Renato Brunello: Metáforas do Inconsciente

"Descoberto" por Pietro Maria Bardi, o artista italiano, que exibe um conjunto de obras tridimensionais em uma exposição em cartaz até outubro, abre as portas de seu ateliê para uma conversa sobre sua produção

Como comemoração dos 150 anos da imigração italiana no Brasil, resolvemos visitar Renato Brunello (nascido em Veneza em 1953), um dos escultores mais festejados da atualidade (45 exposições no Brasil e no exterior e mais de 50 obras em locais públicos), em sua casa e ateliê em Cotia, onde reside desde a década de 1980.

Brunello inaugura sua mostra Transmutação e Metáforas do Inconsciente na galeria Arte 132, no bairro paulistano de Moema, aberta até 6 de outubro de 2024, com obras tridimensionais em madeira, mármore, bronze e ferro em que “o elemento abstrato evoca o figurativo”, como diz a curadora Laura Rago, recriando flora, fauna e ambiências do Brasil e do mundo a partir de seu imaginário.

Chegado a São Paulo em 1975, Renato Brunello — com sua pasta de desenhos, fotos de esculturas e lista de prêmios recebidos na Itália após seu curso na Escola de Artes e Ofícios de Veneza — visita uma série de galerias, mas a resposta é sempre a mesma: “já temos nossa própria equipe completa”. Até que é “descoberto” por Pietro Maria Bardi que, de imediato, quer uma de suas obras para a galeria Mirante das Artes e lhe encomenda uma estátua do padre Albino, a ser inaugurada em Catanduva, em cerimônia oficial. O caminho estava aberto.

O artista diante de seu armário de goivas. Foto: Everton Ballardin.

Diante da admirável multidão de formas e materiais recriados em suas obras, logo surge a urgência de uma série de perguntas que formulamos nessa visita/entrevista no lugar de trabalho do artista, que começa com a entrada na sala dos instrumentos, com a abertura do armário das goivas, instrumentos fundamentais para seus trabalhos em madeira, desde a garapeira usada na construção civil, passando pelo cedro, maçaranduba, itaúba, pau ferro… até a mais sofisticada imbuia patinada de que é feito seu totem pessoal, “Ogum, Meu Ogum”.

O totem pessoal de Brunello (foto do artista).

Passamos, depois, à sala das maquetes, onde estão as miniaturas em vários materiais, incluindo o poliuretano expandido que substituiu a argila e o gesso, das obras realizadas ou em processamento, como a da escultura em aço e cimento a ser colocada no jardim de um prédio na rua Joaquim Floriano.

Como inicia seu processo de criação? Começamos perguntando ao artista. “O impulso vem da observação e da intuição, mais do que da razão” — diz ele. “Visão do que está a meu redor, coisas da natureza e da vida em si, silhuetas humanas mudadas de forma orgânica, não pré-determinada, com uma abstração sutil, no sentido expressivo de volumes em equilíbrio entre forma e contexto, entre sentimento e força expressiva. Anoto logo, a lápis, a caneta, onde estiver.”

“A arte, para mim” — continua ele — “é a liberdade de poder criar o imaginário do meu inconsciente, liberdade essa vivida de forma intuitiva e sensorial. Me oriento muito pela inteligência intuitiva, sou mais um autodidata, um solitário, embora desde cedo tenha conhecido os grandes mestres, no decorrer do meu fazer: Brancusi, Jean Arp, Emilio Vedova, Modigliani… e, entre os brasileiros, Brecheret em sua fase abstrata e, principalmente, o Aleijadinho, que me lembrou El Greco e que considero um grande escultor, também quase meio abstrato.”

Sala de maquetes (foto do artista).

“A escultura foi como que minha predestinação. Acredito que é isso mesmo. Com a massa de pão da padaria de meus pais eu fazia as primeiras formas, muito curiosas, de pãezinhos, que — depois de assados — eram comidos com meus amigos, como brincadeira de criança.”

“Devo muito a meu professor de Artes, no ginásio, que nos ensinava as técnicas da cópia do objeto e depois nos deixava livres para interpretá-lo. E à Escola de Artes e Ofícios de Veneza, que formava a base dos grandes artistas artesões, ensinando, já profissionalmente, as técnicas das artes gráficas, do afresco, da escultura em madeira, pedra, metal etc. O conhecimento da técnica era o primeiro passo.”

“Lembro que para ganhar algum dinheiro assimilei rapidamente o procedimento das lápides e das esculturas para cemitérios. E que, para vir ao Brasil (15/8/1975), realizei o encosto para braços (cabeça de leão) em madeira, para 500 poltronas.”

“No Brasil [movido por uma ligação sentimental], senti que havia espaço para sonhar e para realizar ao menos uma parte do meu sonho e, tal como uma planta que se transplanta, finquei minhas raízes aqui. Eu não gosto muito de intelectualizar: vou do rastro dos movimentos à forma, que me aparece quando não penso em nada, apenas observo. O sonho me fornece flashes e, às vezes, soluções técnicas, ou as próprias formas. Eu absorvo, anoto, sou um processador”.

Escultura produzida durante a pandemia representa uma língua para fora (foto do artista).

A essa altura passamos para o ateliê propriamente dito: um verdadeiro mar onde navegam obras de todos os tipos. Ficamos intrigados por uma escultura que representa uma língua para fora em diferentes materiais e tamanhos. “Na época da pandemia — explica o autor — quando havia gente morrendo entre fatalidade e jogos de interesse, eu imaginei essa língua para fora não como provocação, mas como grito, eu me insurgi contra isso.”

E agora, quanto a seus últimos trabalhos? — perguntamos. “Bem, além desse Equilíbrio dos Opostos que foi apresentado no último Simpósio Internacional de Escultura em Mármore na cidade de Rijad, e que, acabo de ser informado, vai ser transferido para o acervo pessoal do rei da Arábia Saudita” – responde o artista. 

Escultura em homenagem a Antonio Vivaldi (foto do artista).

“E além da obra da Rua Joaquim Floriano, com o título de ‘Guardião’, acabei de realizar em madeira esta Homenagem a Antonio Vivaldi (ele nos mostra a escultura ao som das Quatro estações, admirável exemplo de interpenetração das Artes), com seus equilíbrios e suas harmonias que a música inspirou, que quero ver se incluem na mostra de 10 de agosto, junto com Gufo rosa, Pipistrello, Concha, Boca da Verdade, Contorção, Ponto e contraponto e mais de uma quinzena de outras obras a serem expostas.”

Brunello produz desenhos que, depois, são tratados graficamente (foto do artista).

A visita termina na sala do artista, em frente a um enorme quadro amarelo, que cobre parte da parede, onde entram desenhos do artista, transpostos em forma digital por meio do computador, fotos de obras e composições tratadas graficamente com cores, mas essa é uma outra história… para uma outra comemoração.

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