por Augusto de Carvalho
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Para a humanidade, de uma perspectiva realista, é impossível separar-se de si, deslocar-se organicamente para fora de sua presença. O fascínio pelas técnicas que de maneira artificial tornam presente o ausente, diminuem—mesmo que virtualmente—o tamanho do espaço ou aproximam o que está distante ao multiplicar determinada imagem, voz ou gesto, é uma clara evidência do desejo de mitigar a dependência humana do alcance exíguo da própria percepção.
Não raro, relaciona-se de modo indissociável o produto da experiência e a ideia de existência, o que manifesta um vínculo lógico entre aquilo que experimentamos sensorialmente como algo existente e o seu conhecimento—reiterando a mencionada dependência. Não se deve, todavia, reduzir a existência à experiência. Uma coisa é condicionar de modo significativo o entendimento do que se chama realidade à percepção, outra coisa é equacionar o real como o mero resultado da soma de experiências. Por isso, não há como limitar de maneira radical o conhecimento da realidade à experiência, muito menos reduzi-lo à minha própria experiência. Para compreender esse impasse, basta pensar que, se por um lado, nem tudo que se experimenta é, a seguir, necessariamente elaborado como conhecimento, por outro lado, nem tudo que se conhece foi imediatamente experimentado, mas eventualmente acessado pela capacidade intelectiva interna ao conhecimento, de forma indutiva ou dedutiva. Nada é experimentado sem alguma mediação, algum aparato intelectivo prévio ou dado. Todo conhecimento é, em alguma medida, uma técnica intelectual de reconhecimento. Logo, é plausível experimentar algo sem extrair de tal experiência algum conhecimento, bem como é possível conhecer sem possuir a experiência imediata sobre o objeto ou o ambiente de conhecimento. Não há, por exemplo, a necessidade de se conhecer as leis da realidade, da física e da metafísica, das condições psicológica e das estruturas sociais humanas, para experimentar a existência, assim como não é preciso experimentar a morte para conhecer sua finalidade—o caso extremo de certo conhecimento desvinculado de qualquer experiência singular e própria. Isto é, apesar da referida indissociabilidade entre a experiência e a ideia de existência, não há uma ligação necessária entre o que se experimenta e que se conhece.
Conhecer, portanto, é uma tarefa intelectual cujo propósito é reduzir, e não aprofundar a dependência humana da experiência, daquilo que nossos sentidos e percepção informam como a existência. O conhecimento, por conseguinte, não é apenas a solução para o desejo de independência em relação às condições antropológicas da realidade do real, mas um gesto ético que compreende a tendência insular da experiência de se ensimesmar.
Não há, enfim, uma identidade necessária entre o experimentado e sua elaboração como saber, apesar do papel informativo e axial da experiência para a constituição de todo (re)conhecimento—processo minuciosamente escrutinado por uma longa tradição filosófica. A realidade não é autoevidente, ela não equivale à experiência. No limite, se toda experiência fosse automaticamente transformada em conhecimento, andaríamos entre sábios, e toda verdade se revelaria de pronto, bastando existir para experimentar e, com isso, tudo saber. O conhecimento—e até mesmo a opinião, seu tipo menos consistente—se tornaria dispensável. Seria suficiente, então, estar presente diante de qualquer objeto ou ambiente para conhecê-lo. Em outras palavras, renunciar ao conhecimento seria conceder a realidade à experiência, da qual resulta uma inequívoca presunção de exclusividade.
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