No ano de 793 depois de Cristo, os céus do litoral norte da Inglaterra se encheram de relâmpagos, tornados e dragões, então se seguiu uma grande fome, e finalmente “horrendas incursões de pagãos destruíram a igreja de Deus na ilha de Lindisfarne com roubos e massacres ferozes”. Foi assim, ao menos segundo as crônicas anglo-saxãs, que os vikings inauguraram três séculos de invasões, conquistas e colonizações. Até hoje os vemos como guerreiros super-masculinos navegando em navios em forma de dragão com capacetes com chifres, peles de animais e machados reluzentes em busca de saques, assaltos, pilhagens, estupros, sequestros, chacinas, escravizações. Assim como nossa sociedade mantém uma relação ambígua com a violência, somos a um tempo atraídos e repelidos pelos vikings. Simpatizamos com suas vítimas, mas admiramos sua força, coragem e virilidade, e, de um modo geral, prevalece a imagem positiva da jovialidade, ousadia, aventura e exploração.

Com efeito, os vikings batalharam da Inglaterra e França até Portugal e Espanha; navegaram por rios do Báltico ao Mar Negro; comercializaram em Constantinopla e Bagdá, conectando-se com a China e a Índia através da Rota da Seda; colonizaram a Islândia; e exploraram a América 500 anos antes de Colombo. Eles aterrorizaram os povos medievais, mas também catalizaram grandes transformações culturais, religiosas e políticas. A destruição criativa detonada na Escandinávia teve um caráter caleidoscópico. Considere Cnut, o Grande, que foi rei da Dinamarca, Noruega, Inglaterra e parte da Suécia. Ou Harald Hardrada (literalmente, “o Durão”), filho do rei da Noruega; meio-irmão de Olaf, o Santo; genro de Yaroslav, o Sábio, da Rússia; cunhado dos reis da Hungria e da França; exilado, pirata, poeta, mercenário, general do Império Bizantino, que lutou no mediterrâneo, reconquistou seu trono e quase subjugou a Inglaterra.
Aos poucos, os chefes tribais escandinavos foram se tornaram súditos de reis e fiéis da Igreja universal. Quando os conquistadores foram conquistados pela fé de monges e freiras, a era viking acabou e nasceram os reinos da Dinamarca, Suécia e Noruega. Mas seus descendentes na Normandia conquistaram a Inglaterra e a Sicília; e suas dinastias em Kiev inauguraram aquela que se tornaria a maior nação do planeta: a Rússia. E a mistura de masculinidade, aventura e coragem em suas sagas e mitos continuam a energizar nosso imaginário, das óperas de Wagner aos romances de Tolkien, de filmes a séries e videogames. Como os vikings se tornaram o primeiro povo pré-moderno a matar e morrer nos quatro continentes? O que a sua jovialidade expansiva tem a ver com a introversão torturante de um Hamlet ou um Kierkegaard? E como os descendentes desses bárbaros ferozes construíram nações que hoje são modelos exemplares de regimes social-democratas igualitários, civilizados e pacíficos?
Convidados
Hélio Pires: pesquisador do Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa e autor de No Tempo dos Vikings.
Lukas Grzybowski: professor de História Medieval da Universidade Estadual de Londrina e autor de The Christianization of Scandinavia in the Viking Era.
Santiago Barreiro: professor de História Medieval da Universidade de Buenos Aires e tradutor das sagas nórdicas.
Referências
- “Vikings” em História da Civilização. Vol. IV. A Idade da Fé (The Story of Civilization), de Will Durant.
- Mitos do norte pagão: Os deuses dos nórdicos, de Christopher Abram.
- The Cambridge History of Scandinavia. Vol. 1. From Prehistory to 1520, ed. por Knut Helle.
- “Vikings” em Medieval Europe. A Short History, de J.M. Bennett e W.C. Hollister.
- The Vikings, de Else Roesdahl.
- The Viking World, org. por S. Brink e N. Price.
- The Vikings. A Very Short History, de Julian D. Richards.
- The Age of Vikings, de Anders Winroth.
- The Norsemen in the Viking Age, de Eric Christiansen.
- The Vikings in History de F. Donald Logan.
- The Cambridge Introduction to the Old Norse-Icelandic Saga, ed. por Ross Clunies
- Eso no estaba en mi libro de Historia de los vikingos, de Losquino Garcia.
- The Hammer and the Cross, de Robert Ferguson.
- A History of the Vikings, de Gwyn Jones.
- Ancient Scandinavia. An Archeological History from First Humans to the Vikings, de Douglas T. Price.
- The Routledge Research Companion to the Medieval Icelandic Sagas, ed. por A. Jakobsson e S. Jakobsson.
- A Companion to Old Norse-Icelandic Literature and Culture, ed. por Rory McTurk
- Children of ash and elm: a history of the Vikings, de Neil Price.
- The Rise of the Scandinavian Kingdoms from the Vikings to the Reformation, de Sverre Bagge.
- Scandinavia in the Age of Vikings, de Jón Viðar Sigurðsson e Thea Kveiland.
- Scandinavia in the Middle Ages 900-1550: Between Two Oceans, de Kirsi Salonen e Kurt Villads Jensen.
- A History of the Vikings, de T.D. Kendrick.
- Nordens historia: en europeisk region under 1200 år. de Harald Gustafsson.
Ilustração: Drakkars vikings criados por Inteligência Artificial.