por Laura Ferrazza de Lima
Se desejamos encontrar uma origem para o retrato no Ocidente, devemos buscá-la na Roma Antiga. Os antigos romanos foram os verdadeiros criadores do retrato: mostraram-se capazes de imprimir aos rostos esculpidos em pedra personalidade e sentimentos únicos. Não sabemos se a aparência dos retratados é fiel à realidade dos rostos, mas não há dúvidas de que suas feições são verossímeis. Os retratos propriamente romanos que chegaram até nós podem ser datados a partir do século I a. C. Os etruscos, povo que antecedeu os romanos na ocupação da península itálica, já tinham o costume de adornar seus túmulos com efígies. Essas homenagens póstumas iniciaram-se com um estilo um tanto orientalizado que lembrava a arte primitiva dos gregos. As figuras foram se modificando e sofisticando com o tempo, mas o mais provável é que obedecessem a uma convenção, possuindo rostos mais genéricos e menos singulares do que a na estatuária romana. Nos bustos que esculpiam para representar seus governantes e líderes, principalmente em bronze, os etruscos demonstraram conhecimento das técnicas gregas da escultura, mas lhes deram um toque único e pessoal.
No lugar da beleza clássica e etérea dos gregos, os romanos imprimiam marcas pessoais aos retratos, destacando características demasiado humanas. Cada retrato romano é único e singular. É nos rostos masculinos que encontramos a maior variedade de detalhes. Nos retratos mais antigos, do período republicano (séc. I a. C.), temos a representação do típico pater familias instituição romana que moldou aquela sociedade. Segundo a tradição romana, o pai de família tinha o poder sobre todos os bens e mesmo sobre a vida dos membros de sua casa. Os homens desses retratos possuem uma aparência austera e severa. São em geral calvos; aliás, a calvície é um dos traços mais comuns nos bustos masculinos romanos. Mesmo onipresente, contudo, a calvície apresenta variações particulares nessas esculturas.
Os cidadãos da república aparecem totalmente calvos e no seus rostos temos uma verdadeira superfície topográfica de rugas e sulcos que se sobressaem e reforçam uma impressão de imponência e autoridade. Um dos melhores exemplos desse tipo de retrato é aquele que se supõe representar Catão, o velho (234 a. C. – 149 a. C.). Ele foi o exemplo máximo do cidadão exemplar romano, que segue as leis e as normas da sociedade. O retrato desse período revela um tempo em que as rugas faziam o homem. Bustos desse tipo aparecem como verdadeiros documentos visuais. O que importava era a fisionomia e não o estilo do escultor, que em geral se mantinha anônimo.
A maneira de representar a vívida aparência de um ser humano único e real, com suas falhas, suas peculiaridades faciais, nos dão ainda hoje a impressão de conhecer e reconhecer o rosto dos mais célebres romanos. Refiro-me ao único busto de Júlio César (100 a. C. – 44 a. C.) que parece ter sido feito em seu tempo de vida, e que serviu de modelo para todas as suas representações posteriores. Diferente dos retratos dos primeiros tempos da república, César parece menos solene, quase simpático, com seu rosto magro, rugas sutis de um homem de meia idade e seu penteado tipicamente romano com alguma calvície no topo da cabeça. No olhar, a serenidade de quem se sabe grande homem e grande líder. O meio sorriso revela seu famoso carisma.
Mas foi sem dúvida seu sobrinho Otávio Augusto (63 a. C. – 14 d. C.) que, ao fundar o Império Romano, elevou o retrato do líder político a outro nível. Alguns estudiosos consideram que o primeiro dos imperadores romanos foi um excelente marqueteiro da imagem. Ele fundiu as tradições romanas da representação do líder político e militar com o culto do líder como um deus, advindo do Oriente. Mandou fazer um grande número de bustos e estátuas suas para serem espalhadas pelo Império, inaugurando uma tradição que se manteria até o fim e que se intensificaria na posterior obrigatoriedade de culto à imagem do imperador.
A ideia de atribuir uma grandeza sobre-humana ao imperador e de realçar sua autoridade logo se tornou política oficial. Embora Augusto não tenha ido tão longe como os que o sucederam, a estátua de Primaporta apresenta-o envolvido por uma aura de divindade. Nessa estátua, seu rosto assemelha-se a todas suas outras representações, com um ar enobrecido e claramente pessoal. Qualquer romano poderia reconhecê-lo imediatamente, porque já vira seu rosto nas moedas e em muitos outros tipos de retrato. A imagem do imperador cedo ganhou o sentido simbólico de um emblema nacional.
A figura do grande líder semidivino e nobre vai se desgastando ao longo dos séculos, assim como o próprio Império. Cada imperador tinha uma marca pessoal única, que deveria aparecer em seu retrato. Mesmo figuras da fase inicial do Império mantêm essa peculiaridade. Quando olhamos o busto de Nero (37 d. C. – 68 d. C.), percebemos de imediato sua perturbação mental. Quando observamos os retratos de Calígula (12 d.C. –41 d. C.), conseguimos ver sua juventude e lascívia.
Na fase de declínio do Império, também podemos perceber uma importante mudança no retrato dos Imperadores. Começam a ganhar um ar preocupado e um tanto sombrio, que algumas vezes se fundia com sua própria personalidade. A preocupação advinha das grandes dificuldades de manter e controlar um vasto Império, revoltas locais e disputas pelo trono. Um dos melhores exemplos é o retrato do imperador Caracala (188 d. C. – 217 d. C.), homem cruel que mandou assassinar o próprio irmão (Geta), para não ter de dividir o poder. Teria ainda conspirado para a morte de seu sogro e exilado sua esposa. Via inimigos por toda parte. Muito dedicado a expandir as fronteiras e às questões militares, ficou famoso também por ter estendido a cidadania romana a todos os habitantes livres do Império. Enfrentou grandes dificuldades para governar o extenso território conquistado. Toda sua biografia parece se imprimir em seu rosto de feições únicas, que ainda pulsam na pedra.
Caracala utilizou-se de outra prática relacionada à representação pessoal que teve lugar na cultura romana e que se assemelha a comportamentos que ainda presenciamos na atualidade. Refiro-me à chamada damnatio memoriae, que consistia no apagamento da lembrança de uma pessoa. Para isso, não apenas seu nome deveria desaparecer dos registros oficiais, mas principalmente sua imagem deveria ser destruída e apagada. Caracala fez isso com os retratos de seu irmão Geta.
O retrato feminino também aparece na cultura visual da Roma Antiga, mas nele ainda percebemos a permanência de um ideal de beleza acima de características físicas marcantes. O que se destaca sobremaneira nos bustos femininos são os penteados elaborados e esculpidos com um refinamento e detalhamento encantadores. As mulheres em geral parecem jovens, com rostos delicados, e há alguma variação no formato do nariz.
Os romanos deixaram um legado inegável no que diz respeito à retratística. O destaque de características físicas particulares, de rostos expressivos e do caráter dos retratados foram práticas que se perpetuaram. Podemos dizer que, em certo sentido, os retratos romanos possuem um teor realista, no qual a lisonja não está numa aparência bela, mas no destaque à personalidade. Quem sabe com qual desdém eles não olhariam as técnicas corretivas dos retratos de hoje, nos quais o tempo não deixa marcas.