Quem se importa com Banksy?

Banksy ganhou extrema notoriedade a partir de Exit Through the Gift Shop, documentário que concorreu ao Oscar da categoria, em 2010. No mesmo ano, a revista Time o listou como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, ao lado de Barack Obama e Steve Jobs. Não é difícil entender como se constrói um fenômeno na indústria cultural.

por Willian Silveira

Eu havia sido avisado, pensei. Certa vez, durante um café da manhã que levamos tempo para marcar, um amigo me surpreendeu ao afirmar que jamais o veria envolvido com o mercado da arte. Eu, que desconfio de toda convicção, desconfiei. O fato de ser estudante de História da Arte não o ajudava. Coloquei a resolução rapidamente na conta do seu idealismo pela licenciatura, e a conversa seguiu o rumo das frivolidades matinais. A lembrança desse momento me veio à mente ao assistir Salving Banksy, estreia de Colin Day na direção. Eu havia sido avisado.

Banksy é um provocador. Conhecido pelo teor polêmico do seu trabalho, o ativista, pintor e cineasta britânico destila mensagens políticas e sociais aleatoriamente nos muros e prédios das cidades, de Viena a São Francisco, desde os anos 90, quando das primeiras aparições em Bristol, no interior do Reino Unido.

Banksy ganhou extrema notoriedade a partir de Exit Through the Gift Shop, documentário que concorreu ao Oscar da categoria, em 2010. No mesmo ano, a revista Time o listou como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, ao lado de Barack Obama e Steve Jobs. Não é difícil entender como se constrói um fenômeno na indústria cultural.

Para além da inventividade do seu trabalho, Banksy tem características que atraem o interesse do público e, consequentemente, da mídia. A principal delas é o anonimato. De Daft Punk a Sia, o mistério é o melhor marketing para o mercado cultural. O pseudônimo a encobrir um artista engajado, que tem no estêncil a escolha conveniente para encobrir os traços e manter o anonimato, não apenas sacudiria o previsível mundo da arte como fisgaria o coração da imprensa, sempre sensível aos cliques e números. E assim foi. Desde então, tudo o que se relaciona a ele gera burburinho. Depois de ser publicamente advertido sobre a possibilidade de interferência direta nas eleições britânicas – o artista prometeu cópias do seu trabalho para quem votasse contra Theresa May – , o assunto Banksy voltou à tona com o mais novo rumor sobre a sua identidade. Entrevistado, um amigo se referiu ao artista por Robert, ressuscitando a teoria de que Banksy é Robert del Naja, vocalista da banda Massive Attack. Da inauguração de um hotel na Palestina a um suposto ato falho, passando por um documentário incerto e por longas matérias no The Guardian, Banksy denuncia também a fragilidade das notícias atuais.

Felizmente, Saving Banksy nos poupa de mais barulho por nada. Disponível no Netflix, o filme carrega no título uma proposta, no mínimo, controversa. O artista jamais pediu – ou pediria – para ser salvo. Contudo, é bem possível que aceitasse a ajuda de Brian Greif caso imaginasse que o seu trabalho um dia deixaria de ser uma reflexão pontual e efêmera para se transformar – ironicamente – na fonte de lucro da classe que tanto abomina.

Diferentemente de Exit Throught the Gift Shop, um mockumentary sobre a cena de arte de rua, o longa de Colin Day está focado no trabalho solitário de Greif, um colecionador de arte autodeclarado fã de Banksy. Tendo em conta a lei de São Francisco, que exige o apagamento imediato dos grafites, Brian inicia uma corrida contra o tempo para salvar uma das intervenções do artista inglês. Após muita negociação, consegue autorização para retirar uma parede de madeira, preservando com ela um rato gigante, símbolo da iconografia do artista. Após resgatar unilateralmente o desenho, o colecionador passa a buscar um local público para exibir a obra.

A empreitada permite ao filme apresentar uma série de considerações sobre o mundo da arte. Para além da disputa inflamada entre espaço público, artistas e sociedade civil, o longa retrata ainda a paradoxal essência da arte de rua, que nasce para desaparecer, cedo ou tarde. Apesar do interesse dos curadores, a recusa dos museus revela o modus operandi em parte arcaicos e pré-formatado destes espaços. A resistência é a mesma enfrentada outrora pelos ready-made, com a diferença de que a arte de rua não deseja os museus. E talvez esse seja o seu manifesto silencioso.

A rua borra a ideia da autoria e apaga a noção de propriedade. No espaço dos outros, sem autorização, de quem é a obra de Banksy? A brecha coloca em cena figuras como a de Stephan Keszler, um negociador que retira as obras das locais originais e as vende em leilões. Ao contrário dos museus e das leis, indiferentes, não faltam colecionadores privados interessados em investir uma fortuna para exibir na sala de casa um muro com marcas de bala da Faixa de Gaza.

A situação sublinha de maneira contundente e poucas vezes vista o funcionamento arbitrário e selvagem do mercado da arte. Em uma terra sem qualquer moral, a arte surge como desculpa para o lucro fácil e o enriquecimento sem méritos. Algo que nos permite ponderar se o métier de Keszler não é realmente digno do submundo onde habitam os ratos de Banksy.

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