Você já deve ter ouvido falar em altruísmo eficaz. O filósofo australiano Peter Singer tem encabeçado muitas causas contra a pobreza e a fome extrema, argumentando que o altruísmo eficaz se baseia em uma ideia muito simples: a de que devemos fazer o maior bem que pudermos, se somos pessoas com sorte de viver com algum conforto material, podendo adquirir sem maiores esforços comida, casa e roupas para nós e para nossas famílias. O excedente, a experiência, o tempo ou o dinheiro, preconiza ele, temos o dever moral de entregar aos que mais necessitam.
Apesar do altruísmo eficaz estar identificado com as gerações Y e Z, este é um comportamento instaurado no reconhecimento de um dever observado, discutido e promovido por muitos filósofos ao longo da história, além de estar presente em nossa cultura por meio do belo exemplo do Bom Samaritano. A novidade é que, agora, o altruísmo eficaz se tornou um movimento global que segue influenciando todo tipo de gente com alguma habilidade (e, principalmente, dinheiro) que possa entregar algo através do trabalho e da doação voluntária.
A diferença também é que, agora, a noção de eficácia comunica a necessidade de potencializar a ação filantrópica por meio de análise científica e do raciocínio cuidadoso na identificação do melhor curso de ação dos instrumentos disponíveis a melhorar a vida de outras pessoas. Para isso, a ONG GiveWell Fundation analisa vários projetos ao redor do mundo, promovendo, aos interessados em ajudar, os grupos, missões ou trabalhos que verdadeiramente geram impactos pelas ações que promovem. A ideia básica é que não basta ajudar; é preciso gerar transformação real sobre os alcançados sem esperar qualquer tipo de benefício em troca (financeiro, material, etc.).
Por isso, o movimento do altruísmo eficaz chamou a atenção de donos de grandes fortunas por causa de um insight simples: indivíduos que vivem em sociedades ricas têm o poder de fazer um bem enorme se apenas pararem para pensar a melhor forma de atingir este objetivo. Mas diria que não somente os ricos. Cada pessoa pode fazer muito pelos outros se pararem, por um momento, e pensar seriamente em como beneficiar alguém do modo mais objetivo e eficaz possível. E não é difícil pensar.
Muitas vezes uma simples ligação de alguém que viu um pai no sinal pedindo por um emprego pode mudar absolutamente a vida não somente deste pai, mas de outras três ou quatro pessoas dependentes diretamente dele. Uma criança que é financiada em seus estudos pode mudar a vida de todos aqueles que vierem a partir dela. Uma chefe de família que recebe um auxílio financeiro durante um período de maior vulnerabilidade pode ter maior condição de não ceder a um trabalho degradante, garantindo saúde física e psicológica a si e à sua família. Um desinvestimento em uma empresa recorrentemente envolvida em violação de bem-estar de empregados e comunidades vizinhas também impacta ao sinalizar ao mundo dos negócios que pessoas realmente importam mais do que coisas. Direta ou indiretamente, uma mensalidade paga a uma ONG confiável melhora a vida de muitas pessoas. E, veja bem, todas essas são ações ao alcance de qualquer um de nós que lemos este texto e que temos no ato solidário um traço de integridade moral do que reconhecemos ser um ser humano de valor.
Mas, para se colocar neste lugar, é necessário fazer uma distinção que por vezes passa despercebida por nós, que é a de saber que a preocupação empática e o cuidado responsivo, apesar de se manterem ligados em teoria, desempenham papéis fundamentalmente diferentes em nossas condutas diárias. Para que de fato mudemos a sorte de alguém, é preciso algo mais do que nossa capacidade empática. É preciso que haja um senso urgente de cuidado a partir do qual uma efetiva deliberação ocorra ao nos vermos responsáveis pelo outro e por sua atual condição.
Pense em alguém que abriu um pequeno negócio por ocasião dos altos números de desemprego que enfrenta o país. Pense em tudo que essa pessoa pode precisar para fazer algum lucro sobre um negócio aberto sem muitos recursos e no calor do ímpeto de sobrevivência. Necessidades ligadas a informação, instrumentos, assessoria, insumos, investimento (não precisar recorrer a juros de bancos é por si só uma ajuda e tanto) ou simplesmente, divulgação. O que eu, você ou qualquer outra pessoa poderia fazer por esta pessoa?
O que precisa ficar claro é que há uma diferença crucial entre reconhecer a dor do outro e agir sobre o reconhecimento desta dor e que, portanto, há uma diferença moralmente relevante entre a atitude de reconhecer a necessidade do outro e a ação oriunda do reconhecimento desta necessidade. Talvez por isso nos movimentemos mais rápido frente a desastres. Adicione a isso outra diferença observada em pesquisadas identificadas pelo guarda-chuva “warm-glow giving” entre aqueles em que a empatia se identifica com emoções sofredoras e aqueles em que a empatia se direciona às emoções positivas dos outros. A conclusão dessas pesquisas é a de que pessoas esperançosas ajudam mais do que pessoas ressentidas, uma vez que aquelas potencializam suas ações na criação real de oportunidades duradoras para a felicidade dos outros.
Em relação a desastres, há uma dinâmica que precisa ainda de mais atenção. Especialmente nestes casos, como vimos na situação recente do Rio Grande de Sul, as reações humanas se dividem em graus, sendo elas: 1) o do impacto, que ocorre alguns minutos após a contingencia e que se mostra transitório e curto; 2) o do heroísmo, em que nas primeiras horas do infortúnio fazendo com que indivíduos participem voluntariamente na prestação da ajuda; 3) o de alegria e esquecimento da tristeza, que ocorre depois de uma semana a vários meses, em que indivíduos tornam-se esperançosos; 4) o do enfrentamento da realidade, entre 2 e 3 meses, em que os indivíduos começam a perceber a extensão dos danos e perdas, entrando em um ciclo de perda de moral, depressão, ansiedade com um sentimento de solidão intensa se formando. E esta é a fase mais sensível, pois se não for superada, a reconstrução psicológica não ocorre mantendo os estados depressivos e ansiosos sem solução. Aqui, uma nova organização de ajuda e apoio pode e deve acontecer e, se for assim, todas as pessoas envolvidas saem mais fortes.
Por isso, é desejável uma comunidade formada por pessoas verdadeiramente empáticas. No entanto, é a comunidade moral formada por pessoas cuidadoras e esperançosas que transforma a realidade daqueles que precisam de socorro imediato na medida em que a solidariedade se liga intrinsicamente ao que chamamos de princípio do cuidado, o que não está necessariamente ligada à disposição psicológica da empatia.
Isabella Passos é ensaísta e pesquisadora em Ética Aplicada e Psicologia Moral.