriedade principalmente de indivíduos privados. Se eu possuo uma terra que outras pessoas estão usando, eu posso exigir que as pessoas me paguem dinheiro ou desocupem minha terra. Mas se eu vejo algumas pessoas em suas terras, eu não posso exigir que elas me paguem dinheiro ou desocupem suas próprias terras. Se eu fizer isso, sou um ladrão. Da mesma forma, quando o governo exige que paguemos dinheiro ou desocupemos nossas próprias terras, o governo atua como um ladrão.

Segundo argumento

O governo não pode ser um ladrão, porque é o governo que define os direitos de propriedade através de suas leis. O governo simplesmente pode fazer leis que dizem que o dinheiro que você deve pagar em impostos já não é realmente seu em primeiro lugar; É o dinheiro do governo. [4]

Resposta ao Segundo Argumento

O segundo argumento é voltado às alegações (i) de que não há direitos de propriedade independentes das leis governamentais, e (ii) que o governo pode criar direitos de propriedade simplesmente declarando que algo pertence a alguém. Não há razões óbvias para acreditar em (i) ou (ii) e ambas as alegações são contra-intuitivas.

Imagine que você viaje para uma região remota fora da jurisdição de qualquer governo, onde você encontra um eremita que vive da terra. O eremita caça com uma lança que ele mesmo fez e você a considera interessante. Você decide (sem o consentimento do eremita) levar a lança com você quando você for embora. Parece correto dizer que você “roubou” a lança. Isso mostra que (i) não é plausível.

Em seguida, imagine que você é um escravo no sul dos Estados unidos no século XIX. Suponha que você decida fugir do seu mestre sem o consentimento dele. Se (ii) for verdade, então você estaria violando os direitos do seu mestre ao se roubar. Note que você não apenas estaria violando um direito legal; se (ii) é verdade, o governo cria obrigações e direitos morais através de suas leis, então você estaria violando os direitos morais de seu mestre. Isso mostra que (ii) não é plausível.

Terceiro argumento

Os impostos são apenas o preço que o governo cobra pelo fornecimento de lei e ordem. Sem impostos o governo entraria em colapso e toda a ordem social ruiria e, então, você não teria dinheiro nenhum. O imposto é diferente do roubo porque os ladrões não oferecem serviços valiosos, muito menos serviços que lhe permite ganhar o dinheiro do qual eles tiram uma porção. [5]

Resposta ao Terceiro Argumento

Imagine que eu te aborde a mão armada e tome 20 dólares de você. Eu também deixo um dos meus livros para trás em troca. Quando você me ver depois sem minha arma, você me chama de ladrão e exige seu dinheiro de volta. “Oh não”, eu digo: “Eu não sou um ladrão, porque eu lhe dei algo valioso em troca. É verdade que você nunca pediu o livro, mas é um bom livro, vale muito mais do que US$ 20?.

Esta resposta da minha parte seria confusa. Não importa que eu tenha lhe dado um bem em troca, e não importa se o livro realmente vale mais de US$ 20. O que importa é que eu tomei o seu dinheiro sem o seu consentimento.

Também não importa se você se beneficia enormemente do livro. Vamos supor que (incapaz de me convencer a tomá-lo de volta), ocorre de você ler meu livro, que acaba contendo conselhos tão úteis que, por consequência, você fica muito melhor (incluindo financeiramente melhor) do que antes de me encontrar. Nada disso muda o fato de eu ser um ladrão. A ordem temporal também não importa: se eu lhe der o livro não solicitado primeiro e então esperar você lucrar financeiramente com ele e, em seguida, retirar à força parte do dinheiro que ganhou, eu ainda serei um ladrão.

A lição: tomar a propriedade das pessoas sem consentimento é roubo, ainda que você lhes cause benefício, e mesmo que você também os tenha ajudado a adquirir essa mesma propriedade.

3. E se imposto for roubo?

Se imposto é roubo, segue-se que devemos abolir todos os impostos? Não necessariamente. Alguns roubos podem ser justificados. Se você tem que roubar um pedaço de pão para sobreviver, então você tem razão em fazê-lo. Da mesma forma, o governo pode ter razão em cobrar impostos, se isso for necessário para evitar algum resultado terrível, como uma quebra da ordem social.

Por que, então, importa se imposto é roubo ou não? Porque, apesar de roubar poder ser justificado, geralmente não é. É errado roubar sem ter uma razão muito boa. O que conta como razões suficientemente boas está além do alcance deste breve artigo. Mas, por exemplo, você não tem razão ao roubar dinheiro, digamos, para que você possa comprar uma obra de arte legal para a sua parede. Da mesma forma, se imposto é roubo, provavelmente seria errado taxar as pessoas, digamos, para pagar por um museu de arte.

Em outras palavras, a tese “imposto é roubo” tem o efeito de elevar os padrões para o uso justificado de impostos. Quando o governo planeja gastar dinheiro em algo (apoio às artes, um programa espacial, um programa nacional de aposentadoria e assim por diante), deve-se perguntar: seria admissível roubar pessoas para gerir esse tipo de programa? Caso não seja, então não é admissível taxar as pessoas para executar o programa, uma vez que imposto é roubo.

[1] Este exemplo é de Michael Huemer, The Problem of Political Authority (Nova York: Palgrave Macmillan, 2013), 3-4, 154.

[2] Veja John Locke, Second Treatise of Government, ed. C.B. Macpherson (Indianapolis, Ind .: Hackett, 1980, originalmente publicado em 1690), esp. sections 120-1.

[3] Os problemas com a teoria do contrato social são explicados em detalhe em Huemer, The Problem of Political Authority, cap. 2.

[4] Veja Liam Murphy e Thomas Nagel, The Myth of Ownership: Taxes and Justice (Oxford: Oxford University Press, 2002), p. 58.

[5] Veja Murphy e Nagel, op. cit., pp. 32-3; Stephen Holmes e Cass Sunstein, The Cost Of Rights: Wht Liberty Depends on Taxes (New York: W.W. Norton, 1999), cap. 3. Para uma resposta mais elaborada, veja Michael Huemer: “Is Wealth Redistribution a Rights Violation?” em The Routledge Handbook of Libertarianism, ed. Jason Brennan, David Schmidtz e Bas van der Vossen (Routledge, em breve).

Extraído de: https://www.libertarianism.org/columns/is-taxation-theft

Tradução: Tuana Neves