por Felipe Pait
Qual a forma ideal de uma mesa para reuniões diplomáticas ou jantares em família?
O Tao Te Ching, o Livro do Caminho atribuído ao velho mestre chinês Lao Tzi, diz, enigmaticamente, que o grande quadrado não tem cantos. A corriqueira mesa retangular possui os incômodos cantos, que se tornam inconvenientes quando é necessário acomodar convivas retardatários ou inesperados. A mesa redonda coloca todos em completa igualdade, porém exige uma área proporcional ao quadrado do número de participantes, tornando-se inviável para reuniões grandes. Mesmo a távola redonda das lendas arturianas, assim escolhida para representar a igualdade dos cavaleiros, possuía o temível assento perigoso, onde só os mais iguais que os outros poderiam se sentar impunemente.
A mesa elíptica evita os cantos agudos, mas faz uso ineficiente do espaço disponível. Sua curvatura é variável, com lados quase retos e cabeceiras estreitas. No seder de Pessach, a tradicional festa judaica, mesmo nas famílias mais igualitárias, quem faz os papéis antigamente reservados ao avô e à avó, respectivamente conduzindo a leitura e trazendo os pratos na ordem apropriada, não vai se sentar nos lugares sem espaço para pratos e livros. Como conciliar de forma harmônica as retas e as curvas, achando um compromisso entre igualdade e praticidade?
Tanto a pergunta como a resposta vieram, naturalmente, dos hábitos caseiros, do temperamento diplomático, da tradição social-democrata, e dos exímios marceneiros da Escandinávia. Piet Hein, cientista, poeta, artista e inventor dinamarquês, ativo durante grande parte do século 20, propôs a super elipse como melhor compromisso para o projeto de uma rotatória de tráfego em uma praça no centro da capital da Suécia. Subsequentemente, cooperou com o arquiteto Arne Jacobsen no desenho de uma mesa com esta forma, que se tornou talvez a mais elegante e marcante do desenho mobiliário dinamarquês moderno.
A super elipse já era conhecida dos matemáticos anteriormente, numa época em que o estudo de curvas e superfícies era um dos mais importantes assuntos de pesquisa em geometria. Na equação da figura, os denominadores a e b são os semi-eixos da superelipse, e as frações são tomadas em valor absoluto e elevadas à enésima potência. A super elipse é o lugar geométrico dos pontos x e y cujas coordenadas no plano cartesiano tornam a soma das parcelas constante, satisfazendo a equação.
Na verdade, trata-se de uma família de curvas onde o expoente pode assumir valores inteiros ou fracionários. No caso em que o expoente é igual a 2, temos a elipse comum. Se, além disso, os valores dos semi-eixos forem iguais, temos o caso particular do círculo comum. A elipticidade da figura geométrica vem do fato de que os semi-eixos são diferentes. Nas figuras os semi-eixos estão na clássica proporção áurea, de 1 mais a raiz quadrada de 5 para 2. Piet Hein aplicou o nome super elipse às curvas com expoente maior que 2. Por motivos práticos e estéticos, o expoente 5/2 foi o escolhido para aplicações, e se consagrou no mobiliário.
Para valores de n crescentes, a superelipse vai ficando mais parecida com um retângulo, enquanto para expoentes menores do que 2, temos subelipses cada vez mais pontiagudas, se aproximando de um losango. Quando o expoente é menor que 1, o lugar geométrico é composto por 4 curvas que se encontram em ângulos agudos. Da mais exterior para a mais interior, podemos ver uma super elipse quase retangular, a super elipse com expoente 5/2, uma subelipse quase losangular, e uma com interior não convexo.
A matemática clássica muitas vezes ressurge como resposta a problemas práticos modernos, como um verdadeiro ovo de Colombo. De fato, o superovo, versão tridimensional da superelipse, tem a capacidade de ficar em pé, em equilíbrio estável, sem apoio, quebra, ou outro artifício. Porém o nome superovo não é completamente adequado. O ovo das aves, considerado por naturalistas a coisa mais perfeita do universo, tem além da elipticidade a propriedade da assimetria, que falta ao superovo e à super elipse. Segundo artigo publicado na revista Science em junho de 2017, a assimetria e a elipticidade têm importância fundamental para os ovos dos pássaros voadores, e possivelmente aparecem como compromisso, ainda não bem entendido, entre tamanho e solidez. Cada forma tem sua função, assim como na matemática cada função tem sua forma.
Entre os matemáticos, Piet Hein é mais conhecido como criador do jogo de Hex, inventado independentemente alguns anos depois pelo matemático John Nash – o vencedor do prêmio Nobel em economia retratado em premiado filme de Hollywood. O Hex, popularizado na famosa coluna de Martin Gardner na Scientific American, é jogado por 2 jogadores num tabuleiro em forma de losango, dividido em casas de forma hexagonal. O objetivo de cada um dos jogadores é ligar 2 lados opostos do tabuleiro. Uma vez que a única forma de impedir o oponente de completar sua ligação é completando a própria, o jogo sempre termina com vitória de um dos adversários, não havendo empate. Nash, conhecedor da teoria dos jogos originada por Johnny von Neumann, mostrou que no jogo de Hex o primeiro a jogar tem a sua disposição uma estratégia infalível de vitória. É uma prova de existência, por redução ao absurdo, fundamentada no fato de que nenhuma jogada pode atrapalhar a construção da conexão. No pior dos casos uma jogada pode ser inútil, ao contrário de um jogo como o xadrez onde existem movimentos que ativamente prejudicam o jogador. Porém até hoje a estratégia continua desconhecida. Sem dúvida, com os avanços recentes em inteligência artificial, não seria difícil programar um computador para se tornar imbatível em Hex, um jogo relativamente mais simples do que o xadrez ou o Go. Falando em cibernética, Piet Hein foi amigo de Norbert Wiener, sobre quem escrevemos em fevereiro desse ano, e colaborou no último livro escrito por Wiener.
Em seu país natal Piet Hein foi talvez mais conhecido por seus gruks, aforismos poéticos que ele começou a escrever clandestinamente durante a resistência contra a ocupação da Dinamarca. São milhares, a maioria em dinamarquês, e muitos em inglês e outras línguas. Até onde sei, a forma poética não é muito divulgada entre nós, apesar de existir uma comunidade de autores de gruks em Portugal. Parece razoável concluir um artigo sobre curvas espaciais e a geometria plana das super elipses escrevendo um gruk sobre a relatividade do tempo:
Só o tempo ensina
A conviver com o paradoxal.
Os dias são intermináveis,
e os anos passam em instantes.