Os Impressionistas

Entrevista com Ana Cavalcanti, Luciano Migliaccio e Sandra Leandro. Por Marcelo Consentino.
Ouça o podcast:
Spotify
Deezer
Apple

Você já ouviu essas críticas a artistas contemporâneos? “Uns lunáticos esparramam manchas de tinta, assinam o troço e se chamam revolucionários”; “eles não têm conhecimentos sólidos e acham que suas emoções bastam para chamá-las arte”; “uma criança faria”; “é feio”; “não dá pra comparar com um Monet ou Renoir”. E, no entanto, esse é o tipo de crítica que faziam a Monet e Renoir. “Impressionismo”, como “gótico” ou “barroco”, foi originalmente um termo de ridicularização.

Madame Monet e seu filho. Claude Monet, 1876 (Reprodução: Wikimedia Commons)

Por séculos os pintores perseguiram uma precisão fotográfica. A fotografia tornou as cópias utilitárias obsoletas, mas os românticos estavam livres para usar essa precisão recriando cenas da natureza, da história ou da mitologia. Os realistas deram as costas às igrejas e palácios e encontraram beleza em operários quebrando pedras. Mas até a invenção de apetrechos como bisnagas de tinta e cavaletes portáteis os quadros eram pintados no estúdio. Os impressionistas pintavam ao ar livre. Deve ter sido a sensação dos artistas da idade da pedra quando pintaram fora das cavernas, ou de um fugitivo da caverna de Platão. As paisagens, as alegrias mundanas, a palpitação urbana se ofereciam aos seus olhos e falavam por eles. Eles podiam quebrar os raios de luz, captar sua vibração no ar, segui-los enquanto deslizam nos objetos e os envolvem com cor. Mas um quadro não era mais mera janela. Já Manet descobrira que o mundo da pintura tem “leis naturais” distintas das da realidade familiar, e a lealdade do pintor é primeiro para com a tela.

Muito da história da arte moderna é a estória dos desdobramentos do impressionismo ou reações a ele. Em 10 anos já havia “neo-impressionistas” ou “pós-impressionistas” insatisfeitos. A insatisfação de Cézanne com a negligência dos impressionistas à ordem e equilíbrio da arte, às formas sólidas e duráveis, levaria ao cubismo; a de Van Gogh com sua submissão das paixões expressivas às impressões visuais levaria ao expressionismo; a de Gauguin com as complexidades da arte e da vida aos primitivismos. Quando Monet morreu, Picasso já distorcia a realidade ao seu bel prazer e Mondrian a abstraia por completo. Os artistas estavam livres da tirania da objetividade para explorar seu universo interior, muitos ousaram se dizer livres da tirania da Beleza. Mas estariam livres da tirania dos modismos, do capricho, do mercado, da massificação? Essas tentações já estavam em germe no impressionismo. Em 1910, a impressionista pioneira Mary Cassatt denunciava as obras de Monet como “papel de parede”, e era possível comprar seus nenúfares em barras de chocolate, cigarros ou canecas. Ainda podemos discernir o valor dessas pinturas por trás dos leilões multimilionários e da mitologia sobre seus pintores? 

Mas talvez haja uma razão para sua consagração por artistas, eruditos e massas. Talvez tenha sido o instante mágico que combinou a sede de liberdade individual dos artistas modernos com a devoção a ideais coletivos de beleza, verdade e nobreza dos antigos, a paixão pela expressão dos sentimentos e a paixão pela representação dos objetos, como se as visões prodigiosas de um Giotto fossem animadas pelas energias explosivas de um Pollock. Mesmo o mais fiel às primeiras impressões impressionistas, Monet, já rico, famoso, com olhos octogenários e esclerosados, criaria, diluindo plantas aquáticas em reflexos de luz e cor, o impossível: a fusão da representação concreta com a imaginação abstrata.    

Convidados

Ana Cavalcanti: professora da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Luciano Migliaccio: professor de história da arte da Universidade de São Paulo

Sandra Leandro: diretora do Museu Frei Manuel do Cenáculo em Évora. 

Referências

  • A História da Arte (The Story of Art), de E.H. Gombrich.
  • Iniciação à História da Arte (A Basic History of Art), de H.W. Janson. 
  • Art – A New History, de Paul Johnson.
  • A World History of Art, de H. Honour e J. Fleming.
  • Critical Readings in Impressionism and Post-Impressionism. An Anthology, ed. por M.T. Lewis.
  • The History of Impressionism e Studies in Impressionism, de John Rewald.
  • The Impressionists, documentário no Perspective Art Channel.
  • Impressionism, de M. Powell-Jones.
  • Impressionism and Its Canon, de J.E. Cutting.
  • A Companion to Impressionism, ed. por A. Dombrowski.
  • Impressionism, N. Brodskaïa.
COMPARTILHE: