Anselm Kiefer é o protagonista de uma grande exposição em dois dos principais museus de Amsterdã, o Van Gogh Museum e o Stedelijk Museum. Mas, apesar da proximidade dos locais, as mostras apresentam abordagens muito distantes. O primeiro museu propõe um diálogo entre Kiefer e Van Gogh; o segundo destaca o caráter político da obra do artista alemão. Ambas funcionam bem individualmente, mas poderiam estar mais bem integradas.

Nascido em 1945, na Alemanha, Kiefer ficou conhecido por pinturas monumentais que, entre outras coisas, refletem sobre as consequências da Segunda Guerra Mundial em seu país. Suas telas, no mais das vezes feitas com tinta empastada e materiais como areia, galhos e folhas de ouro, incluem frases que remetem a textos filosóficos, poemas ou canções. É o caso de Sag mir wo die Blumen sind (“Diz-me onde estão as flores”), série de cinco painéis pensada especialmente para a escadaria do Stedelijk Museum, em que o artista empregou tinta a óleo, pétalas secas e roupas. A pintura-instalação, cujo título também dá nome à mostra, remete à canção pacifista de Pete Seeger (nome original em inglês, Where Have All the Flowers Gone), composta após a Segunda Guerra e popularizada em alemão por Marlene Dietrich.

A visita, porém, deve ser iniciada no Van Gogh Museum, em meio aos milhares de visitantes diários que cultuam o pintor holandês. Ali, explora-se a relação entre os dois artistas, a começar pela viagem que Kiefer fez aos 18 anos para visitar as cidades onde Van Gogh viveu e trabalhou na Holanda e na França. Seus desenhos da época, expostos ao lado dos de Van Gogh, mostram como ele estudou com cuidado a estrutura das composições do holandês.
No entanto, o paralelo entre os dois nem sempre é bem-sucedido, como fica claro com os grandes painéis de Kiefer colocados ao lado das telas de Van Gogh. Embora haja ecos visuais entre as pinturas dos dois artistas, como nos campos de trigo e na noite estrelada pintados pelo alemão, o gesto explosivo, os objetos colados e a escala monumental das obras de Kiefer criam um efeito visual bem diferente do rigor construtivo do holandês. Além disso, as ligações temáticas propostas parecem simplistas, como o uso de um girassol seco em uma instalação de Kiefer. Conexões assim, fáceis demais, dão um tom superficial ao conjunto.

Na prática, as diferenças entre as obras de ambos são muito mais evidentes do que qualquer semelhança pontual: Van Gogh opera com precisão e em pequena escala, Kiefer é explosivo, grandiloquente. Em Van Gogh se destaca a estrutura rigorosa e o trabalho minucioso; em Kiefer, a gestualidade intensa e a mensagem política — por vezes bastante obscura. Em um dos ensaios do catálogo, Kiefer reconhece o apuro construtivo de Van Gogh. Suas próprias obras, entretanto, caminham no sentido oposto. Uma boa conexão entre os dois artistas poderia ser os expressionistas alemães, em parte inspirados no holandês e fundamentais para a trajetória de Kiefer, como Emil Nolde. No entanto, nem sequer são mencionados nos textos de parede em ambas as instituições.

Em suma, o que há de mais poderoso na pintura do alemão é justamente o que mais se distancia do holandês, e a comparação com o dono da casa acaba sendo desfavorável ao convidado. Em 2019, algo semelhante já havia acontecido quando o museu colocou obras do pintor inglês David Hockney ao lado de Van Gogh: os grandes quadros do inglês pareciam perder força perto das pequenas telas do anfitrião, como o próprio Hockney reconheceu bem-humorado em um dos vídeos de divulgação da mostra. Mas o Van Gogh Museum já evitou essa armadilha em outras ocasiões, como nas exposições da pintora Etel Adnan ou do artista sino-canadense Matthew Wong. Ambos estabeleceram vínculos sólidos com Van Gogh sem a necessidade de compartilharem o mesmo espaço expositivo e forçar comparações.
A exposição no primeiro museu, apesar de ter o mérito de mostrar uma grande quantidade de trabalhos de Kiefer, teria funcionado melhor com as obras apresentadas de forma autônoma, como acontece no Stedelijk Museum. Lá, a mostra é mais coerente e politicamente engajada. Pinturas como Innenraum (“Interior”) ou Resurrexit (“Ressuscitou”) sobre os horrores da guerra, provocam impacto. Nas instalações mais recentes, no entanto, a força visual parece desconectado da reflexão proposta. Por exemplo, na já citada Sag mir wo die Blumen, que dá nome à exposição, folhas de ouro e pétalas secas transmitem uma beleza poética, mas diluem o horror da guerra em imagens sublimes demais, que acabam sendo mais decorativas do que incisivas. Resta uma espécie de pacifismo poético que parece ter pouco a dizer sobre os problemas concretos do mundo atual.

O mesmo acontece com a maioria das obras exibidas no segundo museu, nas quais o sentido político está longe de ser claro. O visitante precisa ter conhecimento de todas as referências mobilizadas pelo artista, às vezes muito pouco evidentes, para compreender a proposta revelada pelas legendas explicativas. A arte recente de Kiefer parece querer dizer muito sobre o mundo, mas acaba oferecendo apenas uma fuga estética, na prática, alienante. Há também no Stedelijk quatro painéis monumentais, muito semelhantes aos expostos no Van Gogh Museum, como a pintura Field of the Cloth of Gold (“Campo do Pano de Ouro”), que evoca o encontro diplomático entre Henrique VIII e Francisco I no século XVI, e mais uma vez mostra um campo de trigo que remete às obras de Van Gogh. Mas aqui não há qualquer menção a ele.

Embora as duas instituições tenham preparado exposições complementares e ofereçam ingresso conjunto, há pouca comunicação entre elas. O catálogo, que poderia servir como ponte, também falha nesse sentido. Com três ensaios — o já mencionado de Kiefer, outro de Simon Schama e um terceiro, da historiadora Antje von Graevenitz, sobre a recepção da obra de Kiefer na Holanda —, a publicação traz informações valiosas, mas praticamente sem ligação com as obras exibidas.
Ainda que as exposições individuais tenham méritos inegáveis, os museus perderam a chance de criar uma mostra verdadeiramente articulada. Indecisos, oscilam entre a necessidade autoimposta de criar um paralelo entre Van Gogh e Kiefer, na primeira parte, e o pacifismo escapista que caracteriza a maioria das obras presentes no segundo museu.
Felipe Martinez é professor na Universidade de Leiden, na Holanda, e doutor em história da arte pela Unicamp com pós-doutorado no MAC-USP e na Universidade de Amsterdã. Além do MASP, atua como professor na Casa do Saber e na pós-graduação da PUC-SP. É autor de O Escolar de Vincent van Gogh (Edusp), membro do Conselho Internacional de Museus (ICOM) e da Associação Internacional dos Críticos de Arte (AICA).