A temporada de 2025 e o futuro da Osesp

Com mais de 50 artistas convidados, além de ciclos dedicados a Tchaikovsky e Richard Strauss, a temporada será uma oportunidade para avaliarmos como a orquestra lida com a diversificação de sua audiência e se adapta às novas formas de consumo cultural.

A temporada de concertos da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) vai muito além das apresentações semanais. Ela costuma começar em meados de fevereiro/março e vai até metade de dezembro — um ano inteiro de atividades musicais. Programar algo assim requer não só uma grande antecipação (cerca de dois anos de planejamento), mas também um conjunto variado de expertises.

A Fundação Osesp, que gerencia a orquestra e todos os projetos musicais e educacionais vinculados a ela (como a Academia de Música e o Festival de Campos do Jordão), além da própria Sala São Paulo (sede da orquestra), tem uma dimensão e solidez únicas em toda a América Latina. Em um país como o Brasil, onde a música clássica não está incorporada como parte de sua identidade nacional, ter uma Osesp, uma Sala São Paulo e a própria Fundação que as gerencia é uma utopia concretizada.

O ano de 2024 foi marcado por grandes comemorações: 30 anos do Coro da Osesp, 25 anos da Sala São Paulo e 70 anos da Osesp, que, em 1997, passou por uma reestruturação completa. A chamada “nova Osesp” surgiu da necessidade de se ter no Brasil uma orquestra de ponta, capaz de se projetar internacionalmente e dialogar em pé de igualdade com instituições musicais e artistas de grande relevância, oferecendo, assim, à sociedade brasileira uma realidade musical e social que reflita o que se vê nos grandes centros musicais. 

Osesp e Coro da Osesp na Sala São Paulo. Crédito: Mario Daloia.

Recentemente, fui recebido para o que seria, inicialmente, uma conversa sobre a temporada 2025 da Osesp, por três pessoas: o maestro Thierry Fischer (atual Diretor Musical e Regente Titular da orquestra), Marcelo Lopes (Diretor Executivo da Fundação Osesp) e Mariana Stanisci (Superintendente de Comunicação e Marketing da Fundação Osesp). Digo “inicialmente” porque, ao longo dessas conversas, percebi que escrever apenas sobre a nova temporada seria perder a oportunidade de abordar algo mais abrangente. Parte da compreensão sobre a função social da orquestra tem levado à implementação de novos planos, que vão desde uma recente reestruturação administrativa até a criação de novos projetos, como os concertos de sexta-feira à tarde e a nova sala de concertos que está sendo feita na Estação das Artes, um dos grandes salões da Sala São Paulo, que, até então, só era utilizada para sediar eventos. A expectativa é que a nova sala tenha uma temporada independente e que ofereça novas formas de espetáculos, que não necessariamente se encaixam na sala maior.

Na parte virtual, temos observado uma mudança significativa no posicionamento da Osesp e Sala São Paulo nas redes sociais, além de um grande desenvolvimento do canal no YouTube da orquestra, com vídeos que trazem considerações sobre o repertório e depoimentos dos artistas da semana, além das transmissões gratuitas dos concertos de sexta-feira1, o que aproxima a orquestra do público não paulistano. Já no mundo ao vivo, as últimas mudanças têm buscado entender como criar uma experiência completa para quem frequenta a Sala São Paulo. Nesse âmbito já tivemos a construção do Boulevard João Carlos Martins, uma passarela interna que permite o acesso à Sala diretamente do metrô, assim como os numerosos táxis disponíveis ao final dos concertos.

Nestas conversas pude entender que o pensamento por trás do atual rebranding é de que, em vez de pensar sobre o futuro da orquestra, é preciso fazer da Osesp uma orquestra do futuro, o que demonstra um real interesse sobre o perfil multifacetado de um público repleto de demandas. Convencer alguém a sair de casa e lidar com os problemas habituais da cidade, como o trânsito e a falta de segurança, torna-se um desafio quando se tem uma oferta ostensiva (e mais barata) de conteúdo de qualidade nas redes sociais e plataformas de streaming.

Stanisci me contou com entusiasmo sobre os estudos que têm sido realizados acerca dos perfis do público e da busca por entender como as pessoas se relacionam com os espaços culturais. A audiência da Osesp abrange desde aficionados por música clássica, capazes de uma audição crítica de cada apresentação, até pessoas que frequentam os concertos como uma forma de descontração e convívio social. Dessa forma, a reverberação do que se vive no espaço cultural vai além do próprio objeto artístico apresentado. No caso da Osesp, é ao longo da temporada que se pode entender como receber essas pessoas e, ao mesmo tempo, oferecer os meios para que elas tenham uma experiência musical e social única.

Após quase 25 anos, toda a linguagem visual da marca Osesp e da Sala São Paulo está sendo reestruturada — novos logotipos, fontes, cores, diagramações e website. Até a tradicional assinatura “Pode aplaudir que a orquestra é sua” cedeu espaço à nova: “Aqui a música toca”. Tudo em busca de algo mais ajustado ao momento atual da instituição, de modo a criar uma imagem da Osesp e da música clássica que dialogue com diferentes públicos.

E, nesta disposição de entender as demandas, haverá uma antecipação do início dos concertos noturnos (de 20h30 para as 20h) e a continuação da série Osesp Duas e Trinta, com concertos às 14h30 de algumas sextas-feiras, que, além de padronizar o valor do ingresso em R$39,60, tem atraído um público diferente, como pessoas que não têm disponibilidade à noite ou que moram no interior do estado, além de muitos jovens e adolescentes.

Enquanto as temporadas de 2023 e 2024 se mostraram como uma transição entre a antiga direção artística e a atual, é possível perceber um pensamento totalmente novo por trás da temporada de 2025. Considerando os programas sinfônicos das assinaturas, apresentações na pré-temporada, projetos especiais, concertos do Coro da Osesp, recitais solo e de música de câmara, serão 124 apresentações ao longo do ano. Só o maestro Thierry Fischer estará à frente de 34 desses concertos.

Já em 2024, houve uma diminuição do número de semanas de concertos, de 32 para 27, o que será mantido para o próximo ano. Isso permite que haja espaço para outras ações, como concertos fora das assinaturas, com repertórios mais populares, espetáculos para crianças, parcerias com companhias de dança, além de maiores períodos de gravação em estúdio. Assim, é possível garantir mais tempo para a própria orquestra, em prol de um aumento da qualidade, ampliação de público e democratização, como enfatizou Marcelo Lopes.

Mas e a nova temporada?

A Temporada 2025 apresenta uma grande diversidade, tanto do ponto de vista dos estilos quanto dos gêneros. Há um equilíbrio interessante entre obras do repertório tradicional e obras modernas e contemporâneas, além de um número significativo de regentes mulheres e obras de compositoras. Estão programadas pelo menos cinco estreias de obras dos compositores Andrew Norman, Esteban Benzecry, Unsuk Chin e Felipe Lara — parte delas encomendadas pela própria Osesp.

O maestro Thierry Fischer contou que parte do pensamento motriz da temporada foca em como perpetuar o crescimento e o desenvolvimento da orquestra. Até a ordem das obras nos programas é pensada de forma a conduzir a percepção do público sobre o próprio repertório, criando um balanço entre a satisfação pelo tradicional e conhecido e o desafio de se ouvir obras mais modernas, que exijam uma percepção mais dedicada por parte dos ouvintes.

Thierry Fischer. Crédito: Marco Borggreve.

Thierry é obcecado pelo som. Suas indicações ao longo dos ensaios são quase sempre sobre como atingir uma sonoridade específica, seja buscando a forma precisa de como os arcos das cordas poderiam ser usados, a embocadura certa para os instrumentos de sopro ou como uma construção sonora pode ter um sentido direto com o discurso da obra em si. Fischer aponta também que uma orquestra como a Osesp tem tudo o que precisa e que pensar em um repertório que trabalhe a orquestra não diz respeito ao que lhe falta, mas sim sobre como potencializar o que ela já tem. Daí vem a sua crença nos ciclos de obras de um mesmo compositor.

Ao longo da nova temporada, a orquestra completará o ciclo dos concertos para piano de Beethoven, iniciado em 2024, juntamente com o pianista Tom Borrow, além de iniciar o Ciclo Tchaikovsky, no qual tocará a integral de suas sinfonias, parte de seus balés e o Concerto para Piano nº 1, com Simon Trpceski como solista. Também será iniciado um projeto de gravação dos concertos para piano de Villa-Lobos com a pianista brasileira Sonia Rubinsky, começando pelo nº 5 — um projeto a se somar às gravações já existentes das sinfonias, Bachianas, Choros, o poema sinfônico Floresta do Amazonas, os concertos para violoncelo, violão e harmônica. Sem falar na continuação da gravação das sinfonias de Mahler. Projetos como esses, em que tanto a orquestra quanto o público conseguem se dedicar durante um longo período à obra de um certo compositor, ajudam a contextualizar e trazer uma nova forma de ouvir as obras. As três primeiras sinfonias de Tchaikovsky são um exemplo disso, já que raramente são executadas. Em conjunto com as três que se seguem, formam um panorama contundente da linha evolutiva da escrita do compositor.

Villa-Lobos regendo o “Concerto Nº 5 para Piano e Orquestra” com Felicja Blumental ao piano e a Orquestra Sinfônica de Viena, na Grosse Musikvereinssaal — Muse Villa-Lobos | Autor desconhecido.

Mais um pilar importante da nova temporada será a série Um certo olhar: França. Uma boa oportunidade para a orquestra demonstrar sua capacidade de realizar diferentes matizes sonoras. A música francesa é, por si só, a mais perfumada das músicas de concerto, com orquestrações que buscam texturas diferentes e atmosferas mais etéreas. Poderemos ouvir obras consagradas do repertório francês, como a Symphonie fantastique (Sinfonia Fantástica) de Hector Berlioz, o Requiem de Gabriel Fauré e La Valse de Ravel, além de obras menos conhecidas, como a cantada La damoiselle élue (A donzela bem-aventurada) de Claude Debussy, Vieille prière bouddhique (Velha oração budista) de Lili Boulanger e a Sinfonia nº 2 de Louise Farrenc. Ao longo do ano, será possível ter uma perspectiva muito rica das diversas frentes de composição da música francesa.

Outro destaque da programação será o ciclo Richard Strauss em foco, com uma seleção de poemas sinfônicos e obras tardias do compositor. Logo na abertura da temporada, compondo o programa juntamente com a Sinfonia nº 5 de Gustav Mahler, teremos as Vier letzte Lieder (Quatro Últimas Canções) de Strauss, um dos grandes testamentos da maturidade do compositor, com solos da soprano sul-africana Masabane Cecilia Rangwanasha. Ainda assim, teremos a chance de ouvir a grandiosa Sinfonia Domestica e o poema sinfônico Don Quixote, que contará com solos do mais novo integrante da orquestra, o violoncelista dinamarquês Kim Bak Dinitzen, e do já veterano Horácio Schaefer, na viola.

Masabane Cecilia Rangwanasha | Crédito: Vera Elma Vacek.

Ao todo, serão mais de 50 artistas convidados ao longo do ano. Em alguns casos teremos a chance de ouvi-los também em recitais solos, como os pianistas Marc-André Hamelin, Simon Trpceski e Bertrand Chamayou, além do violinista Augustin Hadelich. Dos regentes, podemos ressaltar a volta do francês Pierre Bleuse, do japonês Masaaki Suzuki, da mexicana Alondra de la Parra e do russo Vasily Petrenko ao podium da Osesp. Entre os brasileiros, temos a já mencionada Sonia Rubinsky, Cristian Budu e Elisa Fukuda, que tocará o Choro para violino e orquestra, de Camargo Guarnieri, em celebração aos seus 50 anos de carreira.

Não há como passar batido pela programação de algumas obras ao longo da temporada, como a ópera Wozzeck, de Alban Berg, um marco do expressionismo musical e uma das óperas mais importantes do século XX. Ela combina atonalidade, dodecafonismo e formas clássicas, como passacaglia e fuga, para expressar a angústia psicológica dos personagens. Uma obra complexa, que se apresenta como um verdadeiro desafio para uma orquestra acostumada essencialmente com o repertório sinfônico. Some a este repertório a Sinfonia nº 6 — Trágica, de Gustav Mahler, o poema sinfônico Má vlast (Minha pátria), de Bedřich Smetana, e a grandiosa Paixão segundo São João, de J. S. Bach.

Vinte e sete anos após sua reformulação, a Osesp enfrenta o desafio de equilibrar tradição e inovação, buscando maneiras de se modernizar e estabelecer conexões mais amplas com o público. A temporada de 2025 será uma oportunidade para avaliarmos como a orquestra lida com a diversificação de sua audiência e em que medida se adapta às novas formas de consumo cultural, enquanto preserva sua relevância social e artística na América Latina.

  1. Osesp completa 70 anos e aposta em transmissões ao vivo na busca pelo público. ↩︎

Flávio Lago é maestro e pianista atuante no meio musical brasileiro. Além de curador de concertos, é maestro titular da Orquestra de Câmara ALMAI-SP.

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