À noite.
A música tocava no quintal
com aquela impronunciável agonia.
Frescas, cheiravam forte a maresia,
as ostras sobre o gelo vesperal.
Ele disse: “Sou só um amigo fiel.”
e então tocou-me as dobras do vestido.
Quão longe de um abraço tinha sido
o toque dessas mãos assim ao léu.
Assim olham-se os pássaros ou gatos,
Assim veem-se as esbeltas amazonas…
O riso de seus olhos vinha à tona,
sob o ouro de suas pálpebras pacato.
E dos violinos tristes vem a voz
cantando pela névoa que se adensa:
“Dá graças aos céus pela recompensa –
finalmente com o amado estás a sós.”
(1913)
***
Não sou mais dos sorrisos uma escrava.
O vento congelante aos lábios pune.
Uma esperança a menos me restava,
uma canção a mais virá a lume.
E esta breve canção sem que eu queira
entrego a todo riso e humilhação,
em nome dessa dor não passageira
do silêncio do amor no coração.
(Abril, 1915 Tsarskoe Selo)
***
Vinte e um, fim de noite, segunda,
traços tênues na bruma em torpor.
Mais uma alma qualquer vagabunda
escreveu que no mundo há amor.
E de tédio ou por indolência,
todos creram e vivem assim:
ansiosos, temendo a ausência,
canções cantam de amor até o fim.
Mas para alguns se revela o segredo,
e o silêncio em seus peitos deitou…
Eu o toquei sem vontade nem medo,
desde então este mal me tomou.
Tradução: Rafael Frate