por Carlos Alberto dos Santos
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Entre os dez primeiros endereços exibidos pelo Google para a expressão “Mileva Maric”, o primeiro da lista é da Wikipedia, o terceiro e o quinto apresentam textos de minha autoria[1], [2], que divergem em pontos fundamentais das narrativas apresentadas pelos oito textos restantes. Alguns desses textos são escandalosamente sensacionalistas. Por exemplo, em Aventuras da História afirma-se que “Mileva Mari?-Einstein foi uma física e matemática brilhante. A análise de documentos e cartas indica que a primeira mulher de Albert Einstein tenha trabalhado junto com ele em suas teorias que revolucionaram a física. Essa é uma dúvida que divide os cientistas do mundo todo”[3]. Não é verdade que as cartas indicam que ela tenha colaborado substancialmente para o trabalho de Einstein, e não há divisão entre os cientistas a esse respeito. O equívoco repercutido na Internet não vem de autores reconhecidos pelos historiadores. Na página da Revista Galileu[4], afirma-se que “Um dos colegas de classe de Maric era ninguém menos que Einstein. Ao contrário do que muita gente pode pensar, porém, ele era um aluno bastante medíocre, com reputação de preguiçoso. Ela, por sua vez, tinha fama de boa aluna e o ajudava a resolver os desafios de classe.” Não há afirmação mais mistificadora do que essa. Mistificadora também é a página da BBC News Brasil[5], cuja matéria a respeito da colaboração de Mileva tem o título: “A história pouco conhecida da brilhante mulher de Einstein que contribuiu para a teoria da relatividade.”
A consequência danosa desse tipo de literatura é a difusão da desinformação histórica, a partir de textos escritos por quem não conhece a história. Em 2010, Luis Fernando Veríssimo escreveu um texto, dentro da série Diálogos Impossíveis[6], no qual ele reproduz alguns desses equívocos. Trata-se de um diálogo fictício entre Einstein e Mileva, a propósito do divórcio. No meio do diálogo, ele diz que ela era até melhor do que ele na faculdade. Depois ela diz que aceitou que ele assinasse os quatro trabalhos revolucionários de 1905, que ela teria feito sozinha. Einstein diz que mesmo em 1919, para aceitarem que uma mulher possa ser um gênio da física como um homem é preciso que passe muito tempo ainda. Mileva diz que Einstein nunca entendeu as suas teorias.
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A licença poética que se possa atribuir ao texto de Veríssimo não é capaz de justificar a tremenda desinformação que ele faz ecoar entre seus leitores. Por exemplo, se é verdade que sempre houve preconceito em relação à capacidade feminina na ciência, não é menos verdade que naquela época Marie Curie já tinha ganho dois prêmios Nobel, um em física (1903) e outro em química (1911), e Lise Meitner já era uma física respeitada na comunidade científica, tendo sido indicada várias vezes para o Prêmio Nobel de física ou de química, a partir de 1924. Então, apenas o preconceito não justificaria a marginalização de Mileva. Em ensaio recente, aqui no Estado da Arte[2], mostrei que o mito dessa colaboração surge da falsificação de um texto publicado pelo famoso físico russo, Abraham Fedorovich Joffe, publicado logo após a morte de Einstein. A refutação dessa hipótese de que Mileva colaborou com Einstein em seus trabalhos de 1905 já apareceu em vários artigos de respeitados historiadores, e foi bem sintetizada na obra de Allen Esterson e David Cassidy, com a colaboração de Ruth Lewin Sime[8].
Os defensores da hipótese de que Mileva ajudou Einstein a elaborar seus famosos artigos de 1905, baseiam-se em ilações a partir de pequenos trechos de oito cartas escritas por Einstein para Mileva. No ensaio anterior[2] eu analisei essas ilações. Essas oito cartas fazem parte de uma coleção de 54 cartas, conhecidas como cartas de amor[9], escritas entre 1897 e 1903, mas que só vieram a público em 1986. Para compreender a complexa relação entre Einstein e Mileva, e se livrar das armadilhas de interpretações apressadas, é necessário examinar as mais de 150 cartas que eles trocaram entre 1897 e 1926 e eventualmente contextualizar parte dessa correspondência com o auxílio das 70 cartas que ela trocou com Helene Savic, que também foi objeto de análise no meu ensaio anterior.
Eu costumo dividir a correspondência entre Einstein e Mileva em três fases. Na primeira fase, denominada cartas de amor, encontram-se as cartas de 1897 a 1903. Depois vêm as cartas de ódio, entre 1914 e 1919, e finalmente as cartas de paz, depois de 1920. Toda essa documentação está disponível em alemão e inglês no portal dos Collected Papers de Albert Einstein[10], daqui por diante tratado como CPAE. Tratarei neste ensaio das duas últimas fases, mas eventualmente as contextualizarei com o auxílio da correspondência entre Mileva e Helene Savic, do mesmo período[11].
Se alguém lê as duas primeiras cartas da fase do ódio, escritas em 2 e 10 de abril de 1914, e nada sabe sobre a biografia de Einstein, jamais imaginaria que três meses depois o casamento chegaria ao fim com um enredo de tragédia grega, recheado de eventos dolorosos e situações insuportáveis. Mileva e os filhos estão em Zurique, enquanto Einstein está em Berlim providenciando a mudança da família. Ele acabara de aceitar os honrosos e irrecusáveis convites para ser da Academia Prussiana de Ciências, professor da Universidade de Berlim, sem obrigações docentes, e diretor do Instituto de Física Kaiser Wilhelm, que seria criado em 1917. Einstein mostra-se muito animado e amoroso nas duas cartas, que começam com o adorável tratamento de Mama e terminam com Papa. Todavia, o casamento já ia mal das pernas desde 1909, quando eles moravam em Berna, e de lá Mileva escrevia para sua amiga Helene[11]:
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Meu marido está agora em Salzburgo, em uma reunião de físicos alemães, onde dará uma palestra. Ele agora é considerado o melhor dos físicos de língua alemã. Estou muito feliz por seu sucesso, porque ele realmente o merece; só espero e desejo que a fama não tenha um efeito danoso em sua humanidade.
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Foi uma premonição do que aconteceria cinco anos depois, com o brutal memorando enviado por Einstein, três meses depois deles se mudarem para Berlim. Mileva e as crianças chegam a Berlim em meados de abril de 1914. Dois meses depois eles se separam. Mileva fica hospedada com as crianças na casa de Fritz Haber, diretor do Instituto de Química Kaiser Wilhelm. Naqueles dias, a correspondência entre eles era feita por intermédio de Haber. No dia 18 de julho Einstein envia-lhe o famigerado memorando, com suas exigências para que permaneçam vivendo sob o mesmo teto.
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A. Você deve providenciar que:
1) Minhas roupas estejam sempre limpas. 2) Eu receba minhas três refeições regularmente em meu quarto. 3) Meu quarto e meu escritório estejam sempre em ordem, principalmente que a escrivaninha esteja sempre à minha disposição.
B. Você deve renunciar a qualquer relação pessoal comigo. Especificamente, não espere:
1) Sentar-se em casa comigo. 2) Sair ou viajar com você.
C. Em suas relações comigo, você se compromete explicitamente a cumprir os seguintes pontos:
1) Você não deve esperar intimidade de minha parte, nem deve de modo algum me censurar. 2) Você deve desistir imediatamente de se dirigir a mim, se assim eu o solicitar. 3) Você deve deixar meu quarto ou escritório imediatamente, sem protestos, se eu assim solicitar.
D. Você se compromete a não me menosprezar em palavras ou atos, na frente de meus filhos.
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Dias depois, Mileva responde dizendo que aceita as draconianas exigências de Einstein, mas ele muda de posição e diz que não aceita de modo algum continuar vivendo com ela. No final de julho, na companhia de Haber, Einstein leva Mileva e as crianças para a estação ferroviária. Depois da partida do trem, no rumo de Zurique, Einstein chora feito criança.
O casamento, já sabemos, não andava bem desde 1909, mas em 1914 havia um complicador: Einstein aproximara-se de sua prima Elsa, ao mesmo tempo que aumentava seu desencanto em relação a Mileva. Cinco anos depois, Einstein e Elsa casaram-se, logo depois do divórcio com Mileva.
Não há registro de que Mileva tenha comentado com sua amiga Helene as dolorosas circunstâncias da separação, mas Helene tomou conhecimento da separação. Sabemos disso pelas informações de seu neto, Milan Popovic[11], sabemos também que ela escreveu para Einstein sobre a separação, mas a carta foi extraviada. No entanto, há uma carta de Einstein, datada de 8 de setembro de 1916, na qual ele diz a Helene que recebera sua carta, e esclarece seu posicionamento frente à separação. Essa carta pode servir como guia para entender aquele dramático cenário de 1914, e para desmistificar interpretações equivocadas da relação de Einstein com Mileva e seus filhos após a separação. Como bem comprovam as cartas da terceira fase, a fase pacífica, Einstein foi sempre um pai afetuoso, e tanto quanto suas obrigações profissionais o permitiram, também foi um pai presente. No entanto, naqueles dois primeiros anos de separação foram de grande amargura, como se depreende de um trecho dessa carta[11]:
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Para minha grande tristeza, descobri que meus filhos não entendem minhas ações, que eles sentem uma raiva muda de mim e eu acho, embora me machuque, que é melhor para eles que seu pai não os veja mais. Ficarei satisfeito se eles se tornarem homens úteis e respeitados; tudo parece indicar que sim, porque são talentosos e, embora, de modo geral, eu não tenha grande influência na educação deles, tenho grande confiança na influência de sua mãe.
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Essa amargura se dissipará ao longo dos anos, e a relação de Einstein com seus filhos passa a ser de comovente ternura. É preciso ter em mente que em 1916, Hans Albert tem 12 anos, e Eduard tem 6. No próximo ensaio tratarei especificamente da correspondência entre eles. Continuemos com as cartas da discórdia entre Einstein e Mileva.
Entre a separação e o final de 1915, eles trocam várias cartas, basicamente sobre questões financeiras. Ora reclamação de Mileva de que o dinheiro é pouco, ora informação de Einstein sobre depósitos bancários para ela. No início da separação, Einstein havia dito que não tinha interesse em pedir o divórcio, mas essa posição muda no início de fevereiro de 1916, quando ele manifesta o desejo de transformar a separação em divórcio. A partir de então segue-se uma fase de amargura e ódio, principalmente da parte de Mileva. Algumas das cartas de Mileva em resposta a essa proposta de Einstein foram extraviadas. Nos CPAE constam várias cartas de Einstein fazendo referências às respostas de Mileva, mas sua primeira carta em resposta a Einstein, que foi preservada, é datada de 6 de fevereiro de 1918, exatamente dois anos após a proposta de divórcio de Einstein. O que teria acontecido com Mileva nesse período de dois anos, além de discutir questões financeiras a respeito do divórcio? Conforme Milan Popovic, sua avó ficou sabendo da separação através de amigos. Ficou sabendo também que Mileva estava tão doente que mal conseguia levantar-se da cama. Para socorrer a amiga, Helene, que fugira com a família da Áustria para Lausane, por causa da guerra, viajou para Zurique. Encontrou Mileva profundamente deprimida e muito debilitada. Levou Hans Albert e Eduard para passar o verão em sua casa, enquanto Mileva ficava sob cuidados médicos, para tratar da misteriosa doença e seu frágil estado emocional, que a deixou virtualmente inválida por três anos.
A carta de fevereiro de 1918 refere-se às várias cartas de Einstein, mas é sobretudo uma resposta a uma carta enviada por Einstein em janeiro, na qual ele faz uma proposta irrecusável para Mileva lhe conceder o divórcio. Em vez de seis mil marcos anuais, proposto inicialmente, ele propõe nove mil, dos quais dois mil deverão ser depositados em nome dos filhos. Além disso, ele promete que na eventualidade de ganhar o Prêmio Nobel, todo o dinheiro seria transferido para uma conta em um banco suíço, em nome dos filhos. Para quem que não conhece a biografia de Einstein, essa proposta beira o desatino. Quem conhece sua biografia, sabe que desde 1910 ele era anualmente indicado para o Nobel. Isso só não ocorreu em 1911 e 1915. Então, para toda a comunidade de físicos, o Prêmio Nobel de Einstein era apenas uma questão de tempo. Na sua resposta, Mileva diz que está adoentada, mas não entra em detalhes sobre a doença. Eles continuam discutindo aspectos processuais. Sabem que se trata de um processo complicado, mas ainda não têm certeza se é melhor fazer o divórcio na Alemanha ou na Suíça. De qualquer modo, Mileva continua achando que não há necessidade do divórcio para que Einstein tenha uma vida livre, nem para ele continuar sua vida científica. Além dos atritos pessoais, havia um complicador extraordinário para dar andamento ao processo. De qualquer modo, Mileva achava que seria melhor deixar tudo para depois da guerra.
Em outra carta alguns dias depois, Mileva expressa com clareza seu estado de depressão. Com alguma empatia, o leitor dessas cartas pode passar por um sofrimento atroz. Imagine-se na pele de Mileva, abandonada pelo marido e vivendo em profunda depressão. Ele queria o divórcio; ela queria viver com ele, mesmo sob as perversas condições impostas pelo marido em 1914. Pessoalmente, considero a carta de 9 de fevereiro de 1918 como a expressão literária do lamento de Ingrid, na peça musical Peer Gynt, de Edvard Grieg. A melodia de Grieg traduz em sua plenitude a melancolia exposta por Mileva. É também uma carta com duras críticas ao comportamento de Einstein. Mileva lembra que desde 1916, ele vem empurrando-a para a beira dessa miséria com suas cartas, das quais ainda não consigo me livrar. A respeito da proposta de Einstein, ela diz que não pode responder, porque precisa ouvir a opinião de seu advogado. Depois de comentar aspectos legais, ela escreve aquilo que associo à melancolia do lamento de Ingrid:
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Caro Albert, por que você me atormenta tanto? Nunca pensei que fosse possível que alguém a quem uma mulher devotou seu amor e sua juventude, e a quem deu filhos, pudesse fazer coisas tão dolorosas como você fez comigo. Você não pode imaginar o que sofri nestes últimos dois anos. Eu não mereço isso de você.
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Um mês depois, ela escreve uma carta aceitando as propostas de Einstein, com alguns questionamentos de ordem prática, sem alterar na essência a proposta inicial. Aceitar a proposta era uma coisa, chegar ao documento final do divórcio era outra bem diferente. Eles passaram todo o primeiro semestre de 1918 discutindo detalhes, tais como em qual banco depositar o dinheiro; para qual jurisdição, alemã ou suíça, o processo deveria ser encaminhado; permissão para Einstein visitar os filhos, entre outras minúcias, até que em 18 de junho eles chegaram a um acordo. Em dado momento, antes do acordo, Einstein disse a Mileva que estava curioso para saber quem chegaria ao fim em primeiro lugar, a guerra ou o divórcio. Os dois eventos iniciaram quase simultaneamente, mas embora o acordo do divórcio tenha sido assinado antes do final da guerra (11 de novembro), o documento final só foi prolatado três meses depois, exatamente em 14 de fevereiro de 1919, em Zurique.
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Depois do divórcio, as cartas passaram a tratar basicamente de questões bancárias e de informações sobre os estudos das crianças e sobre as frequentes doenças de Mileva e dos filhos. Mileva ficou todo o ano de 1921 sem escrever para Einstein, e em 1920 só escreveu uma carta, em 14 de maio. Foi uma carta gentil, no dia do aniversário de 16 anos de Hans Albert, na qual ela diz que os meninos estão excelentemente bem. A carta começa com Querido Albert, e termina com Miza, a forma carinhosa como Einstein, parentes e amigos tratam Mileva. A carta seguinte só foi escrita quase dois anos depois, exatamente em 21 de março de 1922. Também começa com Querido Albert, mas termina com Mileva. É uma carta triste, com a carga melancólica de quem passa por um processo de depressão. Talvez isso explique a assinatura seca. Mileva começa dizendo que o convite feito por Einstein para ficar com as crianças no verão os deixou muito felizes, mas ela acha uma data inapropriada, pois logo depois das férias Hans Albert vai se submeter ao exame final do ensino médio. Portanto, deveria passar o verão se preparando para o exame.
Mileva faz uma observação, que me pareceu uma projeção do jovem Albert Einstein. Ela diz que Hans Albert é excelente em assuntos que lhe interessam, mas que ele tem uma certa dificuldade para superar assuntos dos quais ele não gosta. Substituindo Hans Albert por Albert Einstein, a frase continua perfeita. É bem sabido que Einstein apresentara, em toda sua vida estudantil, desempenho excepcional em matemática e física, mas tivera notáveis dificuldades com biologia e idiomas estrangeiros. Por exemplo, quando aos 16 anos de idade, e sem ter concluído o ensino secundário, Einstein submeteu-se ao exame de ingresso na ETH, a mais famosa escola técnica da Europa central, ele foi reprovado em biologia e francês, mas suas provas de matemática e física foram tão impressionantes que um dos professores de física da ETH o convidou para assistir suas aulas como ouvinte. Felizmente, em vez de aceitar esse convite, ele seguiu a recomendação do diretor e foi concluir o ensino secundário numa escola cantonal de Aarau. No ano seguinte ele ingressaria na ETH, e quatro anos depois concluiria seu curso superior.
Depois desses comentários sobre as crianças, Mileva passa a relatar o que estava lhe causando profunda tristeza. Seu pai falecera recentemente, sua irmã estava internada em hospital psiquiátrico, e sua mãe, idosa e fraca, tinha dificuldade para dar conta de tudo. Seu irmão Milos, que participara da guerra, estava desaparecido, ninguém sabia de seu paradeiro. Possivelmente morrera no campo de batalha.
Não há registro da resposta de Einstein a essa carta de março de 1922, mas entre abril e junho ele escreve algumas cartas para Hans Albert e Eduard, e em 24 de junho Mileva escreve dizendo que concorda com a proposta de Einstein para ficar com as crianças no verão. As cartas trocadas subsequentemente não indicam o que teria ocorrido naquele verão. Não há cartas relevantes entre Mileva e Einstein, até que em outubro Einstein escreve para os filhos, de Marselha, de onde partirá para uma longa viagem ao Japão, a bordo do navio a vapor (SS) Kitano Maru. Em novembro Einstein foi informado que ganhara o Nobel de 1921. O leitor pode achar estranho que o prêmio de 1921 só tenha sido anunciado em 1922. Em 1921, Einstein fora indicado ao prêmio por três de seus trabalhos: teoria da relatividade geral, movimento browniano, e efeito fotoelétrico. O Comitê do Prêmio Nobel resolveu que Einstein deveria ser premiado, mas seus membros não tinham certeza por qual trabalho. Para decidirem, o comitê solicitou que Allvar Gullstrand preparasse uma avaliação sobre a teoria da relatividade, e Svante Arrhenius fizesse o mesmo para o efeito fotoelétrico. Ambos suecos e membros do comitê, mas enquanto Arrhenius era químico e conhecia bem o efeito fotoelétrico, Gullstrand era médico e tinha parcos conhecimentos sobre a teoria da relatividade geral, embora fosse reconhecidamente grande expert em ótica. Seu relatório foi amplamente contrário à teoria da relatividade, mas na avaliação de alguns físicos também foi um trabalho sofrível, do ponto de vista conceitual. Por outro lado, Arrhenius argumentou que um prêmio para a teoria quântica já havia sido concedido em 1918, para Max Planck, o físico teórico que criou o conceito de quantização da energia. Então, se um prêmio tivesse que ser dado ao efeito fotoelétrico, que fosse para um experimentalista, e não um teórico, como Einstein. Resultado, o comitê resolveu não conceder o prêmio em 1921.
Em 1922, a coisa engrossou. Dois gigantes foram indicados: Einstein e Niels Bohr. O primeiro teve dezessete indicações, enquanto o segundo foi indicado onze vezes. Max Planck propôs conceder o prêmio de 1921 a Einstein, e o de 1922 a Bohr. Mais uma vez, o comitê solicita a Gullstrand um relatório sobre a teoria da relatividade, e a mesma coisa a Carl Oseen, sobre o efeito fotoelétrico. Gullstrand repetiu a baixa qualidade de seu relatório anterior, enquanto Oseen apresentou um notável trabalho de revisão sobre o efeito fotoelétrico, e a Academia de Ciências da Suécia aceitou a proposta de Planck.
Até 24 de maio de 1924, quando Mileva usa parte do dinheiro do prêmio para comprar uma casa em Zurique, a correspondência entre eles tratava basicamente da escolha de alternativas para investimento. Foi a partir dali que eles passaram a ter uma relação amigável. É a fase pacífica da minha classificação, com momentos de explícita ternura. Por exemplo, em 1925, quando Einstein esteve no Rio de Janeiro[13], [14], em companhia de Elsa, levou uma cesta de cactos para Mileva e uma coleção de borboletas brasileiras para os filhos, presentes do diretor do Jardim Botânico. Essa fase pacífica na relação de Einstein com Mileva só foi perturbada com a oposição de Einstein ao casamento de Hans Albert, da qual me ocuparei no próximo ensaio.
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Notas
[1] C. A. dos Santos, “Einstein & Mileva,” Albert Einstein, 2000. [Online]. Available: http://www.if.ufrgs.br/einstein/mileva.html. [Accessed: 30-Jan-2021].
[2] C. A. dos Santos, “Einstein, Mileva e Helene Savic,” Estado da Arte / Estadão, São Paulo, 18-Sep-2020.
[3] M. Ribas and F. Previdelli, “Esnobada da teoria da relatividade e casamento cruel: a esquecida Mileva Maric-Einstein,” Aventuras na História, 2020. [Online]. Available: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-mileva-maric-documentos-mulher-einstein-teoria-relatividad.phtml. [Accessed: 30-Jan-2021].
[4] Editoria, “Mileva Maric Einstein: sua participação na Física foi esquecida?,” Revista Galileu, 2018. [Online]. Available: https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2018/08/mileva-maric-einstein-sua-participacao-na-fisica-foi-esquecida.html. [Accessed: 30-Jan-2021].
[5] Editoria, “A história pouco conhecida da brilhante mulher de Einstein que contribuiu para a teoria da relatividade,” BBC News – Brasil, 2018.
[6] L. F. Veríssimo, “Albert e Mileva,” Zero Hora, Porto Alegre, 10-Jul-2010.
[7] R. Highfield and P. Carter, The private lives of Albert Einstein. Londres: Faber and Faber, 1993.
[8] A. Esterson and D. C. Cassidy, Einstein’s wife: the story of Mileva Einstein-Maric. Cambridge: MIT Press, 2019.
[9] J. Renn and R. Schulmann, Albert Einstein-Mileva Maric: cartas de amor. Campinas: Papirus, 1992.
[10] CPAE, “The Collected Papers of Albert Einstein,” Einstein Papers – Princeton University, 1987.
[11] M. Popovic(Ed.), In Albert’s shadow: the life and letters of Mileva Maric, Einstein’s first wife. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2003.
[12] M. Zackheim, Einstein’s Daughter: The Search for Lieserl. New York: Riverhead Books, 1999.
[13] I. C. Moreira and A. A. P. Videira, Einstein e o Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1995.
[14] A. T. Tolmasquim, Einstein. O viajante da relatividade na América do Sul. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2003.
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Agradeço ao professor Luiz Fernando Ziebell, do Instituto de Física da UFRGS, pela cuidadosa leitura do manuscrito.
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