Os Medici

Entrevista com Luciano Migliaccio, Luiz Felipe D'Avila e Newton Bignotto. Por Marcelo Consentino.
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O que você pensa quando pensa no Renascimento? Talvez na apoteose das artes plásticas? Ou na ressurreição dos poetas, filósofos e deuses greco-romanos, de suas aventuras e orgias? Na fundação dos Estados nacionais? Na expansão da burguesia mercantil? Enquanto cavaleiros da Cristandade expulsavam califados da Europa e corsários do Mediterrâneo, seus navegadores redescobriam os tesouros da Ásia e rompiam a clausura da América. A fé medieval em Deus, ainda profunda e ardente, fundiu-se a uma nova fé na Humanidade: a confiança em seu poder de conquistar a Natureza com as ciências, de consumar o matrimônio entre o Céu e a Terra, de gerar um Novo Mundo. “Coloquei-te no centro do mundo”, disse Deus a Adão no diálogo vislumbrado pelo filósofo Pico della Mirandola, “para que possas observar mais facilmente tudo o que existe no universo. Nem celeste nem terreno, nem mortal nem imortal te criamos, a fim de que possas, como um livre e extraordinário escultor de ti mesmo, plasmar a tua própria forma tal como a preferires. Poderás degenerar-te nas formas inferiores, que são animalescas; poderás, segundo a tua decisão, regenerar-te nas formas superiores, que são divinas”.

Entre as luzes crepusculares da Idade Média e as matinais da Modernidade, destacava-se uma nação, a Itália, e no centro dela uma cidade, Florença, e acima dela uma família, os Medici. Essa dinastia de banqueiros conduziu a pátria de Dante à sua era de ouro, gerou quatro papas para Roma e uma rainha para a França, que gerou três reis. Michelangelo, Leonardo, Donatello, Botticelli, Brunelleschi, Alberti, Rafael, Galileu, Monteverdi, quase todos os titãs da Renascença foram em algum grau beneficiados pela patronagem Medici. Veja o jovem Lorenzo, o “Magnífico”: “Nada pode ilustrar melhor os costumes, a complexidade e a diversidade do Renascimento italiano que a imagem de seu personagem mais central governando um Estado, administrando uma fortuna, disputando torneios, escrevendo excelente poesia, apoiando judiciosamente artistas e escritores, misturando-se facilmente com acadêmicos e filósofos, camponeses e bufões, marchando em procissões, cantando canções obscenas, compondo hinos suaves, brincando com cortesãs, gerando um papa, e sendo honrado pela Europa como o maior e mais nobre italiano de seu tempo” (Will Durant).

Essa cornucópia de riquezas e poder veio com um preço. “Não se governa um Estado com ‘Pais Nossos’”, dizia o patriarca Cosimo. As intrigas shakespeareanas, a brutalidade quase mafiosa, as vaidades que arderam nas fogueiras de Savonarola, o cinismo dissecado por Maquiavel, deixariam a Itália fracionada e subserviente por séculos. Mas se entre os potentados renascentistas os Medici estiveram longe de cometer os piores desses pecados, como mecenas das artes e do conhecimento jamais foram igualados na história da Humanidade, e mesmo após o seu declínio e queda no século XVIII, seus frutos nas ruas de Florença, em palácios, museus, bibliotecas, igrejas e telas de todo o mundo, continuam a inspirar os seres humanos a se regenerarem como criaturas divinas; a criar, com suas mãos, movidos pela sua fé, um novo Céu e uma nova Terra.

Convidados

Luciano Migliaccio: professor de história da arte da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Luiz Felipe D’Avila: cientista político e autor de Cosimo de Medici. Memórias de um Líder Renascentista.

Newton Bignotto: professor de filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais.  

Referências

  • A cultura do Renascimento na Itália (Die Cultur der Renaissance in Italien) de Jacob Burckhardt. 
  • Cosimo de Medici. Memórias de um Líder Renascentista de Luiz Felipe d’Ávila.
  • Maquiavel Republicano e Origens do Republicanismo Moderno de Newton Bignotto. 
  • A História da Civilização. V. 5. O Renascimento (The Story of Civilization. V. 5. The Renaissance) de Will Durant.
  • Florença na época dos Medici (Florence à l’époque des Médicis) de Alberto Tenetti.
  • Breve historia de los Medici de Eladio Romero García.  
  • The Renaissance: A Short History de Paul Johnson. 
  • Italy in the Age of Renaissance 1300-1550, ed. Por John. M. Najemy.
  • Medici. Storia di uma dinastia europea de Franco Cesati.
  • “The Medici”. Entrevista para o programa In Our Time da Radio BBC 4 com Evelyn Welch, Robert Black e Catherine Fletcher. 
  • The Medici Podcast. Dezenas de episódios apresentados por Chad Danton.  
  • Princely Citizen. Lorenzo de Medici and Renaissance Florence e Lorenzo de Medici & the Art of Magnificence de Francis W. Kent.
  • Lorenzo de Medici. Uma vita di Magnifico de Giulio Busi.
  • La vie quotidienne à Florence au temps des Médicis de Jean Lucas Dubreton.
  • The House of Medici. Its rise and fall de Christopher Hibbert.
  • The Medici de Mary Hollingsworth.
  • The Medici. Power, Money and Ambition de Paul Strathern. 

Ilustração: “A Adoração dos Magos”, óleo sobre tela de Sandro Botticelli (c. 1485/86), com diversos membros da família Medici retratados. Galleria degli Uffizi, Florença. (Fonte: Wikimedia Commons).

O Grande Teatro do Mundo — Os promotores do humanismo, por Jacob Burckhardt.

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