Mitos sobre Einstein

Plagiador? Mau aluno? Neste ensaio, o Prof. Carlos Alberto dos Santos discute mitos e desinformações sobre a trajetória intelectual de Albert Einstein.

por Carlos Alberto dos Santos

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Talvez Einstein seja o cientista mais biografado da história; provavelmente em função disso, talvez seja também aquele a respeito de quem uma extensa atmosfera mitológica tenha se formado. Certamente é o mais midiático de todos os físicos. Em seu livro, Einstein viveu aqui, Abraham Pais[1] apresenta um extenso levantamento de notícias sobre Einstein na imprensa mundial, desde o singelo anúncio de aulas particulares que ele fez no dia 5 de fevereiro de 1902, no jornal de Berna Anzeiger für die Stadt Bern, até as notícias com impactos mundiais, que se iniciaram em 1919, logo após o eclipse solar observado em Sobral (CE) e na ilha de Príncipe, na África. O fenômeno comprovou uma previsão da teoria da relatividade geral, segundo a qual a luz apresentaria uma curvatura ao passar nas proximidades de um grande corpo celeste. Era o efeito do campo gravitacional do Sol sobre a luz.

Se o levantamento objetivo e quantitativo de Abraham Pais, até 1994, nos evidencia a notável midiatização em torno de Einstein, ainda não temos uma explicação consensual sobre as razões dessa midiatização. Ao meu conhecimento, o único a apresentar uma justificativa foi Pais, no mencionado livro. De qualquer modo, não é essa a razão do presente ensaio. O que desejo aqui é contribuir para a desmistificação do cenário mitológico que falseia a biografia de Einstein, e é um cenário com horizonte absurdamente grande. A literatura historiográfica é constituída basicamente de três tipos de documentos, classificados como fontes primárias, secundárias e terciárias. Quando se trata de biografia, as fontes primárias são aquelas produzidas pelo biografado, enquanto as fontes secundárias são aquelas produzidas por quem teve contato com o biografado e por quem investigou as fontes primárias. As fontes secundárias constituem o principal arsenal de informação da historiografia. Geralmente são produzidas por historiadores e estudiosos acadêmicos. As fontes terciárias são aquelas produzidas a partir das fontes primárias e secundárias. Nessa categoria encontram-se as mais populares biografias disponíveis na literatura, e são as principais fontes de desinformações históricas, como veremos a seguir.

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Einstein era mau aluno

Comecemos pelo espaço mais frequentado atualmente, a Internet. Para a expressão “Einstein era mau aluno”, o Google recupera aproximadamente 605 documentos. Para a mesma expressão em inglês, “einstein was a bad student”, o Google recupera aproximadamente 3770 documentos. Vejamos algumas das páginas em português, que aparecem no topo da pesquisa no Google, em 3/3/2021, começando com um artigo da Super Interessante[2]. O autor começa com essa frase equivocada “Que era mau aluno – ou pelo menos que tirava notas ruins – é verdade.”  Mais adiante, o autor escreve “Einstein passou raspando nos exames finais” durante o curso de graduação na Escola Técnica de Zurique, a famosa ETH. Os dois equívocos têm origem no desconhecimento da escala de notas da Suíça no final do século 19. Não há registro na literatura das notas de Einstein durante sua educação secundária em Munique. Tudo o que se conhece são trechos de cartas de sua mãe para familiares, dando conta de que Einstein tirou a melhor nota da classe, etc.

Os primeiros registros encontrados na literatura estão nos arquivos conhecidos como Collected Papers of Albert Einstein, daqui por diante, CPAE. Esses arquivos estão disponíveis na Internet, em alemão e em inglês[3]. Nas páginas 15 a 17 do vol. 1 encontram-se as notas do último ano do ensino secundário, que Einstein fez na Aargau Kantonsschule, em Aarau, na Suíça. No primeiro semestre, as notas de Einstein em matemática e física estiveram entre 1 e 2, enquanto no segundo semestre elas estiveram entre 5 e 6. O leitor desavisado dirá que ele era péssimo aluno no primeiro semestre, e que melhorou no segundo semestre. Essa é a origem do mito de que Einstein era mau aluno no ensino secundário. Vamos desconstruir o mito.

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Notas finais de conclusão do ensino médio, em 1896. A nota mínima era 1, enquanto 6 era a nota máxima. (EinsteinPapers)

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Na página 17, a nota editorial do CPAE informa que no primeiro semestre, a nota 1 era a máxima, enquanto a 6 era mínima. No semestre seguinte a ordem foi invertida. Portanto, na escala decimal, nos dois semestres as notas de Einstein em matemática e física foram superiores a 9. Einstein era um aluno excelente em matemática e física.

Esse tipo de equívoco também foi cometido por alguns biógrafos desatentos em relação às notas da ETH, que ele frequentou entre 1896 e 1900. Na página 214 do volume supra citado, encontram-se as notas do exame intermediário da ETH, realizado ao final do segundo ano. As notas estão na escala 1-6, e Einstein obteve notas entre 5 e 6 em todas as matérias. Ou seja, notas entre 9 e 10. Foi o melhor aluno da turma. No exame final, realizado ao final do quarto ano (página 247), Einstein obteve média entre 8 e 9 e ficou em último lugar entre os quatro aprovados. Mas aqui há uma explicação. A partir do segundo ano, Einstein ficou frustrado com o nível dos cursos na ETH, e passou a faltar as aulas para ficar em casa ou na biblioteca lendo a literatura da física contemporânea, que não era abordada pelos professores da ETH. Essas leituras isoladas, fora das aulas da ETH, levaram-no a produzir seus extraordinários trabalhos publicados em 1905.

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Notas do exame intermediário na ETH (EinsteinPapers)

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Notas do exame final na ETH (EinsteinPapers)

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Na página do Colégio Itu[4], Deborah Dubner transcreve uma frase contida no livro Fomos maus alunos, de Gilberto Dimenstein, segundo o qual “Einstein era mau aluno, foi reprovado em matemática”. É impressionante a persistência do mito, a despeito de um sem-número de matérias na Internet negando sua veracidade. Por exemplo, apresentando uma resenha do livro Grandes mitos da ciência, de Karl Kruszenlnicki, a Folha de São Paulo também fornece as informações corretas sobre as notas de Einstein, em linha de argumentação similar a essa que apresentei[5].

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Mileva Maric, sua primeira esposa fez os cálculos da teoria da relatividade

Talvez este seja o mito mais difundido na literatura sensacionalista dirigida ao grande público, apesar de inúmeros trabalhos de conceituados historiadores contrapondo-se à extravagante hipótese. Tratei desse mito em ensaio publicado aqui no Estado da Arte[6], razão pela qual não o abordarei aqui.

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Einstein abandonou seus filhos

Mais uma vez, me valho do mecanismo de busca na Internet mais popular atualmente, o Google. Com a expressão Einstein abandonou seus filhos, sem aspas, o Google recuperou, em 3/3/2021, aproximadamente 179 mil documentos. Os três primeiros são da página Aventuras na História, e todos eles baseiam-se no livro de Walter Isaacson, Einstein: sua vida, seu universo, uma fonte terciária que usa boas fontes secundárias, mas deixa seu leitor em um mar de dúvidas quando trata de Lieserl, a filha que Einstein não chegou a conhecer[7]. Sob o título Albert Einstein abandonou a sua primeira filha, Simone Bitar usa informações de Isaacson para falar de Lieserl[8]. Vejamos o que há de registros documentais a respeito do caso Lieserl. Lieserl nasceu em janeiro de 1902, quando Mileva e Einstein ainda não eram casados. Seu nascimento ficou em segredo até 1986, quando a equipe que organizava os CPAE tomou conhecimento de 54 cartas trocadas entre Mileva e Einstein, entre 1897 e 1903[9]. Nessa correspondência, existem seis cartas nas quais eles mencionam Lieserl. Esses são os únicos documentos existentes sobre Lieserl. Todo o resto que a literatura trata é pura especulação. Vejamos os documentos e algumas especulações.

A primeira carta é de Einstein, no final de maio de 1901, logo depois que soube da gravidez. A carta de Mileva dando a notícia foi extraviada. Ela deve ter manifestado preocupação com a situação. Einstein tenta acalmá-la:

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Alegre-se e não se aflija, querida. Não hei de deixá-la e encaminharei tudo para uma conclusão feliz. Apenas seja paciente! Verá que meus braços não oferecem mau repouso, mesmo que agora tudo esteja começando um pouco às avessas. Como está querida? Como vai o menino?

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Fica claro que Einstein desejava um menino. Ele reforça esse desejo em outra carta. Poucos dias depois, ele volta a mencionar a criança, perguntando como ela está, e como está o humor de Mileva. A terceira carta sobre Lieserl foi escrita por Mileva, no início de novembro:

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Escreverei a Helene. A essa altura já deve ter tido seu “filhotinho”. Não lhe escrevi até agora porque simplesmente não pude me forçar a fazê-lo durante aqueles tempos terríveis. Escrevi uma longa carta certa vez, onde lhe abri meu coração, mas depois a rasguei. Ainda bem. Acho que não devemos dizer nada sobre Lieserl no momento. Mas devia lhe escrever algumas palavras de vez em quando. Devemos tratá-la bem porque pode nos ajudar num assunto importante, mas principalmente porque é gentil e atenciosa e ficaria muito contente. Concorda, querido?

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É provável que essa carta um tanto enigmática tenha induzido o surgimento da hipótese de que Helene teria adotado Lieserl. Simone Bitar reproduz essa hipótese, extraída do livro de Isaacson. Segundo este autor, Zorka, filha de Helene, seria Lieserl. Ainda segundo Isaacson (p.105), Zorka era cega desde a infância e nunca se casou. Walter Isaacson confunde-se. A filha de Helene chamava-se Zora, casou-se, teve duas filhas, e só ficou cega na idade adulta. Talvez Isaacson faça confusão com o nome da irmã de Mileva, Zorka, que nunca se casou e faleceu com sérios problemas mentais. Zora, a filha de Helene, nasceu no início de 1903, enquanto Lieserl nasceu um ano antes.

Um mês depois, é Einstein quem escreve outra carta enigmática (Mileva está com oito meses de gravidez):

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Cuide-se bem e mantenha o ânimo, e alegre-se pensando em nossa querida Lieserl, que em segredo (para que a Boneca não reclame) prefiro imaginar um Hanserl. […] O único problema que resta a ser resolvido é como manter nossa Lieserl conosco. Não gostaria de precisar desistir dela. Consulte seu papai: é um homem experiente e conhece o mundo melhor que seu sobrecarregado e pouco prático Johnnie [apelido que Mileva colocou em Einstein]. Não deviam enchê-la de leite de vaca, pois pode torná-la estúpida. (O seu seria mais nutritivo, certo?)

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A carta é ambígua. Sugere que eles não poderiam viver com a criança na Suíça, se não fossem casados. Mas, por que não decidiam se casar? Por outro lado, ao dizer que não gostaria de desistir da criança, Einstein sugere que eles pensaram na doação.

No início de fevereiro de 1902, Einstein escreve para Mileva, depois de ter sido informado pelo seu pai de que ela teria dado à luz a uma menina:

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É uma pena que nossa Lieserl tenha que ser apresentada ao mundo desse jeito. […] Está com saúde e chora direito? Como são seus olhos? Parece mais comigo ou com você? Quem a está amamentando? Ela tem fome? Deve ser totalmente careca. Já a amo tanto e nem a conheço! Encomende uma fotografia dela para mim quando tiver recobrado a saúde. Já está olhando para as coisas?

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Finalmente, a última carta em que Lieserl é mencionada, é também a última das cartas de amor localizadas na casa do filho de Einstein, Hans Albert, alguns anos após sua morte. No momento da carta, meados de setembro de 1903, Mileva está grávida de Hans Albert:

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Lamento muito pelo que sucedeu a Lieserl. É muito fácil sofrer sequelas permanentes da escarlatina. Se ao menos isso acabasse! Como a criança foi registrada? Devemos tomar precauções para que não tenha problemas mais tarde.

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Mas, o que de fato aconteceu com Lieserl? Por essa última carta fica claro que ela teve escarlatina, mas não se sabe a consequência. Há muitas hipóteses levantadas por historiadores reconhecidamente sérios e competentes, mas nenhuma é amparada em documentos. São todas conjecturas a partir de indícios, como esses contidos nas cartas de amor. Um bom levantamento dessas conjecturas é apresentado por Allen Esterson e David C. Cassidy, com a colaboração de Ruth Lewin Sime[10], mas a mais sistemática investigação sobre o que teria ocorrido com Lieser foi realizada por Michele Zackheim. Os detalhes de suas tentativas foram apresentados no livro Einstein’s Daughter: the search for Lieserl[11]. Ao longo de cinco anos, nos quais fez várias viagens à Sérvia, consultando centenas de documentos em cartórios, cemitérios e hospitais coletando informações em mais de uma centena de entrevistas, Zackheim finaliza seu livro com uma sentença inconclusiva:

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Acredito que Lieserl Einstein-Maric, nascida com deficiência mental, morreu aos 21 meses de escarlatina agravada por infecções invasivas secundárias, como choque séptico ou endocardite ou pneumonia, em 15 de setembro de 1903, o dia de um eclipse solar, quando o sol desapareceu do céu.

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Vale uma pequena correção: o eclipse solar total ocorreu no dia 21 de setembro.

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Os principais trabalhos de Einstein são plágios

Em maior ou menor grau, com algum interesse acadêmico ou simples sensacionalismo, esse é outro mito bastante recorrente. Todavia, não conheço qualquer biografia séria sobre Einstein que trate esse assunto com algum destaque, por exemplo, incluindo-o no índice remissivo. O tratamento que se vê na literatura academicamente aceitável é apenas marginal. É na literatura sensacionalista que o assunto eclode com mais intensidade. Com a sentença “Einstein plagiarist”, o Google recupera aproximadamente 3.490 documentos, entre os quais selecionei um que defende a plausibilidade do mito[12]. Da vasta literatura acadêmica que discute o tema, e que não defende o mito, eu sugiro cinco artigos[13]–[17] e o livro de Roberto de Andrade Martins[18].

De um modo geral, as alegações de plágio resultam do desconhecimento do processo de criação científica. Aliás, a rigor, de todo o processo da criação humana. Ninguém faz nada do nada. Isso é muito bem sintetizado na famosa frase de Newton: Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes. Então, muita gente vê o avanço científico a partir do conhecimento anterior, como plágio. No caso de Einstein, costuma-se dizer que ele plagiou Hendrik Lorentz e Henri Poincaré no desenvolvimento da teoria da relatividade restrita (ou especial). Roberto Martins analisa muito bem essa questão[18]. Para muitos, o indício de que ele plagiou é o fato de que ele não cita esses autores no seu famoso trabalho de 1905. Trata-se de uma visão ingênua. Obviamente Einstein não estava tentando burlar ninguém, ao deixar de citar Lorentz e Poincaré. Ele publicou praticamente todos os seus trabalhos na década de 1900 na conceituada revista alemã Annalen der Physik, acessível a toda a comunidade científica mundial. O fato de ser muito parcimonioso nas citações bibliográficas fazia parte de seu estilo, não da tentativa de esconder a contribuição dos outros. Se é verdade que isso incomodou Poincaré, a Lorentz não causou o menor incômodo. O físico holandês foi um dos ídolos de Einstein, e seu grande admirador desde quando se conheceram.

Mais escandalosa do que a acusação de plágio na teoria da relatividade, foi a dúvida levantada em 1985 de que sua famosa equação E=mc2 teria sido plagiada de um trabalho publicado por um cientista amador na Itália em 1904. Essa dúvida foi levantada por Umberto Bartocci, professor de geometria e história da matemática da Universidade de Perúgia, Itália. Em 1999, The Guardian publicou uma matéria intitulada Einstein’s E=mc2 ‘was Italian’s idea’. Foi aí que tomei conhecimento da história, e anos depois escrevi a novela O plágio de Einstein[19] para desmistificá-la. Na novela, a personagem Alberto Bartolucci é quem discute o trabalho de Olinto de Prietto (OdP), o italiano de quem Einstein teria plagiado a equação da equivalência massa-energia. Bartolucci informa que OdP parte da suposição de que as vibrações no éter têm velocidade de propagação igual à velocidade da luz. Em seguida ele usa o conceito de vis viva, proposto por Leibniz no final do século 17, e introduz a equação E=mv2, que representaria a energia latente na matéria. Todavia, Bartolucci destaca a principal contradição de OdP, que ao formular seus cálculos, usa arbitrariamente um corpo que viaja com a velocidade da luz. Ou seja, trata-se de uma energia cinética e não de uma energia latente na matéria. Mas por que OdP representou a energia cinética por mv2 e não pela fórmula usual ½ mv2? A resposta é simples. A vis viva, usada por OdP, fora associada à energia de um corpo em movimento até 1856, quando Lord Kelvin introduziu o termo energia cinética e a expressão que hoje usamos. Todavia, a expressão usada por OdP continuava em muitos textos didáticos até o início do século 20.

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(Reprodução)

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No trabalho de 1905, quando Einstein deduz sua fórmula E=mc2, ele parte de seu artigo sobre a teoria da relatividade, que desconsidera completamente a existência do éter. Depois de alguns cálculos operacionalmente simples, mas conceitualmente complicados, ele mostra que se um corpo emite uma energia E, sua massa decresce de uma quantidade E/c2. Ou seja, E=mc2. Einstein propõe que esse tipo de energia poderia ser medido nos processos radioativos. Quando disse isso, nem de longe imaginava a possibilidade da fissão nuclear, descoberta em 1938, que confirmou dramaticamente a veracidade da fórmula.

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As desinformações no imaginário popular

A página do Linkedin Was he a thief, a liar and a plagiarist? (Ele era um ladrão, um mentiroso e um plagiador?) é um exemplo ilustrativo do imaginário popular a respeito dos plágios imputados a Einstein. Para quem minimamente conhece a biografia de Einstein, percebe o nível de desinformação do artigo já na sua abertura:

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ALBERT EINSTEIN é considerado “um gênio raro”, que mudou drasticamente o campo da física teórica. No entanto, usando a técnica conhecida como ‘A Mentira Frequentemente Repetida = Verdade’, ele se tornou um ídolo para os jovens, e seu próprio nome se tornou sinônimo de gênio.

A VERDADE, NO ENTANTO, É MUITO DIFERENTE. Einstein era uma pessoa inepta e idiota, que não conseguia nem amarrar os próprios cadarços; ele não contribuiu com NADA ORIGINAL para o campo da mecânica quântica, nem qualquer outra ciência. Pelo contrário, ele roubou as ideias de outros, e a mídia controlada por judeus fez dele um ‘herói’.

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Reproduzirei e contestarei aqui outros equívocos grosseiros do artigo, como este:

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Em 1895, Einstein foi reprovado em um simples exame de admissão para uma escola de engenharia em Zurique. Esse exame consistia principalmente em problemas matemáticos, e Einstein mostrou-se matematicamente inepto nesse exame.

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Esse evento foi discutido naquele capítulo que escrevi para o livro do Instituto Sangari[20]. A história correta, a partir de registros documentais, é a seguinte. No final de 1894, Einstein abandona o Ginásio Luitpold, em Munique, no último ano do ensino médio, sem obter o diploma que lhe permitiria ingressar em qualquer universidade da Alemanha e da Suíça sem ter que prestar exame de admissão. No ano seguinte, com 16 anos e cinco meses, ele se submeteu a um exame de admissão na Escola Politécnica Federal de Zurique (Eidgenössische Technische Hochschule), a ainda hoje famosa ETH. Foi reprovado nas provas de botânica, zoologia e línguas modernas. Ou seja, o exame não consistia principalmente em problemas matemáticos. Embora tenha sido reprovado nessas disciplinas, seus resultados em matemática e física foram tão impressionantes que chamaram a atenção do diretor da ETH. Foi aconselhado por este a concluir o ensino médio em uma escola cantonal em Aarau, próxima a Zurique, e no ano seguinte ingressar na ETH com o diploma do ensino médio. Na escola de Aarau ele teve notas entre 9 e 10 em matemática e física. Na ETH foi o melhor aluno no exame intermediário, ao final do segundo ano de curso. Como escrevi acima, a partir de então ele se desinteressou pelas aulas e praticamente deixou de assisti-las. Ficava em casa ou na biblioteca consultando a literatura científica contemporânea da época, que não era abordada pelos professores da ETH. Durante este período, de 1898 a 1904, ele se preparou para escrever os extraordinários trabalhos de 1905.

Mais adiante, o autor afirma que a teoria da relatividade restrita é talvez a ideia mais famosa falsamente atribuída a Einstein. Sugiro que o leitor consulte o livro de Roberto de Andrade Martins[18], e os artigos[13]–[17] para desmistificar essa afirmação absurda. Não a discutirei aqui porque já fiz isso em ensaio anterior[21]. Depois da relatividade restrita, o autor da Linkedin aborda a relatividade geral com o mesmo nível de desinformação, mencionando a ajuda que Marcel Grossmann deu a Einstein. Sobre isso fiz um longo ensaio há alguns meses[22].

Como se não bastasse o arsenal de desinformações, o artigo da Linkedin é um preconceituoso manifesto antissemita. Não temos aqui espaço suficiente para tratar de tudo isso. Nem acho que devamos oferecer palco a esse tipo de literatura, para além do limite científico. Ou seja, como cientista e divulgador da ciência sinto-me na obrigação de rebater os equívocos grosseiros que a matéria apresenta. Esse tipo de literatura pode induzir milhares de leitores a propagarem suas desinformações. Concluirei a análise dessa matéria abordando o caso do efeito fotoelétrico (EF). Depois desse assunto, o autor dedica-se em larga extensão ao seu discurso racista, eventualmente trazendo à baila o caso da bomba atômica. Sobre isso, escrevi dois ensaios aqui no Estado da Arte[23], [24].

Sobre o efeito fotoelétrico, o autor afirma:

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O último assunto tratado nos artigos de Einstein de 1905 foi a base da teoria da luz do fóton. Einstein escreveu sobre o efeito fotoelétrico. O efeito fotoelétrico é a liberação de elétrons de certos metais ou semicondutores pela ação da luz. Essa área de pesquisa é particularmente importante para o mito de Einstein porque foi por esse tópico que ele recebeu INJUSTAMENTE o Prêmio Nobel de 1922.

Mas NOVAMENTE NÃO É EINSTEIN, SÃO WILHELM WIEN E MAX PLANCK QUE MERECEM O CRÉDITO. O ponto principal do artigo de Einstein, e o ponto pelo qual ele recebe crédito, é que a luz é emitida e absorvida em pacotes finitos chamados quanta. Essa foi a explicação para o efeito fotoelétrico. O efeito fotoelétrico foi explicado por Heinrich Hertz em 1888. Hertz e outros, incluindo Philipp Lenard, trabalharam na compreensão desse fenômeno.

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Sobre este assunto escrevi um longo capítulo para o livro A luz e algumas de suas tecnologias: um estudo da física[25], um artigo para a Revista Brasileiro de Ensino de Física[26], e um artigo na revista Ciência Hoje, para comemorar o centenário do artigo de Robert Millikan, que comprovou experimentalmente a equação de Einstein para o efeito fotoelétrico, pela qual ele ganhou o Nobel de 1921[27]. O que apresentarei a seguir, em resposta ao que diz o autor da Linkedin, foi extraído dessas publicações. Farei isso a partir de trechos do artigo da Linkedin, transcritos acima.

Em primeiro lugar, Wien e Planck não trabalharam com o EF. Suas ideias em termodinâmica foram usadas por Einstein para chegar à revolucionária equação do EF. O fato de começar seu artigo publicado em 1905, intitulado Sobre um ponto de vista heurístico concernente à produção e transformação da luz, com a teoria de Planck sobre a quantização da energia, e chegar à equação do EF, é um dos grandes triunfos epistemológicos de Einstein. A comunidade científica mundial necessitou de 20 anos para compreender a profundidade de sua teoria do fóton. Em 1909, Einstein mostra que sua revolucionária teoria, usando a quantização de Planck, é consistente com teorias clássicas de Wien e de Rayleigh e Jeans. Foi a primeira vez que a ideia da dualidade partícula-onda foi exposta em uma publicação científica. Depois de 1925 essa ideia foi predominante na literatura científica. A propósito, toda nossa tecnologia eletrônica contemporânea existe graças a esse comportamento dual da natureza. Se não fosse o efeito de tunelamento, diretamente ligado à dualidade partícula-onda, não teríamos o transistor, e sem esse dispositivo não teríamos e microeletrônica, o coração da nossa sociedade da informação.

Não é possível saber se o autor não domina os fundamentos científicos do EF ou falseia a história quando afirma que o EF foi explicado por Heinrich Hertz em 1888. Hertz e outros, incluindo Philipp Lenard, trabalharam na compreensão desse fenômeno. Essa história é bem conhecida na literatura, e não é essa que o autor relata. O EF foi descoberto por acaso, quando Hertz estava tentando produzir e detectar ondas eletromagnéticas, em 1887. Como ele estava interessado unicamente nas ondas eletromagnéticas, publicou uma pequena nota relatando a descoberta, e deixou a cargo de seu assistente, Philipp Lenard, o trabalho de estudar o fenômeno. Lenard, que era um excelente experimentalista, mas reconhecidamente limitado nas interpretações teóricas de seus resultados, ficou até 1902 tentando explicar o EF a partir da teoria clássica do eletromagnetismo. Não teve sucesso na explicação. Foi aí que apareceu Einstein e explicou o fenômeno em 1905, a partir do seu modelo corpuscular da luz.

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Análise sociológica: o reconhecimento da comunidade científica

Com muita frequência me perguntam o que eu acho das acusações de plágios praticados por Einstein. No início eu sempre respondia com argumentos similares àqueles que apresentei acima, mas depois passei a preferir argumentos mais palatáveis para o grande público. Nessa linha de argumentação eu inicio com uma pergunta: Você acha que se Einstein tivesse cometido todos os plágios que lhes são imputados, ele teria o reconhecimento que teve da comunidade científica internacional? E que reconhecimento foi esse? Uma parte da resposta encontra-se no capítulo que escrevi para o livro Einstein: muito além da relatividade, editado pelo Instituto Sangari[20]. Complementarei aqui o que escrevi naquela oportunidade.

Antes dos seus seminais artigos de 1905, publicados sem qualquer orientação acadêmica, simultaneamente com a elaboração de sua tese de doutorado, aceita naquele mesmo ano e tratando de um assunto diferente daqueles abordados nos icônicos artigos, Einstein publica outros cinco artigos, entre 1901 e 1904. Ou seja, antes de seu doutorado, Einstein já tinha dez artigos publicados no Annalen der Physik (AdP), naquela época um dos três ou quatro mais importantes periódicos científicos do mundo. Embora Einstein não tenha atribuído grande valor científico a essa produção anterior ao seu ano miraculoso, aqueles artigos devem ter impressionado um ou mais dos editores do AdP. No início de 1905, antes de Einstein submeter seus famosos trabalhos, ele foi convidado para escrever revisões para o suplemento do AdP (Beiblätter zu den Annalen der Physik), pelas quais era remunerado. Trata-se de um convite inusitado, porque dirigido a um jovem autor, sem o grau de doutor e sem nenhum vínculo com o ambiente acadêmico. Se naquele início de ano tivesse Einstein abandonado sua carreira científica, certamente o convite intrigaria os historiadores. Hoje, 120 anos depois, fica claro que Einstein era a pessoa certa para fazer as revisões, o que reforça o mérito do editor por ter antecipado esta avaliação.

A primeira atividade acadêmica de Einstein só veio em 1908, quando ele é admitido como Privatdozent na Universidade de Berna. Trata-se de um título, não de um emprego. Ele tem o direito de ministrar aulas na universidade, gratuitamente, ou pagas pelos alunos. O Privatdozent não é remunerado pela universidade. Quando ele foi aceito pela Universidade de Berna como Privatdozent, já tinha publicado 25 artigos, quase todos no AdP. Em 1909, ainda como Privatdozent, Einstein recebe, da Universidade de Genebra, seu primeiro título de doutor honoris causa. Logo depois é contratado como professor associado pela Universidade Zurique. No ano seguinte, ele é indicado pela primeira vez para receber o Prêmio Nobel de Física. A partir de então é indicado em todos anos, até 1922, quando a Academia das Ciências da Suécia lhe confere o prêmio de 1921. Só não foi indicado em 1911 e 1915.

Outra indicação de reconhecimento da comunidade científica internacional, são as participações de Einstein nas Conferências Solvay. Em 1911, o químico e industrial belga Ernest Solvay decidiu patrocinar a organização de um conselho científico internacional para elucidar algumas questões da atualidade das teorias moleculares e cinéticas. No comunicado que fez aos convidados, Solvay destaca as contribuições de Planck e Einstein para o tema da primeira reunião: teoria da radiação e os quanta. O conselho, presidido por Lorentz, era composto por 23 personalidades da comunidade científica internacional. No ano seguinte, Solvay cria o Instituto Internacional Solvay para Física, que passa a promover as Conferências Solvay, ainda hoje o evento público mais seletivo da física. Atualmente, o conselho científico de física conta com três ganhadores de prêmio Nobel, e o de química com seis premiados.

Eu costumo avaliar a importância de Einstein entre os participantes da Solvay, pela posição que ele ocupa nas várias edições. Em 1911 e 1913 ele fica de pé, na fila de trás. Em 1927 e 1930 ele está sentado, na primeira fila.

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Participantes do Congresso Solvay, 1911, 1913, 1927 e 1930 (WikimediaCommons)

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Finalmente, reconhecimento maior da comunidade científica, Einstein não poderia receber como aquele gesto feito por dois dos mais respeitados cientistas da Alemanha em 1913. O físico Max Planck (Prêmio Nobel de 1918) e o químico Walther Nernst (Prêmio Nobel de 1920) foram a Zurique para convidar Einstein a se mudar para
Berlim. A oferta não era pequena. Aos 34 anos, Einstein seria o mais jovem membro da prestigiosa Academia Prussiana de Ciências. Seria professor da Universidade de Berlim sem qualquer obrigação docente, e seria o diretor do Instituto de Física a ser em breve criado, no âmbito dos Institutos Kaiser Wilhelm. Para coroar a oferta dos deuses, receberia 12 mil marcos mensais, o máximo que um professor prussiano poderia receber. Obviamente Einstein aceitou o convite, e só deixou a Universidade de Berlim quando teve que fugir da perseguição nazista, em 1933. Foi um dos presentes de Hitler aos EUA.

Essa não pode ser a história de alguém que teria cometido os plágios que lhes são atribuídos pela mídia sensacionalista e pelos apoiadores do antissemitismo.

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Notas

[1]      A. Pais, Einstein viveu aqui. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

[2]      F. Badô, “É verdade que Einstein era mau aluno e não ia bem em matemática?,” Super Interessante, 2018. [Online]. Available: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/e-verdade-que-einstein-era-mau-aluno-e-nao-ia-bem-em-matematica/. [Accessed: 03-Mar-2012].

[3]      CPAE, “The Collected Papers of Albert Einstein,” Einstein Papers – Princeton University, 1987. [Online]. Available: https://einsteinpapers.press.princeton.edu. [Accessed: 03-Mar-2021].

[4]      D. Dubner, “Que escola você quer para o seu filho,” Escolas de Itu, 2018. .

[5]      Editoria, “Autor derruba mito de que Einstein era mau aluno,” Folha de São Paulo, 2013. [Online]. Available: https://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/2013/10/1356303-grandes-mitos-da-ciencia.shtml. [Accessed: 03-Mar-2021].

[6]      C. A. dos Santos, “Einstein, Mileva e Helene Savic,” Estado da Arte / Estadão, São Paulo, 18-Sep-2020.

[7]      W. Isaacson, Einstein: sua vida, seu universo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

[8]      S. Bitar, “Albert Einstein abandonou a sua primeira filha,” Aventuras na História, 2019. [Online]. Available: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/almanaque/historia-a-filha-abandonada-de-albert-einstein.phtml. [Accessed: 10-Mar-2021].

[9]      J. Renn and R. Schulmann, Albert Einstein-Mileva Maric: cartas de amor. Campinas: Papirus, 1992.

[10]    A. Esterson and D. C. Cassidy, Einstein’s wife: the story of Mileva Einstein-Maric. Cambridge: MIT Press, 2019.

[11]    M. Zackheim, Einstein’s Daughter: The Search for Lieserl. New York: Riverhead Books, 1999.

[12]    S. Siddeeque, “Was he a thief, a liar and a plagiarist?,” Linkedin, 2017. [Online]. Available: https://www.linkedin.com/pulse/he-thief-liar-plagiarist-shimry-siddeeque?trk=related_artice_Was he a thief%2C a liar and a plagiarist%3F_article-card_title. [Accessed: 11-Mar-2021].

[13]    G. HOLTON, “Influences on Einstein’s early work in relativity theory,” Am. Scholar, vol. 37, no. 1, pp. 59–79, 1967.

[14]    N. J. Nersessian, “‘Why wasn’t Lorentz Einstein?’ An examination of the scientific method of H. A. Lorentz,” Centaurus, vol. 29, pp. 205–242, 1986.

[15]    O. Darrigol, “The mystery of the Einstein-Poincaré Connection,” Isis, vol. 95, no. 4, pp. 614–626, 2004.

[16]    R. Cerf, “Dismissing renewed attempts to deny Einstein the discovery of special relativity,” Am. J. Phys., vol. 74, no. 9, pp. 818–824, 2006.

[17]    Y. Gingras, “The collective construction of scientific memory: The Einstein- Poincaré connection and its discontents, 1905-2005,” Hist. Sci., 2008.

[18]    R. A. Martins, A origem histórica da relatividade especial. São Paulo: Livraria da Física, 2015.

[19]    C. A. dos Santos, O plágio de Einstein. Porto Alegre: WS Editor, 2003.

[20]    C. A. dos Santos, “Einstein: antes, durante e depois do seu ano miraculoso,” in Einstein: muito além da relatividade, M. Knobel and P. Schulz, Eds. São Paulo: Instituto Sangari, 2010, pp. 61–86.

[21]    C. A. dos Santos, “Einstein e Mileva: amor, ódio e paz,” Estado da Arte / Estadão, São Paulo, 12-Mar-2021.

[22]    C. A. dos Santos, “Marcel Grossmann, amigo e protetor de Einstein,” Estado da Arte / Estadão, São Paulo, 05-May-2020.

[23]    C. A. dos Santos, “O contexto científico da peça Copenhagen-Parte 1,” Estado da Arte / Estadão, São Paulo, 07-Jun-2020.

[24]    C. A. dos Santos, “O contexto científico da peça Copenhagen – Parte 2,” Estado da Arte / Estadão, São Paulo, 12-Jun-2020.

[25]    C. A. dos Santos, “O fóton e sua atribulada existência de 1905 a 1925,” in A luz e algumas de suas tecnologias: um estudo da física, C. A. dos Santos, Ed. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2017, pp. 95–156.

[26]    C. A. dos Santos, “Millikan e a questão do potencial de contato no experimento do efeito fotoelétrico,” Rev. Bras. Ensino Física, vol. 40, no. 3, p. e3602, 2018.

[27]    C. A. dos Santos, “Millikan e o efeito fotoelétrico,” Ciência Hoje, vol. 339, pp. 61–63, 2016.

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Agradeço ao professor Luiz Fernando Ziebell, do Instituto de Física da UFRGS, pela cuidadosa leitura do manuscrito.

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