A formação social brasileira e o peso do passado

No campo das esquerdas, alguns intelectuais, ao formularem suas leituras acerca da formação social brasileira, terminaram por produzir interpretações tautológicas e antihistoricistas que elegem a revolução como caminho único para a superação do passado. Por Marcus Vinicius de Oliveira, em parceria com o Horizontes Democráticos.

por Marcus Vinicius de Oliveira

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em parceria com o Horizontes Democráticos

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Retomando um discurso do Visconde de Cairu, Christian Edward Cyril Lynch, em Introdução à coletânea Pensamento político brasileiro: temas, problemas e perspectivas, afirma uma temporalidade específica do  pensamento social brasileiro. Em razão de sua condição periférica e colonizada, diversos intelectuais pertencentes às mais distintas perspectivas ideológicas vivenciaram o passado como um peso que se projeta no presente e entrava as possibilidades de um futuro diverso, de modo que as interpretações formuladas em torno da formação social brasileira estiveram vinculadas a propostas políticas que buscavam o caminho para a modernidade a partir do afastamento entre passado e futuro. Nesse sentido, no campo das esquerdas, alguns intelectuais, ao formularem suas leituras acerca da formação social brasileira, terminaram por produzir interpretações tautológicas e antihistoricistas que elegem a revolução como caminho único para a superação do passado.

Caio Prado Jr., em seu clássico Formação do Brasil Contemporâneo, publicado nos anos 1940, delineia uma interpretação na qual o sentido da colonização é incorporado ao longo da história imperial e republicana. Voltado para o exterior, o Brasil aparece como uma nação a procura de uma completude que deveria ser impulsionada a partir da ruptura com a estrutura colonial. Nessa leitura, transformações significativas, a exemplo da Independência ou mesmo da Abolição, embora sejam valorizadas positivamente como etapas na superação dessa condição colonial persistente, são subsumidas a essa densa estrutura que atravessa a história do Brasil.

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Prado Jr.

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Nos anos 1970, por itinerários distintos, A Revolução Burguesa no Brasil, de Florestan Fernandes, incorre em problemas semelhantes. O argumento de Fernandes gira em torno da demonstração da especificidade da introdução da ordem burguesa no Brasil. Ao contrário de Caio Prado Jr., a leitura de Fernandes enfatiza como aquelas transformações históricas contribuem para o desenvolvimento da revolução burguesa no país. Todavia, tais transformações não são suficientes para superar a condição heteronômica herdada dos tempos coloniais. Esse diagnóstico marca uma interessante interpretação acerca da modernidade brasileira orientada por uma temporalidade complexa na qual o arcaico e o moderno convivem.

A persistência dessa heteronomia, resultado da condição colonial e periférica, engendra as especificidades da revolução burguesa brasileira. Distante de fracassada ou incompleta, a forma autocrática assumida por essa modernização é precisamente sua característica essencial. Na tentativa de reafirmar seus lucros diante dos países do capitalismo central, a burguesia brasileira se utiliza de mecanismos autoritários para garantir a exploração e a repressão das demandas motivadas pela organização da classe operária.

Diante disso, as experiências democráticas, tanto aquela experimentada anterior ao golpe civil-militar de 1964 quanto a que se anunciava com a redemocratização, são desvalorizadas. A democracia, assim como os direitos obtidos em seu interior, figuram como formas suavizadas responsáveis por, em momentos menos agudos da luta de classes, mascarar a face realmente autocrática da burguesia. Nos momentos de acirramento dessa luta e de ascensão das lutas autônomas dos trabalhadores, a autocracia se expressa e se concretiza na instalação da Ditadura Militar. Em virtude disso, os anúncios de abertura e redemocratização do país não cativam Fernandes. Ainda pertencente a nossa condição periférica, a democracia que poderia surgir após a Ditadura não poderia romper com a autocracia burguesa.

Na mesma década, outros autores como Francisco de Oliveira e Ruy Mauro Marini percorrem caminhos semelhantes. Oliveira em suas críticas ao dualismo cepalino demonstra que as expectativas de superação do atraso a partir de um desenvolvimento nacional autônomo são ilusórias. Isso ocorre porque nosso processo de modernização, em vez de eliminar seus arcaísmos, os utiliza para a produção do moderno. Na impossibilidade da superação do atraso, avanços como a conquista dos direitos trabalhistas são compreendidos como mecanismos que, ao possibilitar custos fixos para a produção e estimular o mercado, contribuem para o estímulo da acumulação capitalista.

Marini, por sua vez, partindo da “teoria marxista da dependência”, conduz a discussão para a radicalidade completa. Exilado, Marini fixa o Brasil da Ditadura Militar como uma nação central para o prosseguimento da revolução latino-americana iniciada pela Revolução Cubana. Incapaz de se desenvolver autonomamente ou de competir com o imperialismo, a burguesia brasileira se alia sobretudo aos Estados Unidos para tornar-se um país subimperialista, garantindo, assim, a continuidade da super exploração do trabalho e as altas taxas de acumulação.

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Mauro Marini

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Tais leituras, ainda que por matizes bastante diversas, oferecem contribuições e problemas semelhantes. Respondendo ao dilema comum acerca das bases históricas da formação social brasileira, os autores contribuem para pensar as especificidades do país diante do mundo, apontando para as temporalidades singularidades que caracterizam a modernidade brasileira. Por outro lado, as interpretações de Caio Prado Jr., Florestan Fernandes, Francisco de Oliveira e Ruy Mauro Marini terminam por produzir uma leitura tautológica da história do Brasil, na qual o rompimento revolucionário aparece como único caminho para além da repetição.

Isso ocorre porque as transformações históricas experimentadas ao longo dos séculos XIX e XX se encontram subsumidas a uma estrutura que se atualiza constantemente. As ações da sociedade civil, mesmo aquelas orientadas pela organização dos trabalhadores para a conquista da cidadania, aparecem vinculadas a um ordenamento burguês que reduz seu significado. A democracia, por seu turno, ao ser compreendida como uma ilusão diante do autoritarismo burguês, também tem seus impactos diminuídos nessas leituras.

Contraditoriamente, esses intelectuais, ao proporem respostas para a superação do peso do passado, terminaram por elaborar leituras tautológicas da história do Brasil que, marcadas por um déficit de historicidade, são incapazes de vislumbrar as transformações históricas que se processaram ao longo da história nacional. Reafirmando a estrutura classista própria da modernidade periférica, passado e presente perdem suas feições distintas, cabendo, portanto, somente à revolução produzir a separação entre esses tempos seja pela via armada ou pacífica.

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