por Laura Ferrazza
Mais uma vez em minhas colunas aqui no Estado da Arte, volto-me a meu objeto de estudo do doutorado, que já pode ser encontrado em livro (Quando a arte encontra a moda: a obra de Antoine Watteau na França do século XVIII), pela editora Zouk. Procuro sempre trazer uma nova perspectiva para repensar o lugar desse pintor francês que influenciou profundamente a arte do século XVIII não só na França, mas, pasmem, até mesmo em terras inimigas, na Inglaterra.
Diferentemente da maioria dos pintores de seu tempo, Watteau (1684 -1721) não realizou um período de estudos na Itália. Foi através de coleções de arte francesas que ele conheceu os grandes mestres italianos e deles tirou algumas lições. Quando já tinha atingido um relativo sucesso na França, o pintor tomou mais uma de suas decisões inesperadas e resolveu passar uma temporada em Londres. Era o ano de 1719, ele estava com 36 anos e a tuberculose que viria a vitimá-lo já havia se manifestado. Alguns de seus biógrafos afirmam que o pintor teria atravessado o canal da mancha para buscar tratamento com um afamado médico londrino, o Dr. Richard Meade. Há registros de que Watteau tornou-se amigo do médico hospedando-se em sua casa e recebendo dele encomendas de alguns quadros. Vale destacar que essa viagem teria sido também motivada pelo espírito de aventura do artista e sua curiosidade, uma vez que sequer dominava a língua inglesa. Segundo o Conde de Caylus, Watteau alcançou um considerável sucesso em Londres tendo encontrado um mercado receptivo as suas obras.
Alguns historiadores da arte atribuem um papel bastante significativo a essa passagem do pintor francês pela capital inglesa. As cores e o estilo de Watteau teriam impactado no estilo inglês de pintura, tanto que os dois maiores expoentes do gênero no século XVIII, Joshua Reynolds (1723 – 1792) e Thomas Gainsborough (1727 – 1788) não apenas demonstram em sua arte essa influência bem como escreveram sobre o artista e possuíram obras dele. As fêtes galantes pintadas por Watteau, eram ambientadas no campo e evocavam a tradição paisagística, muito difundida na Inglaterra. A iluminação do entardecer utilizada por Watteau pode ser percebida nos retratos de Reynolds e a dedicação a paisagem que, mais que fundo é essencial para a obra, marca também o estilo de Gainsborough.
Assim, não é de estranhar que em finais do século XIX, quando um aristocrata inglês radicado em Paris resolve ampliar a coleção de arte que herdara, apareçam nessa coleção inúmeros quadros de Watteau e de artistas franceses que seguiram seus passos. Refiro-me a Richard Wallace (1818 – 1890), inglês de origem nobre ele viveu entre um importante grupo de boêmios parisienses no século XIX como Flaubert, Théophile Gautier, Eugène Delacroix, entre outros. Sua fantástica coleção de arte foi doada ao governo britânico por sua viúva em 1897 e tornou-se pública em 1900. A assim chamada Wallace Collection possui a característica de ter mantido toda coleção da família por quatro gerações em um único prédio sem que fosse separada, contando com diferentes tipos de obras de arte entre quadros, mobiliário e porcelanas.
Essa é, sem dúvida, uma coleção digna de nota, na qual a pintura francesa do século XVIII ocupa uma posição de destaque. A coleção possui oito telas originais de Watteau e mais três obras realizadas a partir de quadros do artista. Além de Watteau, podemos encontrar obras de outros artistas franceses do século XVIII que tiveram seu trabalho inspirado pelas cores pastéis e pinceladas fluidas daquele que foi considerado o pai do Rococó. Entre eles, destacam-se François Boucher (1703 – 1770), Nicolas Lancret (1690 – 1743) e Fragonard (1732 – 1806). Deste último, o museu possui um de seus quadros mais famosos e que já foi objeto de uma coluna minha aqui: “O jogo do amor e do azar”, mais conhecido como “O Balanço”.
Dentre as obras de Watteau que podemos conhecer visitando a Wallace Collection, encontram-se seus temas mais famosos. Temos a representação dos personagens da commédia dll’arte e da commédie française, tipos teatrais largamente utilizados pelo artista. Eles aparecem em recortes mais próximos como na tela “Para nos provar que é bela” (1717 – 1718) ou mesmo vestindo a família de um de seus amigos e mecenas Pierre Sirois (1665 – 1726) na tela “Sob uma fantasia de Mazetin” (1717 – 1719). Esses personagens aparecem também em suas fêtes galantes de modelo mais tradicional, quando um grupo de pessoas se reúne ao ar livre em uma paisagem que lembra os jardins paisagísticos ingleses como em “Gostaria de triunfar sobre as belas?” na qual se destaca um personagem mascarado e as poses teatrais. Outras telas do gênero presentes na coleção possuem pessoas na paisagem, mas essa última ganha mais destaque em obras como: “Os campos Elíseos” (1720 – 1721), “Festa galante em um Parque” (1719 – 1721), “Encontro de caça” (1717 – 1718). Além desses, chama a atenção a presença de um dos raros nus pintados pelo artista, dos quais restaram poucas evidências, a tela: “Mulher fazendo a toalete” (1717 – 1719).
Watteau na Wallace Collection nos dá uma boa mostra da versatilidade do artista, de como tratava seus temas prediletos e de sua inegável influência sobre os demais artistas franceses e mesmo ingleses do século XVIII presentes na coleção. Além disso, é possível observar como essa estética se fez notar nas artes decorativas da época, através das porcelanas e do mobiliário. A sede do museu, a famosa Hertford House, procura manter a ambientação original, possibilitando nos transportar ao estilo de vida e aos gostos da nobreza inglesa do passado.