Fragmentos filosóficos de quarentena

Os fragmentos filosóficos da quarentena do Prof. Marco Aurélio Werle. Registros instantâneos sobre Hegel (e sua consciência infeliz), Goethe, Schiller, Gadamer e Kant, Rilke e Mörike e Hölderlin. Filosofia, poesia, cartas, anedotas, passagens de um diário estético-filosófico, no Estado da Arte.

por Marco Aurélio Werle

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O que se segue são registros instantâneos ou apontamentos, que fui reunindo ao longo do ano de 2021 sobre a filosofia e a estética alemães, assuntos de meus estudos e pesquisa. Se referem principalmente a Hegel, Goethe e Schiller, mas também a autores românticos, a Gadamer e a outros poetas, tais como Rilke e Mörike. São impressões que possuem uma relação com um curso de graduação que dei no primeiro semestre na USP, sobre a história da filosofia de Hegel, e de pós-graduação no segundo, sobre o romance de Goethe, intitulado Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister. Igualmente se ligam a uma tradução da correspondência completa entre Goethe e Schiller, que estou atualmente realizando para a EDUSP, junto com dois colegas. Procurei ressaltar aspectos que possam ter um interesse mais amplo, formador e educador. Para que possam ser lidos ou fruídos de modo agradável, sem serem pedantes e pesados, também imprimi, por vezes, um tom humorado e até picante, aos temas e autores tratados, detendo-me por vezes mais em relações pessoais e em aproximações inusitadas do que nas ideias mesmas e em seu aprofundamento. Seguem uma ordem cronológica, tais como foram surgindo para mim, entre janeiro e outubro de 2021.

Ao recolher esse material, sou surpreendido pela triste notícia do falecimento de meu ex-orientador, o prof. Victor Knoll (1936-2021), ocorrido no dia 9 de outubro. A ele dedico essas reflexões.

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Caspar David Friedrich, ‘Grabmale alter Helden’, 1812

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Parodiando Novalis: “Procuramos por todos os lados a vacina, mas sempre encontramos apenas o vírus”. Localizando a fonte original. “Wir suchen überall das Unbedingte und finden immer nur Dinge” [Procuramos por todos os lados o incondicionado e sempre encontramos apenas coisas]. Em alemão temos um jogo interessante de linguagem, em torno da palavra Ding [coisa] e a não coisa ou o incondicionado [Unbedingte].

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Saiu um novo número da revista de filosofia Veritas. Destaco em particular uma tradução de um ensaio inspirador de Gadamer: “Goethe e Mozart – o problema da ópera (1991)”, que trata da relação entre música e poesia, a partir da Flauta mágica de Mozart e a tentativa de Goethe de continuar essa ópera. Dois trechos: “Vida significa ser testado; é isso que Goethe entendeu como a verdadeira abordagem do libreto de Schikaneder.” “O fato de a música poder fazer o que a poesia sozinha não pode, não impede que também à música é negada a expressividade onde a poesia desdobra o seu próprio poder”.

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Vejam esse poema espirituoso de Goethe, sobre o amor!

O mais singular livro dos livros

É o livro do Amor;

Li-o com toda a atenção:

Poucas folhas de alegrias,

De dores cadernos inteiros.

A separação faz uma secção.

Reencontro! um breve capítulo,

Fragmentário. Volumes de mágoas

Alongados de comentários,

Infinitos, sem medida.

Ó Nisami! — mas no fim

Achaste o justo caminho;

O insolúvel, quem o resolve?

Os amantes que tornam a encontrar-se.

(A tradução é do português Paulo Quintela, mas fiz uma mudança na sexta linha, onde havia “Apartamento” coloquei “separação” [Trennung], seguindo a tradução de Daniel Martinischen, do Divã ocidento-oriental, p. 63. Pois, no Brasil não se diz que houve um “apartamento” entre duas pessoas, e sim uma “separação”. É claro que uma “separação” pode também envolver um “apartamento”, mas então num sentido material.)

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Philosophische Kultur, Ed. 34, de Georg Simmel. Mais uma tradução coordenada pelo competente colega prof. Leopoldo Waizbort, o nosso grande conhecedor de Simmel. Tenho uma edição alemã, com um breve, mas instrutivo, posfácio de Habermas: “Simmel als Zeitdiagnostiker”. Simmel é para mim uma figura curiosa e intrigante, com um estilo peculiar, das primeiras décadas do século XX, antes de se impor a Stimmung das guerras mundiais. Habermas fala que Simmel teve muitas dificuldades para ser aceito nas universidades alemãs, só se tornando professor com 56 anos. Li, assim, por alto, o principal ensaio: “O conceito e a tragédia da cultura”, pensando: “é aqui que a coisa vai pegar fogo!”. Mas, não, é tudo, assim, tão sem tragédia. E o ensaio “Cultura feminina”! Interessante, porém convencional…

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Segunda-feira é um dia que me lembra muitas vezes o começo do Fausto de Goethe, que, aliás, tal como nós hoje, no nosso confinamento, surge num estreito quarto gótico. Aí vem aquela disposição de ânimo de ter estudado muita coisa, mas ao mesmo tempo ainda faltar tanto, etc., de que não se pode parar, embora “o ser humano erre, enquanto aspira” [es irrt der Mensch, solange er strebt].

Algo parecido diz a canção de amor e morte do porta-estandarte Cristóvão Rilke:

“Cavalgar, cavalgar, cavalgar, pela noite, pelo dia, pela noite.

Cavalgar, cavalgar, cavalgar.

E a coragem tornou-se tão lassa e a saudade tão grande. Não há mais montanhas, apenas uma árvore. Nada ousa levantar-se. Cabanas estrangeiras agacham-se sequiosas à beira de fontes lamacentas. Em nenhum lugar uma torre. E sempre o mesmo aspecto. É demais, ter dois olhos.”

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Hegel escreve de Berna para Schelling, em 16 de abril de 1795: “Os dois primeiros cadernos da Revista As Horas, de Schiller, me propiciaram um grande deleite, o artigo sobre a educação estética do ser humano é uma obra-prima”. E continua: “Hölderlin me escreve muito de Jena; ele está completamente entusiasmado por Fichte, a quem ele confia grandes propósitos. Como deve fazer bem para Kant já visualizar os frutos de sua obra em seguidores tão dignos!” Juntam-se aqui: Schelling (20 anos), Hegel e Hölderlin (25 anos), Schiller (35 anos), Fichte (43 anos) e Kant (71 anos). Que mundo era esse! Essa carta nos dá muito o que pensar! Hegel é bastante generoso e receptivo às figuras de seu tempo, sendo ele mesmo alguém que naquele momento se encontrava atrás delas, quanto a publicações. Mas, justamente por isso talvez tenha entendido melhor do que todos o que tinha de ser feito, ou seja, colocar tudo isso num sistema. A questão da filosofia depois de Kant não é a do “meu sistema”, mas a do “sistema dos sistemas”.

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A obra de Rilke, ”Viagem singular a Worpswede”, trata da colônia artística de Worpswede, onde Rilke permaneceu entre 1901-02. Esse grupo foi importante para o impressionismo alemão, com destaque para a pintora Paula Modersohn-Becker. A obra foi traduzida por João Barrento em 2016, mas está difícil importar livros de Portugal, pois os preços estão muito altos. No entanto, tem um capítulo (o segundo) traduzido no Brasil, uma espécie de “Introdução”, para a Revista Filosófica São Boaventura, n. 1 (2018). Sempre que leio Rilke, penso em Heidegger, pois ambos possuem um ar de família! Vejam esse parágrafo! “Pois admitamos: a paisagem é um estranho para nós, e estamos tremendamente sós sob árvores que florescem e entre riachos que correm. Quando se está só com um cadáver, de longe não se está tão exposto como estar só com árvores. Pois, por mais enigmática que possa ser a morte, ainda mais misteriosa é uma vida que não é nossa vida, que não tem parte conosco e, de certo modo, sem nos ver, celebra suas festas, as quais assistimos com certo desconcerto, como hóspedes que vêm inesperadamente, e falam uma língua estranha.”

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Algo que me incomoda em trabalhos, projetos, exercícios de crítica, seja ela estética ou política, é o modo como se lida com a relação entre forma e conteúdo a partir de uma perspectiva exterior. Toma-se a forma e o conteúdo como relativos ou indiferentes. Acredita-se que se pode submeter um conteúdo a qualquer forma, bem como se acha que a forma é passível de ser aplicada indiscriminadamente. Determinado objeto de estudo é submetido a uma forma escolhida aleatoriamente, ou nem tanto, pois na escolha opera muitas vezes um gosto militante ou uma mera simpatia ideológica. Não se deixa o conteúdo mesmo encontrar sua forma.

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Um convite de um amigo me levou, de ontem para hoje, a me dedicar intensamente a uma tradução que fiz quando tinha 22 anos. Um idílio longo de Eduard Mörike: Der alte Turmhahn [O velho galo da torre] (17 estrofes e 239 versos), que escrevi numa máquina datilográfica Olivetti! Mörike exprime um estado de ânimo “realista” de meados do século XIX. O poema é um Dinggedicht [poema da coisa], um tipo de poesia que Rilke retomou no século XX e que foi apreciado por Heidegger, pois é a coisa que fala sobre si mesma e o eu lírico fica num segundo plano. Tenho guardadas ainda outras traduções datilografadas de poesia, de Mörike, Heine, Hoffmanstahl, Novalis e Hölderlin. Eu mesmo no passado me arrisquei e fiz alguns poemas em alemão, bem sentimentais e juvenis, e que felizmente já não existem mais.

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A “Filosofia Real” (disponível em tradução espanhola) é uma obra de Hegel, mas não foi ele que deu esse título a ela. É uma tradução dos Jenaer Systementwürfe III (Gesammelte Werke), “Esboços de sistema de Jena”, igualmente um título que não foi dado por Hegel. São textos que antecedem e preparam a Fenomenologia do espírito, de 1806. A meu ver, esse título não é muito feliz, pois sugere que há um lado “real” (logo, supostamente mais verdadeiro) em Hegel, nessa época de Jena, que tem de ser contraposto ao “idealismo” posterior e sistemático. Muita gente embarcou e continua embarcando nessa leitura de um Hegel jovem mais interessante que o Hegel da maturidade. Aproveito para informar que conheci o tradutor espanhol José María Ripalda em 2003, sendo que a tradução é confiável!

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O galo da torre de Mörike não me sai da cabeça. Desenvolvendo agora uma comparação do idílio com A canção sobre o sino [Das Lied von der Glocke] (1799) de Schiller. Vejam a epígrafe latina do poema de Schiller. Tem ou não tem relação? “Vivos voco, mortuos plango, fulgura frango” [Chamo os vivos, choro os mortos, afugento os raios].

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Dando uma espiada aqui no Über Pädagogik [Sobre pedagogia] de Kant, uma obra do fim da vida dele e não muito extensa. No começo ele se preocupa muito com a disciplina, que é uma espécie de educação negativa, para evitar erros. Parece ser mais decisiva do que a educação positiva, que é a cultura. “Aquele que não é cultivado é rude e quem não é disciplinado é selvagem. O fracasso da disciplina é um mal maior do que o fracasso da cultura, pois essa pode ainda ser recuperada; mas, a selvageria não se consegue eliminar e um erro na disciplina nunca poderá ser remediado”.

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“Dever-se-ia todos os dias pelo menos ouvir uma pequena canção, ler um bom poema, ver uma pintura excelente e, caso seja possível, falar algumas palavras sensatas” (do romance Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, de Goethe. Palavras proferidas por Serlo, no primeiro capítulo do quinto livro) .

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Sobre todos os cimos há repouso,

Em todas as copas

Mal se sente uma respiração;

Os pássaros em silêncio na floresta.

Aguarde um pouco, pois logo

Tu também descansarás.

Goethe.

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“Die Idee ist der Führer der Völker und der Welt. Der Geist führt die Welt, und seine Führung wollen wir kennenlernen” [A ideia é a condutora dos povos e do mundo. O espírito conduz o mundo e a sua condução nós queremos conhecer] (Hegel, G. W. F. Preleções sobre a filosofia da história mundial). Independentemente do teor especulativo dessas afirmações de Hegel, é difícil não sentir um certo mal estar ao lê-las em alemão! Ocorre que o termo Führer era e ainda é comum na Alemanha, embora não seja mais usado com tanta frequência, por razões óbvias.

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“O destino ama inventar modelos e figuras… mas, a vida mesma é pesada devido à simplicidade” (Rilke citado por Gadamer). Vontade de dar um curso sobre os textos de poética e estética de Gadamer ou de encontrar alguém que gostasse de abordá-los. Gadamer e Goethe/Hölderlin/Rilke…

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“Assim como à fraqueza antiga de não poder se conter corresponde em suas aspirações artísticas essa determinação plástica incomparável, à falta de destinação corresponde a ausência de destino dos modernos que empresta às suas aspirações artísticas o páthos sagrado do entusiasmo, esse arrebatamento imediato da alma para o qual a medida da sobriedade se torna tão difícil” (Gadamer, H. G. “Hölderlin e a Antiguidade”, In: Hermenêutica da obra de arte, trad. de Marco Antonio Casanova, p. 214).

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Uma brincadeira de domingo de Páscoa! Tentando traduzir esse dificílimo soneto de Rilke, a partir do qual Gadamer escreveu o ensaio “Poesia e pontuação”…

Existe realmente o tempo, o destruidor?

Quando, na montanha que descansa, ele quebrará o castelo?

Quando o demiurgo violará esse coração,

Que pertence infinitamente aos deuses?

Somos nós realmente tão ansiosos e frágeis,

Tal como nos quer fazer crer o destino?

Está a infância, a profunda, a promissora

nas raízes – mais tarde – quieta?

Oh, o fantasma do efêmero,

Que passa pelo que é recebido com inocência,

Como se fosse uma fumaça.

Sendo o que somos, os que dirigem,

Mesmo nas forças que permanecem,

Valemos como um hábito divino.

(Rilke, Sonetos a Orfeu, 2. Parte, XXVII)

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Gadamer nos dando um roteiro de leitura precioso para abordar Rilke, com a teoria da inversão mitopoética: “seu mito não é nenhum mito, isto é, nenhuma saga tradicional retrabalhada poeticamente. Também não é uma poetização do mundo que acontece aqui. Ao contrário, é precisamente o não poético do mundo que se torna objeto do enunciado poético” (Hermenêutica da obra de arte, p. 360-61). É isso! Não se pode avançar sobre Rilke procurando de modo ingênuo o sentido, pedindo a ele que nos dê o sentido. Isso seria supor que o poético serve a um outro. Isso já está no último Hölderlin… Como lemos num Soneto a Orfeu (I, 3): “Cantar não é tormento. Nem desejo de uma conquista final. Cantar é ser… é apenas por um momento. Cantar em verdade é outro canto agora. Um canto por nada. Um sopro em Deus. Um vento” Em alemão: “Gesang ist Dasein”! Ser e tempo de Heidegger é Rilke ou vice-versa! Jean Wahl, que tem um livro clássico sobre a consciência infeliz em Hegel, já percebeu isso.

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Começo a semana pensando na consciência infeliz de Hegel. Quanto já não foi escrito sobre ela ou partindo dela, principalmente na França: Kojeve, Sartre, Lacan… E o famoso livro de Jean Wahl, Le malheur de la conscience…, que marcou uma certa geração do pós-guerra, anos 1950-60, que se sentia ela mesma infeliz. Em Hegel a consciência infeliz é uma figura cindida, oscilante, que se sente a si mesma dolorida, judaica e cristã, senhora e escrava, estóica e cética, unidade do puro pensar e da singularidade ao mesmo tempo. Muitos a tomam não como uma figura da consciência apenas, mas como a mais clara expressão da própria consciência que duvida [zweifelt] sempre e é por isso mesma desesperada [verzweifelt].

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Tem certas coisas que caem na minha mão e eu preciso imediatamente traduzir [übersetzen]. Vejam que beleza esse período do prefácio à segunda edição (1961) do clássico livro de Richard Kroner, Von Kant bis Hegel: “O que é insuficiente na doutrina kantiana talvez se deixe designar da melhor maneira pelo fato de que ela tomou de modo muito fácil e estreito a dialética transcendental, que pertence à sua maior descoberta; de modo muito fácil por ela acreditar que por meio da distinção entre fenômeno e numeno conseguiria superar as antinomias da cosmologia e os paralogismos da psicologia; de modo muito estreito por não reconhecer que essa distinção também concerne aos próprios fundamentos da analítica transcendental.”

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É assim que Schiller termina a Educação estética do homem, com esperança, mas também com um certo pessimismo em relação à realidade. Esse desenlace sempre me chamou a atenção! É linda a prosa de Schiller. “Como carência, o Estado da bela aparência existe em todas as almas de disposição refinada; quanto aos fatos, iremos encontrá-lo, assim como a pura igreja e a pura república, somente em alguns poucos círculos eleitos, onde não é a parva imitação de costumes alheios, mas a natureza bela e própria que governa o comportamento, onde o homem enfrenta as mais intrincadas situações com simplicidade audaz e inocência tranquila, não necessitando ofender a liberdade alheia para afirmar a sua, nem desprezar a dignidade para mostrar graça.”

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“Toda arte se consagra à alegria, e não há tarefa mais elevada e mais séria do que tornar os homens felizes” (Schiller).

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Que poema lindo e profundo de Hölderlin! Leio isso e não consigo deixar de pensar no em si [an sich] de Hegel. Hölderlin dando um drible daqueles na filosofia da natureza, tão professada na época.

A árvore

Quando eu era criança, hesitante te plantei,

Bela planta! Mas como estamos agora diferentes.

Tu estás magnífica e

Como uma criança.

Hölderlin

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Dessas três afirmações do prefácio à Filosofia do direito de Hegel, geralmente se cita as duas primeiras. Sempre me surpreendo com o desconhecimento que muitos hegelianos (neohegelianos, teóricos críticos, frankfurtianos e seus intérpretes, etc.) demonstram sobre o que é A IDEIA e a relação entre FORMA e CONTEÚDO. Geralmente se fica no plano subjetivo da consciência e consciência de si. “o que é racional é efetivo e o que é efetivo é racional” (Werke 7, p. 24). “A tarefa da filosofia é apreender [begreifen] o que é, pois o que é é a razão. No que toca ao indivíduo, ele é de qualquer maneira um filho de sua época; assim, também a filosofia é a apreensão [erfasst] de seu tempo em pensamentos” (Werke 7, p. 26). “Pois, a forma em seu significado mais concreto é a razão como conhecimento conceitual e o conteúdo é a razão como a essência substancial da realidade ética bem como da natural; a identidade consciente de ambas é a ideia filosófica” (Werke 7, p. 27). Para Hegel é importante que se atente para o percurso da história: “Até aqui chegou o espírito do mundo. A última filosofia é o resultado de todas as que a precederam; nada foi perdido, todos os princípios foram conservados. Essa ideia concreta é o resultado dos esforços do espírito por quase 2.500 anos (Tales nasceu em 640 a. C), de seu mais sério trabalho para se tornar objetivo e para se conhecer” (História da filosofia, Werke 20, p. 455).

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Uma estrofe da balada de Schiller, “Os grous de Íbico” (1797). Íbico foi um poeta grego assassinado de modo traiçoeiro. Os grous, aves migratórias, o acompanharam e representam a vingança, as Eumênides. Ao surgirem maravilhosamente diante do teatro, fazem com que os assassinos se revelem. A balada trata da potência sobrenatural e do efeito da poesia sobre os seres humanos. Lembra os pássaros de Hitchcock!

Nos degraus mais altos então se escuta

Da hört man auf den höchsten Stufen

Uma voz que, de repente, chama:

Auf einmal eine Stimme rufen:

» Repara! repara, Timóteo,

»Sieh da! Sieh da, Timotheus,

Os grous de Íbico!« –

Die Kraniche des Ibykus!«

E o céu escurece subitamente,

Und finster plötzlich wird der Himmel,

E, por cima do teatro,

Und über dem Theater hin

Vê-se, em enegrecido frémito,

Sieht man in schwärzlichtem Gewimmel

Um bando de grous que passa.

Ein Kranichheer vorüberziehn.

(Tradução de Maria do Sameiro Barroso)

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É bonito o que Wilhelm von Humboldt diz sobre Schiller! “Não se subordinar à individualidade do outro é propriedade de toda grande força espiritual, de todo ânimo mais forte, mas olhar inteiramente através da individualidade alheia, como diferente, e apreciá-la completamente, e, a partir dessa intuição admirável, tirar forças somente para tornar a própria ainda mais decisiva e correta em seus objetivos, é algo que pertence a poucos e, em Schiller, era um traço eminente de caráter.”

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O jovem Goethe tendo um acesso de crise de identidade, em Poesia e verdade, livro VI. Sim, ele também era humano e frágil, tinha dúvidas. “Certo dia, juntei toda a prosa e toda a poesia, todos os meus planos, esboços, projetos, e queimei tudo de uma só vez no fogão da cozinha”.

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Primeiro parágrafo de Poesia e Verdade, de Goethe! Vejam como ele se acha! Como se todo o universo estivesse em movimento, esperando que ele finalmente nascesse e chegasse ao mundo! “Vim ao mundo na cidade de Frankfurt, às margens do Meno, aos vinte e oito dias do mês de agosto de 1749, quando os sinos dobravam a décima segunda badalada do meio-dia. A constelação era auspiciosa; o sol encontrava-se no signo de virgem e em seu ponto culminante para aquele dia; Júpiter e Vênus contemplavam-no ditosos, Mercúrio não se fazia desfavorável; Saturno e Marte lhe eram indiferentes: somente a Lua, no plenilúnio, exercia mais intensamente a força de sua contraluz, já que acabara de entrar em sua hora planetária. Opunha-se, portanto, ao meu nascimento, que não lograria acontecer senão depois de passada aquela hora.” (trad. de Mauricio Mendonça Cardoso, Da minha vida. Poesia e verdade, Edunesp, p. 25).

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“A leitura de jornal de manhã é uma espécie de bênção matinal realista. Orientamos nossa postura diante do mundo por Deus ou por aquilo que o mundo é. Aquilo dá a mesma certeza do que isto, permitindo que se saiba como estamos.” (Hegel, Aforismo do Wastebook (1803-06) Hegel, G. W. “Aphorismen aus Hegel Wastebook (1803-06)”In: Jenaer Schriften, 1801-1807, Band 2, Frankfurt am Main, Suhrkamp, 3. Ed., 1996, p. 547). Lembrando que em 1807 Hegel foi por um breve tempo redator chefe do Jornal de Bamberg. Saiu porque teve problemas com a censura da Baviera.

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Fragmentos curiosos de Novalis sobre o casamento, que ele estende para a poesia, filosofia e política:

“O casamento é o supremo mistério.”

“O homem é lírico, a mulher é épica, o casamento é dramático.”

“O casamento designa uma época nova, mais elevada do amor: o amor social, coercitivo, o amor vivo. A filosofia começa com o casamento.”

“O casamento é um epigrama político. O epigrama é apenas uma expressão elementar, poética – elemento poético – poema primitivo.”

“Aquele que é casado pede ordem, segurança e repouso – ele deseja, como família, viver em uma única família – em uma ordem doméstica regular – ele procura uma autêntica monarquia.”

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“Sistema” é um termo que muitos empregam num sentido comum e o aplicam a filosofias que, a rigor, não o são. O sentido mais rigoroso de sistema em filosofia surge a partir de Kant, quando se o toma não como algo dado e exterior ao pensamento, e sim como a marca característica necessária e arquitetônica da razão: “A unidade da razão é a unidade do sistema” (KrV B 708/Prolegômenos… A. 4, 263).

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Palavras argutas de Schiller, em carta a Goethe de 2 de outubro de 1797, sobre o Édipo Rei de Sófocles: é uma peça sobre uma ação acontecida, mas que se move a partir do temor de que possa ter acontecido, temor esse que afeta muito mais a mente do que o temor gerado por algo que possa acontecer ainda. Estou achando cada vez mais que o conceito mais forte de crítica de arte no período clássico da filosofia alemã precisa ser atribuído antes a Schiller do que aos românticos, como supôs Walter Benjamin, gerando várias teses sobre o assunto, no Brasil e no mundo todo. O que Schiller diz do Meister de Goethe, por exemplo, parece-me mais interessante do que o que dizem os românticos.

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Hegel sobre Lutero e a revolução na História da Filosofia:

“Eu sou um luterano e pretendo permanecê-lo”

“Ter traduzido para os cristãos alemães o livro de sua crença em sua língua materna é uma das maiores revoluções que poderia ter acontecido”

“A principal revolução surgiu com a reforma luterana”

“Apenas com Lutero começou a liberdade do espírito em seu núcleo”

“O que Lutero começou no ânimo é o universal mesmo”

“Os filósofos franceses realizaram em outra figura a reforma luterana”

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Revisando uma tradução de um fino e elegante ensaio de Gadamer sobre Goethe e a filosofia, eis que me deparo com essa citação de uma carta de Goethe ao Conselheiro de Estado Schulz, de 18 de setembro de 1831, um pouco antes de sua morte: “Eu agradeço à filosofia crítica e idealista por terem chamado a minha atenção sobre mim mesmo, isso é um enorme ganho”. Não aguento essas declarações de Goethe! Mas também não posso deixar de concordar com elas! Você está certo, meu caro Goethe: o grande legado da filosofia crítica e idealista foi o de conseguirem chamar a sua atenção sobre você mesmo…

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Carta de Hegel a Goethe de 24 de abril de 1824: “Quando olho para o curso de meu desenvolvimento espiritual, vejo o Senhor entretecido por todos os lados e permita-me que eu possa me nomear um de seus filhos; meu interior recebeu do Senhor um alimento para uma força de resistência contra a abstração e se orientou por suas obras como se fossem faróis.”

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Carta de Hegel ao Conselheiro Prussiano Raumer, de 1816: “Mas até eu assisti em Iena ao início das Lições de Filosofia Transcendental de Friedrich Schlegel; ao fim de seis semanas, já tinha acabado o seu curso, não decerto para satisfação dos seus ouvintes, que contavam com meio ano e já tinham pago. – Vimos dar às ideias gerais uma maior extensão com a ajuda da fantasia, que casava o alto e o baixo, o próximo e o longínquo, o brilhante e o turvo, muitas vezes com sentido profundo e com igual frequência de um modo inteiramente superficial e, além disso, utilizava sobretudo as regiões da natureza e do espírito que, por si mesmas, são nebulosas e arbitrárias” (Sobre o ensino da filosofia, p. 20). Parece que Hegel não gostou muito do curso de Schlegel (de 1800-01). Além de ter pago um curso inteiro e só receber metade dele, ainda teve que suportar a fantasia operando no lugar do conceito. Mas, curiosamente há quem sustente que Hegel teria “roubado” ideias de Schlegel para a Fenomenologia do espírito!

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“Eine grosse Tat auf eine Seele gelegt, die der Tat nicht gewachsen ist” [Uma grande ação (ato) colocada (o) sobre uma alma que não está preparada para ela (ele)], diz Meister sobre Hamlet em A missão teatral de Wilhelm Meister, de Goethe.

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Barbara Schulthess (1745 – 1818), a Bäbe, e sua filha, foram as “autoras” (copiadoras) do “Urmeister” [Meister originário], ou seja, a Missão teatral de Wilhelm Meister, de Goethe. Foi amiga de Goethe, que a visitou na Suíça algumas vezes. Um pouco antes de morrer, queimou todas as cartas trocadas com Goethe, que por sua vez também destruiu as dele.

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Quero ver o que dirão os estudiosos de Nietzsche e Kant sobre essa ideia de Schiller! Que o Cristianismo é a única religião que suspende a lei ou o imperativo categórico e dá espaço à livre inclinação. E, por apresentar a bela eticidade, é a única religião estética, tendo por isso tido a melhor acolhida junto à natureza feminina e só encontrando nela uma certa forma suportável… Acho que a palavra “inclinação” [Neigung] é aí importante, para além do livre arbítrio: no catolicismo tem lugar o sentimento, a paixão, o desejo, o sofrimento, etc. Tudo isso não entra no imperativo categórico, marcado pelo “dever”: Du musst so und so handeln…

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Eu queria ver Schiller hoje nos meios sociais. Se nas cartas Goethe já tem que pedir calma para ele, muito embora Goethe também tenha se decidido a atacar os inimigos… Foi ideia de Goethe em 1795 fazer os xênios, epigramas contendo ironias e pontos fracos de adversários literários. Esses xênios seriam hoje o twitter.

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Tem gente que reclama do meio acadêmico e intelectual dos dias de hoje, que ele é muito agressivo, bem como as redes sociais, facebook, etc. Pois, então, meus caros, quando sair nossa tradução completa das cartas entre Goethe e Schiller, vocês verão como essas disputas, intrigas, ataques, etc. não são algo tão recente assim! E o mais interessante é ver a dupla reagindo a isso e fazendo seus planos, cálculos e estratégias literárias.

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“Das Schauspiel dauerte sehr lange” [O teatro durou muito tempo]. É a primeira frase, absurdamente genial, do romance de Goethe sobre o Meister. Espetáculo; peça de teatro; um jogo [Spiel] que se pode ver [schauen].Tentarei me aproximar dela na aula de pós da semana quem vem!

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Schiller sobre romances sentimentais: “é indelicado desenterrar sentimentos delicados”.

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Quando você vai dormir e uma palavrinha de Schiller atribuída ao Meister não sai da cabeça: ele é o Träger, que traduzi inicialmente por “suporte”, mas hoje já mudei por “portador”. Da relação entre o Träger e a Darstellung [exposição], também referida por Schiller, Carta de Schiller de 5 de julho de 1796, depende toda a relação entre o Meister de Goethe e a Fenomenologia do espírito de Hegel. A atual tradução brasileira resvalou feio nisso: “representante” e “representação”.

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“Apenas a filosofia pode tornar inofensivo o filosofar: sem ela somos conduzidos inevitavelmente ao misticismo.” A ideia da afirmação de Schiller é a seguinte: quando se entra na filosofia, é preciso entrar nela de modo filosófico, senão, no caso de um tratamento não filosófico da filosofia, cai-se no misticismo, num desvio, portanto. O misticismo resulta de um tratamento não filosófico de uma questão filosófica. Em suma, quem quiser se meter com a filosofia, tem de fazê-lo filosoficamente, senão se dará mal.

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Goethe disse em carta a Schiller de 26 de julho de 1796 que o escrito Sobre um recentemente enaltecido tom de distinção na Filosofia (Von einem neuerdings erhobenen vornehmen Ton in der Philosophie), recentemente publicado por Kant lhe deu muita alegria! E complementa: “por meio desse escrito a separação daquilo que não deve ficar junto é vivamente estimulado”. Trata-se nesse escrito de Kant de uma defesa do ponto de vista crítico na filosofia, contra certas tendências filosóficas mais populares da época, em particular a concepção de uma filosofia do sentimento ou do “delírio”. Há uma tradução nos Studia Kantiana (vol. 8, n. 10, 2010) feita pelo saudoso Valério Rohden.

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Profundo o que diz Schiller da personagem Natália do romance sobre o Meister de Goethe: ela é plena de amor [liebevoll] justamente por ser livre de amor [liebefrei]… Ou seja, o não estar obsessivamente ligado ao amor, ser livre dele, torna a pessoa tanto mais plena de amor… Parece contraditório, mas não é! Acredito que compreendo o que Schiller quer dizer. Não está muito longe de como Hegel compreende Julieta, da peça Romeu e Julieta de Shakespeare. É que em ambos os casos, no de Schiller e de Hegel, o amor é visto mais pelo lado dramático, orientado para a ação e a constituição de um carácter como bela individualidade e um desenvolvimento da paixão. É menos o lado sensual do arroubo e da embriaguez, etc.

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Trecho incrível do romance de Goethe, A missão teatral de Wilhelm Meister, que é a primeira versão, o Urmeister, do que será depois Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister: “O ser humano rude está satisfeito quando apenas vê algo que ocorre diante dele, o ser humano cultivado quer sentir e apenas para o ser humano inteiramente formado [ganz ausgebildeten] é agradável o refletir [Nachdenken]” (Livro III, cap. 1). Lembra muito o assunto de Hegel no segundo parágrafo da Enciclopédia das ciências filosóficas, quando ali ele introduz o termo Nachdenken, como a marca da filosofia! Só não me conformo em traduzir o Nachdenken por reflexão, já que remete a um pensar depois (nach) e segundo (nach)… pensar do pensar, das ist Nachdenken! é mais do que refletir… É difícil escapar do termo “reflexão”. Mas caberia uma nota, em Hegel, para diferenciar de Reflexion, uma importante categoria na lógica de Hegel e mesmo no jovem Hegel: crítica às filosofias da reflexão, etc. O “repensar” poderia ser uma alternativa, mas é estranho, pois não é bem isso também que está em jogo. Talvez “re-pensar”, acentuando que é um segundo pensar, que pensa o pensado, no horizonte da relação entre representação e conceito (Vorstellung und Begriff). Ocorre que tudo isso remete ao tema do “reines Zusehen” [puro ver], do filósofo (o para nós), na Fenomenologia do espírito, e mesmo para a “denkende Betrachtung” [consideração pensante], que abre o segundo parágrafo da Enciclopédia das ciências filosóficas, etc. etc.

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“Os geognostas acreditam que o centro de gravidade físico está sob Fez e Marrocos. Goethe como antropognosta pensa que está no Meister, que o ponto de gravidade intelectual reside sob a Nação Alemã” (Fragmento n. 107, Pólen, de Novalis). Divertidos esses românticos!

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Correspondência entre Goethe e Schiller, eles discutindo, no primeiro semestre de 1797, poesia épica e dramática: naquela vale a substância (lei do retardamento), nessa a causalidade (relação finalística). A épica é o entendimento. Por que a peça teatral Os Bandoleiros de Schiller precisa começar com a cena de Franz Moor e não com a de Karl Moor? Se Hermann e Dorotéia de Goethe é uma épica ou não? Se os poemas de Homero possuem unidade ou não? O que diz Aristóteles sobre isso …

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Lidando aqui ao mesmo tempo com Goethe, Walter Benjamin, Heidegger e Hölderlin… A aversão de Goethe pelas cidades grandes, “porque permanecemos na província”. Goethe sobre um jovem poeta, filho de um comerciante de Frankfurt am Main, em carta a Schiller de 9 de agosto de 1797: “o jeito retraído dele me lembrou de Hölderlin … já me deparei com várias naturezas deste tipo … pessoas vindas da classe dos comerciantes … não me parecem capazes de nenhuma elevação, muito menos para o conceito”.

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Não era só Schiller que dominava e conhecia bem Kant. Vejam o que diz Goethe sobre o texto sobre a paz perpétua de Kant, em carta a Schiller de 11 de setembro de 1797: “Um produto muito apreciável de seu conhecido modo de pensar que, assim como tudo que vem dele, contém as mais magníficas passagens, mas que é também na composição e no estilo mais kantiano do que kantiano.”

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Na dúvida aqui sobre como traduzir Sachliebe: amor pela questão/assunto ou pela coisa? Pois, Schiller afirma que o alemão possui “uma natural e inata Sachliebe”. Esses termos dão trabalho: Frage (questão/pergunta) e Sache (coisa, assunto, tema, questão), pois tem a Ding: coisa. E se puser no tradutor do Google aparece, só para complicar mais ainda: “amor factual”. Seria o amor fati de Nietzsche? Essa carta também foi traduzida pela atual tradução brasileira! Eu já nem a consulto mais quando se trata de termos mais específicos. A carta de Schiller é de 23 de janeiro de 1798. A opção foi: “o natural e inato amor pelo pragmatismo dos alemães”. Puxa, introduzir esse termo “pragmatismo”! Acho que não se trata disso!

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Pegando aqui um momento de tédio de Schiller na corte de Weimar. Em 5 de maio de 1800 ele escreve para Goethe, que estava visitando a famosa feira de Leipzig. “Não sei muito que escrever ao senhor sobre Weimar. Nesse meio tempo estive uma vez no palácio para o chá e para a ceia, onde tive de escutar versos franceses durante 45 minutos.” O palácio é o Wittumspalais, onde morava Anna Amalia, a mãe do grão-duque de Saxe-Weimar-Eisenach, Carlos Augusto.

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Essa afirmação de Schiller, de março de 1801, me deu a pensar: “Herder decai realmente a olhos vistos e poderíamos por vezes nos perguntar seriamente se alguém que agora se mostra tão infinitamente trivial, fraco e oco, realmente pôde ter sido outrora excepcional.” De um lado, tendo a concordar, pois o jovem Herder é mais interessante mesmo e não foi à toa que o traduzimos; por outro lado, é curioso imaginar isso como aplicável às pessoas em geral, de como todos nós estamos sujeitos a momentos altos e baixos na vida, pensando aqui em termos intelectuais.

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Aqui vou eu de novo com detalhes da dupla Goete e Schiller. Goethe tinha uma propriedade próxima de Weimar e a arrendou. Só que chegou um momento em que teve de encerrar o contrato de arrendamento. Diante de Schiller ele se queixa: “estive em disputa com a natureza rude e sobre o que há de mais repugnante: o que é “meu” e o que é “seu””.

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Tal como Hegel, Goethe considerava muito importante o percurso, o processo para a formação, que requer um árduo e penoso aprendizado. “Artistas que são movidos muito rapidamente e sem preparação para o que é mais elevado na arte se assemelham a seres humanos que são muito rapidamente elevados pela sorte; eles não sabem poder se encontrar em seu estado, raramente sabem fazer daquilo que se apropriaram um emprego mais do que superficial.”

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Schiller e Fichte tiveram umas rusgas lá por 1795-97. E eis que Fichte aparece do nada na casa de Schiller em 1798, se mostrando “extremamente solícito”. Schiller ficou sem graça e escreveu para Goethe que, uma vez que Fichte tinha dado o primeiro passo de reconciliação, ele (Schiller) não poderia se fazer de difícil. E acrescentou: “tentarei preservar nossa relação, que dificilmente pode se tornar frutífera ou graciosa, pois nossas naturezas não combinam”. Goethe, conciliador como sempre, mas penetrante em suas análises do ser humano, aconselha manter a relação, acrescentando: “uma estreita ligação com ele é decerto inimaginável, mas é sempre interessante tê-lo por perto”.

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Aí eu leio mais uma carta de Schiller (de 5 de outubro de 1798), em que ele diz que não conseguiu ler determinado texto, “pois Schelling esteve toda a tarde em minha casa”… Puxa vida, o que eu não daria para passar uma tarde, uma tarde só, com Schelling!

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Sabem para que Schiller e Schelling se encontravam à tarde, uma vez por semana? Para jogar l’Hombre, um jogo de cartas! Schiller o confessa para Goethe, acrescentando: “para a vergonha da filosofia” e “que é naturalmente ruim que não se tenha algo de mais inteligente para fazer juntos” (Carta de Schiller a Goethe de 21 de dezembro de 1798). Goethe, no entanto, o consola, dizendo que até Kant, na Antropologia, faz a apologia do jogo, mas que ele, Goethe, não faz ideia de como alguém pode se distrair ou deleitar com isso, mas que pela experiência já viu isso em muitas pessoas… e que prefere antes os variados jogos científicos, como a mineralogia e afins (Carta de Goethe a Schiller de 22 de dezembro de 1798.)

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O Goethe de Tischbein, 1786

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