Política

Parlamentarismo Jabuticaba

por Rodolpho Bernabel

Os impeachments de Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff, assim como os não-impeachments de Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva parecem obedecer a um padrão institucional, qual seja, a necessidade de o chefe do poder executivo contar com maioria no Congresso para se manter no cargo. Note que não falo aqui do requisito mínimo de ao menos um terço dos deputados ou senadores a apoiar o presidente para barrar um eventual impeachment, isso é óbvio. O que não é óbvio é o fato de que não tivemos ainda no período democrático presidentes sem maioria e que se mantiveram no cargo. Tanto Fernando Henrique Cardoso quanto Lula da Silva, e mesmo Dilma Rousseff em seu primeiro mandato governaram com amplas maiorias legislativas. O que é estranho é que, ao perderem o apoio da maioria absoluta do Congresso (50% + 1 dos parlamentares em cada casa), as bases de sustentação de Fernando Collor e Dilma Rousseff tenham evaporado.

Os chefes do Legislativo, do Judiciário e do Executivo reunidos no processo de impeachment, um dia antes dos dois primeiros comandarem a fraude à Constituição para garantir os direitos políticos da última. (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

Sem entrar no mérito da questão, vai aqui apenas a descrição de um fenômeno político. Vemos que os parlamentares implantaram no Brasil o voto de desconfiança, podendo derrubar presidentes quando quiserem se livrar destes, seja por motivos republicanos ou tático-eleitorais. A interpretação (vulgo “fatiamento”) do Artigo 52 da Constituição Federal que manteve os direitos políticos de Dilma Rousseff contribui para o estabelecimento dessa nova norma. Assim como nos parlamentarismos clássicos, o chefe do poder executivo que não possui apoio da maioria do parlamento é mandado para casa, sem punições ulteriores. A diferença no caso brasileiro seria a exigência de uma supermaioria opositora (dois terços nas duas casas), mas parece que essa supermaioria forma-se facilmente quando a maioria absoluta já foi conquistada.

No presidencialismo americano, que serviu de modelo para o brasileiro, há o que chamamos de paralisia decisória quando o presidente não conta com maioria congressual e se também não houver uma supermaioria capaz de derrubar vetos presidenciais. O nome paralisia decisória é até mesmo inadequado, exagerando a situação. O que não ocorre é a aprovação de novas leis. O poder executivo continua governando e o poder legislativo continua fiscalizando. Como estaríamos bem no Brasil sem muitas das leis que foram aprovadas em nossa história e que só fazem atrasar o nosso desenvolvimento! No Brasil só há paralisia decisória no momento de desfazer as besteiras do passado; na hora de propor novas barreiras ao progresso é fácil a formação de maiorias. Somos exímios engenheiros de subdesenvolvimento.

O parlamentarismo tem lá seus méritos, a derrubada mais ágil de corruptos incompetentes sendo um deles. Mas, além de também ter defeitos – como o risco de maior instabilidade, por exemplo – não está em sintonia com a cultura brasileira. Os brasileiros gostamos de escolher o chefe do poder executivo, afinal é o único voto do qual nos lembramos depois. Pode-se argumentar que o que importa mesmo é um bom governo, mais do que o método de seleção dos líderes. Os sistemas eleitorais podem apenas ser usados como maior ou menor garantia de limitação de abusos dos mandatários. Mas uma vez que no Brasil alternamos ao longo da história entre ditaduras e cleptocracias, não é o fim do mundo termos uma diminuição do poder presidencial como a que observamos. O Congresso, por meio do presidencialismo de coalizão e do impeachment aproxima o Brasil do parlamentarismo, um parlamentarismo jabuticaba, é verdade, mas ainda assim um parlamentarismo.

Rodolpho Bernabel

Rodolpho Bernabel é doutor em Ciência Política pela New York University (NYU) e professor na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).