Moisés

Entrevista com Carlos Vailatti, Ruben Sternschein e Suzana Chwarts. Por Marcelo Consentino.

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A vida pode ser dura. Imagine que você é um órfão adotado pelos opressores de seu povo, perseguido pelos poderosos, refugiado entre seminômades. Você tem um temperamento instável, ora colérico ao ponto da selvageria, ora hesitante ao ponto da covardia, e, ah, sim, tem a língua presa. Já velho, você é forçado a contragosto a retornar e conduzir por um caminho árido um povo que vê você e sua família como estrangeiros e está sempre se rebelando, rumo a uma terra na qual será proibido de pôr os pés. O que é você senão uma pecinha insignificante na engrenagem do mundo, uma gota no imenso rio da história?

E, no entanto, como disse um historiador, Moisés “ilustra o fato, que grandes historiadores sempre reconheceram, de que a humanidade não progride invariavelmente por passos imperceptíveis, mas às vezes dá um salto gigante, frequentemente sob a propulsão dinâmica de uma personalidade solitária e extraordinária”. Seu monoteísmo ético desencadeou o processo pelo qual toda a visão de mundo da antiguidade foi destruída. Moisés não foi um dos muitos heróis e reis do mundo antigo, muito menos um semideus ou deus. Ele foi menos do que tudo isso, mas em certo sentido foi mais, assim como foi menos e mais que um profeta, um legislador, um libertador, um fundador espiritual. Há algo de profeta em Moisés, mas aquele que consumou a aliança entre Deus e seu povo não foi só mais um dos infindáveis mensageiros dessa aliança. Há algo de legislador, mas não como um mero codificador de regras e regulamentos e sim como enunciador de leis eternas. Há algo de historiador naquele que não escreveu a Torah, mas contou estórias consagradas nela e mudou a história da humanidade. Ele foi um libertador, não como um Garibaldi israelita, mas como alguém que libertou seu povo da submissão ao Faraó para submetê-lo a Yaweh. Foi um fundador espiritual, mas não fundou uma religião, só liderou um povo que é minúsculo até hoje, e ao fazê-lo lançou os fundamentos das duas religiões mais populares de todos os tempos. Abraão foi o pai do povo judeu, mas Moisés foi seu criador. A história do Genesis é a do nascimento de uma família; a história do Êxodo, a do nascimento de uma nação. Na primeira, Deus reserva para si o sangue de um povo, na segunda, sopra através desse povo seu espírito no mundo. Hoje, não só os judeus, mas cristãos e muçulmanos adoram o Deus revelado por Moisés. Para quase 60% da população mundial sua lei é sagrada, e, com exceção do extremo Oriente, sua fé é predominante em todas as regiões do planeta. 

Convidados

Carlos Augusto Vailatti: professor da Faculdade Evangélica de São Paulo e autor de As Dez Pragas e a Abertura do Mar.

Ruben Sternschein: reitor da Academia Judaica da Congregação Israelita de São Paulo.

Suzana Chwarts: diretora do Centro de Estudos Judaicos da Universidade de São Paulo.

Referências

  • “Israelitas” em História dos Judeus, de Paul Johnson. 
  • “Moisés e a Partida do Egito”, em História das Crenças e das Ideias Religiosas. V. I. (A History of Religious Ideas), de Mircea Eliade.
  • Israel, Das Origens até Meados do Século VII a.C., de Adolph Lods.
  • “Judeia”, em História da Civilização. Vol. I. Nossa Herança Oriental (The Story of Civilization), de Will Durant.
  • Ordem e História. Vol. I. Israel e a Revelação (Order & History), de Eric Voegelin. 
  • Moses, de Gerhard von Rad.
  • MosesThe Revelation and the Covenant, de Martin Buber.  
  • Moses. A life, de Jonathan Kirsch.  
  • “The Pentateuch and Israelite Law”, em The Cambridge Companion to The Hebrew Bible, ed. por S.B. Chapman e M.A. Sweeney.
  • “Moses & The Exodus”, episódio do podcast The Ancients. 
  • The Encyclopedia of World Religions, org. R.S. Ellwood e G.D. Alles.
  • Britannica Encyclopedia of World Religions, org. W. Doniger.

Ilustração: Moisés. San Pietro in Vincoli, Roma. De Michelangelo Buonarroti (c. 1513-15).

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