Poesia

Poesia em Casa – Sete tipos de pretensões (parte 2)

por Pedro Gonzaga

O poeta Carlos Drummond de Andrade: excelência inigualável com as formas fixas e livres. Foto: AE

Dando sequência à lista de pretensões perigosas para a poesia, iniciada aqui na semana passada, hoje trato do terceiro tipo, a crença de que a forma pode ter um valor em si mesma.

Terceiro tipo de pretensão – A crença na forma

Certa feita, um antigo professor de faculdade, diante do meu primeiro livro de poesia, perguntou quando eu apresentaria versos metrificados, como a dizer, versos livres valem menos, são mais fáceis de compor, não podem justificar seu corte, permitindo, quem sabe, que gente menos hábil ascenda aos círculos da mais alta linguagem. E não pensem se tratar de um desses folclóricos acadêmicos de gravata borboleta, antes pelo contrário. Francamente, tal cobrança não apenas ignorava uma das principais revoluções estéticas da lírica do século XX, o abandono do tom declamatório em direção à fala nos poemas, como também colocava sob suspeita boa parte de meus poetas de predileção. Ademais, cobrar de um poeta que pratique uma forma específica (não sei se ele queria sonetos), seria como cobrar de um compositor musical que apresentasse um noturno em vez de uma canção popular. Em um sentido, me parece que caberia a quem ainda recorre a formas mais antigas de versificação o ônus de explicar a própria escolha. Mas creio ser isso um equívoco, apenas o reverso da mesma moeda cunhada a partir de um preconceito limitador. A liberdade formal mais bem fica se estendida para os dois lados, e os poetas que souberam manejar as formas fixas e livres com destreza são, confesso, meus modelos — e Drummond antes de todos.

Como nas pretensões anteriores, acreditar na forma é elemento fundamental da lírica, mas a virtude logo se converte em erro quando substituída por uma crença de que há qualquer vantagem artística em compor versos alexandrinos ou ditar os cortes por intuição. Se é verdade que as limitações impostas pelo ritmo fixo, ou mesmo pelas rimas, exigem do poeta malabarismos verbais para manter a coesão e a coerência da peça, evitando um natural relaxamento das escolhas, a ausência de amarras também exige cuidados com a sonoridade, tão mais difíceis quanto menos automáticos forem os versos. Se pode haver um ganho musical na primeira escolha, haverá menos arbitrariedade na segunda, permitindo a riqueza da melhor palavra, não necessariamente da mais sonora. De minha parte, certas obrigações de rima, deixam-me o desconforto de um empobrecimento de conteúdo para que o encaixe tenha sido possível. Grandes nomes já cometeram atentados ao bom gosto, como a “escola do perdão” do Vinicius, para rimar com “portas do coração”. Por outro lado, evidente, seria muita ingenuidade alegar que o verso livre também não termina por ser uma escolha formal sujeita a tantos ou mais defeitos. Parece-me, acima de tudo, uma postura louvável acreditar na escolha que se fez, mas desconfiar sempre que se trata de uma escolha frágil, deficiente, muitas vezes indefensável, que deve depor contra mim, não a meu favor. O preço de abraçar a forma cegamente é o formalismo que, e perdoem-me o golpe à la Vieira, não está muito longe do formulismo.

Assim o desgaste dos parnasianos, dos concretistas, dos haicaístas e, por que não, dos versolivristas

Quanto ao professor, a bem da verdade, não lhe devia nenhuma satisfação. Mas se um dia eu cometer uns decassílabos, não creiam que terá sido por vingança.

Pedro Gonzaga

Pedro Gonzaga é poeta, tradutor, músico e professor. Doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é autor de A Última Temporada, Falso Começo e O Livro das Coisas Verdadeiras (Arquipélago Editorial), sua estreia na crônica. Seu livro mais recente é Em outros tantos quartos da Terra.