por Willian Silveira
Caso não fosse capaz de sintetizar a sua trajetória, a irrelevante impressão deixada por Egon Schiele (1890-1918) na escola em que estudou, em uma pacata vila do império Austro-Húngaro, não seria digna de qualquer registro. Para além das constantes notas baixas em todas as disciplinas, a única lembrança passível de ser associada à memória do jovem soa tão vazia quanto genérica. Ele só sabia desenhar. Desenhar e correr, teria recordado uma professora.
O tempo, porém, se ocupou de colocar os desenhos em perspectiva. Tomados como prova do desinteresse intelectual, os traços garantiram a Schiele não apenas o ingresso na prestigiada Academia de Belas Artes de Viena, como serviram para despertar a atenção de um dos mais cobiçados mentores da época, Gustav Klimt (1862 – 1918), de O Beijo (1907). Quanto à velocidade, Egon também não a desperdiçou. Aplicando-a como pôde na boemia da época, vivendo de amante em amante, de obsessão em obsessão, acumulando nomes, curvas e aventuras como material de trabalho. Repetiu a itinerância sexual paterna – a mesma que lhe custou o pai, morto por sífilis, aos 15 anos – e fez dela caminho e revanche. Movido pela busca de uma composição artística vigorosa, Schiele combinou a interpretação das formas corporal e psíquica em um estilo cuja originalidade acabou por redefinir o gênero do retrato figurativo e antecipar o Expressionismo alemão.
Egon Schiele: Morte e a Donzela chega às telas com a missão de fazer jus a um dos artistas mais geniais e geniosos do século XX. O filme dirigido por Dieter Berger surge para finalmente ocupar o posto da cinebiografia dos anos 80 (Egon Schiele: Excesso e Punição), que peca pelo exagero nos tons dramáticos, ao espelhar de maneira pouco exitosa a estética do artista na tela – um recurso usado com sucesso no recente Com Amor, Van Gogh (2017).
Inspirado no livro Tod und Mädchen, de Hilde Berger, Morte e a Donzela aposta em uma narrativa de movimentos temporais. A tática não é inovadora, certamente, mas serve para desviar da principal característica dos filmes do gênero: o tédio. Partimos da Viena de 1918, quando o pouco que restou após a Primeira Grande Guerra será devastado pela gripe espanhola, em direção ao início do século XX. Viena, então, símbolo de esperança e prosperidade.
Neste cenário propício, os anos de formação de Schiele são ilustrados através de uma direção fluida, de intensidade dosada e certa sofisticação dramática inesperadas a um diretor conhecido somente pelos trabalhos para a televisão. A dedicação cega pelo ofício, a polêmica relação com a irmã Gerti (Maresi Riegner), a fundação do Neukunstgruppe, a paixão arrebatadora pela musa Wally (Valerie Pachner) até as primeiras exibições. Se o filme tem a virtude de selecionar com propriedade os eventos decisivos da vida do artista, também cabe ao longa responder pela superficialidade de algumas passagens. Em especial, nos casos polêmicos em que o protagonista, acusado de pedofilia e pornografia, acaba preso por 21 dias.
Naquilo que a estrutura de idas e vindas revela da sua fragilidade, Morte e a Donzela se sustenta na ótima reconstituição de época, tendo por base a plena harmonia das direções de arte e fotografia, e na intensa interpretação de Noah Saavedra no papel principal. Mais do que correto, o conjunto pode, assim como Schiele, estimular certa subversão nas cinebiografias futuras. E isso seria ótimo.