As Catedrais Góticas

Entrevista com Flavia Tatsch, Ricardo Marques e Tamara Quírico. Por Marcelo Consentino.

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Imagine um edifício que não só abriga pessoas, mas conta histórias, canaliza a luz divina e desafia as leis da física para tocar o infinito. “A arquitetura gótica”, disse o historiador Will Durant, “foi a suprema realização da alma medieval. Os homens que ousaram suspender estas abóbadas em umas poucas palafitas de pedra estudaram e exprimiram sua ciência com mais rigor e efeito que qualquer filósofo medieval em qualquer summa, e as linhas e harmonias de Notre Dame formam um poema maior que a Divina Comédia”.

As catedrais foram arte total em grande escala, abrigando em sua arquitetura todo tipo de atividade estética, da carpintaria à música. Com seus arcos ogivais, abóbadas nervuradas e vitrais que transformam luz em narrativa, os mestres góticos desafiaram a gravidade para glorificar a Deus. A matemática servia à mística e, mais do que medir, os números revelavam a criação divina. Enquanto os templos greco-romanos celebravam a harmonia terrena, os góticos fundiram arte, fé e ciência em pedra e vidro para conquistar, com a voracidade de seus antepassados bárbaros, o reino dos céus. Mas eles também amavam a terra e combinando a piedade e o humor, o êxtase e o terror, seus escultores entrelaçaram, entre anjos e demônios, santos sublimes e animais cômicos ou apavorantes.

A casa de Deus era a casa do povo. A catedral foi o coração das cidades medievais, um ponto de encontro para os cidadãos, uma escola de letras para seus filhos, uma escola de artes e ofícios para suas guildas. Como disse Victor Hugo, antes da imprensa “a arquitetura foi o grande livro da humanidade”: nas paredes de Notre Dame até os analfabetos liam a Bíblia. O Partenon em Atenas servia a uma elite para venerar deuses distantes, a catedral feudal era democrática e convidava Deus a habitar conosco: seus vitrais, como uma membrana entre o humano e o divino, iluminavam ricos e pobres, inundando os olhos de todos com a luz imaterial de Cristo.

Sem materiais sintéticos, guindastes ou computadores, só com pedras, cinzeis, cordas e compassos, multidões de arquitetos, artesãos, monges e camponeses anônimos ergueram estes castelos de luz entre a terra e o céu que sobreviveram a guerras, incêndios e revoluções. Quando, na era romântica, o homem moderno se cansou de mimetizar as formas greco-romanas, foi na arquitetura gótica que ele buscou reenergizar sua imaginação antes das convulsões criativas modernistas. Mais do que relíquias do passado, as catedrais são faróis de um sonho coletivo, o de unir o efêmero ao eterno; abertas a todos como uma Arca de Noé, elas avançam no tempo, como um navio de pedra que nos leva além, rumo ao matrimônio entre o novo Céu e a nova Terra.

Convidados

Flavia Galli Tatsch, professora do departamento de História da Arte da Universidade Federal de São Paulo.

Ricardo Marques de Azevedo, professor de História da Arte da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo.

Tamara Quírico, professora do departamento de História da Arte da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.   

Referências

  • Gótico (Gothic), de Rolf Toman.
  • O Tempo das Catedrais (Le Temps des cathédrales), de Georges Duby. 
  • “O florescimento gótico”” em História da Civilização. Vol. IV. A Idade da Fé (The Story of Civilization), de Will Durant.
  • A História da Arte (The Story of Art), de E.H. Gombrich.
  • Iniciação à História da Arte (A Basic History of Art), de H.W. Janson. 
  • “The Central Middle Ages. Architecture and Sculpture”, em Medieval Europe. A Short History, de J.M. Bennett e W.C. Hollister.
  • The Gothic Enterprise. A Guide to Understanding the Medieval Cathedral, de Robert A. Scott.
  • How to Build a Cathedral, documentário da rede BBC.
  • Medieval Architecture Masons and Sculptors, de Nicola Coldstream.
  • Art – A New History, de Paul Johnson.
  • A World History of Art, de H. Honour e J. Fleming.
  • Arte gótico. Visiones gloriosas, de Michael Camille.

Ilustração: Skyline da cidade de Colônia, Alemanha (Pixabay)

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