Berlinale 4 – Agnès Varda, Denis Côté e Isabel Coixet

Em Berlim, a cineasta Agnès Varda mexeu com o Festival. Ela, ícone do cinema, está aqui para lançar um documentário autobiográfico aos 90 anos de idade,
Ghost Town Anthology, de Denis Côté

por Willian Silveira

A Berlinale vai enfileirando nomes de peso e uma passagem não me sai da cabeça: “if we opened people up, we’d find landscapes. If we opened me up, we’d find beaches”. Na verdade, não é apenas ao que a frase remete, representativa de um olhar generoso em direção ao mundo, mas a própria presença da sua autora, Agnès Varda. Em Berlim, a cineasta mexeu com o Festival. Ela, ícone do cinema, está aqui para lançar um documentário autobiográfico aos 90 anos de idade, acreditem. Ver esse amor por criar deixou o festival – tão político, tão pesado – mais leve e otimista.

Varda par Agnès, de Agnès Varda (2019)

Varda par Agnès  reconstitui a carreira da diretora nascida em Bruxelas, em 1928, e, independente de não concorrer ao Urso de Ouro, tornou-se um momento revigorante para o festival, pois Varda guarda um diálogo precioso com a história da imagem. Sim, afinal a sua carreira foi e está sendo construída em paralelo com a história do cinema. Intuitiva, espontânea, sagaz e sensível, Agnès faz do longa tanto um testamento visual quanto uma aula magna para artistas, fotógrafos e cineastas. 

Produzido pelo MoMa e pela Fundação Cartier, o documentário reúne o legado de uma jovem que começou filmando pelo simples prazer de enquadrar os outros através de uma lente. Apaixonada pela imagem e seus desdobramentos, Varda transitou pela fotografia, pintura e instalações. Tornou-se uma artista por excelência. Para o filme As Praias de Agnès, conseguiu o feito de interditar a Rue Daguerre, em Paris, e montar uma praia no meio da capital francesa. Ninguém consegue tal permissão caso não seja patrimônio da humanidade. Ninguém consegue isso se não for Agnès Varda.

Ghost Town Anthology, de Denis Côté (2019)

Ghost Town Anthology trouxe outro nome de peso ao festival: Denis Côté. Autor de Vic+Flo, o canadense surpreendeu público e crítica ao apostar em um cinema calcado no suspense psicológico e no terror, flertando, ainda, com o sobrenatural. O filme começa bem. Em uma cidade pequena, o suicídio de um jovem amado por todos desperta incredulidade e coloca os habitantes em estado de choque. Dizem as más línguas que quase tudo pode chocar um canadense, mas a verdade é que o filme, excessivamente plano, se ressente da força necessária para envolver o espectador. A partir do momento que isso fica claro, o sobrenatural deixa o longa ainda mais frágil, pois faz parecer que o filme enxerga neste recurso a última possibilidade para tornar-se instigante.

O fato de ter sido livremente inspirado no livro do Laurence Olivier pode apontar a inconstância da produção. Se adaptações não são fáceis, muito menos “inspirações livres”. É o caso de pensar se desta vez Côté, sempre ousado, não confiou demais na sua direção e ousou demais – até para si mesmo.

Elisa y Marcela, de Isabel Coixet (2019)

Se tem festival, tem Isabel Coixet. E as primeiras vaias foram ouvidas com ela. Não para o filme, que dá continuidade à trajetória sem inspiração dos últimos filmes da catalã. Coixet parece que parou mesmo nos anos 2000, com A Vida Secreta das Palavras Minha Vida Sem Mim. As vaias foram pela presença da Netflix como produtora do longa. Há algo a ser dito em tudo isso: Coixet há muito filma como se fosse para a televisão, então não imagino que a crítica deva seguir por aí. O caso é que o filme é fraco mesmo. 

Elisa y Marcela coloca mais uma história na conta das obras baseadas em fatos reais nesta Berlinale. A trama retratar a história de duas jovens que se apaixonam perdidamente. Quem conhece a filmografia de Coixet sabe como a mão dela pesa nos tons dramáticos. Aqui não foi diferente. Como em Roma, de Alfonso Cuarón, outra produção Netflix, a aposta foi trabalhar no registro a preto-e-branco. Mas a fotografia que impressiona em Roma por conta das suas composições e movimentos encontra poucos elementos para se justificar aqui, exceto por se passar no início do século XX. Movida por um enredo com potencial, a do primeiro casamento entre mulheres, celebrado em 1901, Elisa y Marcela preocupa-se demais em instituir um maniqueísmo debruçado no conto do amor romântico, do amor impossível e da luta para realizá-lo. Pois é exatamente a improdutividade do estilo barroco que freia o longa de superar o seu maior defeito – o melodrama.

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