Super-heróis

Entrevista com André Cáceres, Bruno Andreotti e Nathália Thomaz. Por Marcelo Consentino.
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Imagine guerreiros descendo do céu, combatendo monstros e vilões com poderes sobrenaturais e armas mágicas, salvando comunidades inteiras da destruição. Por inacreditável que pareça, essa foi a realidade para a esmagadora maioria da humanidade, desde a época dos deuses e titãs das aventuras de Hércules, Gilgamesh, Sansão ou Homero, até a dos arcanjos, demônios e cavaleiros da Cristandade. Hoje, tudo isso foi relegado ao universo dos super-heróis, um mundo que pessoas sofisticadas menosprezam como um passatempo vulgar e infantil.

Mas pense bem. Se nossa sociedade industrializada e desencantada já não é movida pela fé ou pela honra, mas pelo dinheiro, esses paladinos atléticos com uniformes colantes, codinomes emblemáticos, máscaras e capas coloridas não estão para brincadeira. Surgidos na Grande Depressão econômica, hoje os super-heróis energizam uma indústria mamute, uma usina de bilhões e bilhões de dólares em filmes, videogames, merchandise, desenhos animados, brinquedos, parques, feiras e, sim, revistas em quadrinhos. Por sinal, um único quadrinho amplificado por artistas como Roy Lichtenstein ou Andy Warhol pode ser objeto de culto e peregrinação em museus. Na sétima arte, os super-heróis já mesmerizaram diretores reputados como Christopher Nolan, e um vilão como o Coringa já consagrou ao menos um filme cult. Considere o valor inestimável (ainda que subestimado) desse universo para os estudiosos do fenômeno humano: sociólogos, psicólogos, filósofos, teólogos até. Suas explosões de cores, testosterona e acrobacias são o primeiro choque das crianças com a criação artística, e o canal que as introduz nos dramas do mundo adulto: os conflitos morais, a perversão do poder, a paixão do mal que vibra em nós através dos vilões que amamos odiar. É um espelho ampliado das esperanças mais espetaculares das massas contemporâneas, e de suas ansiedades mais aterrorizantes: da criminalidade urbana às hecatombes nucleares; da manipulação genética à Super Inteligência Artificial. Com suas aventuras intergalácticas, viagens no tempo, multiversos, ressurreições, civilizações alienígenas, as epopeias dos super-heróis extravasam os sonhos mais fabulosos das ciências.

Fundindo palavras e imagens, literatura e pintura, seus criadores, armados só com tinta, papel e caneta, conseguiram satisfazer as ambições de artistas eruditos, como Richard Wagner, de criar uma “obra de arte total” e uma “mitologia moderna”, a um tempo mais popular e mais arrojada. Talvez os super-heróis sejam não só os maiores depositários da nossa nostalgia pelo combate puro e brutal do bem contra o mal, que muitos apaziguam idealizando heróis do passado – de guerreiros aristocratas, como samurais e cavaleiros medievais, a vingadores solitários, como ninjas e cowboys –, mas também a chave para a humanidade do terceiro milênio, a antecipação visionária de supercorpos servidos por supertecnologias. Quando se olha as promessas comprimidas no universo dos super-heróis, quase se é tentado a parafrasear o Evangelho: se não vos tornardes como crianças, não entrareis no reino do futuro.  

Convidados

André Cáceres: jornalista, crítico, editor e autor dos romances de ficção científica Nebulosa e Esperando o Dono.

Bruno Andreotti: doutor em história pela PUC de São Paulo, editor do site Quadrinheiros e organizador do livro Super-Heróis e Política.

Nathália Thomaz: doutora em literatura juvenil pela USP e editora da Revista Literartes. 

Referências

  • Super-heróis e Política, ed. por Bruno Andreotti.
  • Quadrinhos Através da História – As Eras dos Super-Heróis e Os Dois Lados da Guerra Civil, ed. por Bruno Andreotti, A. Marangoni e M. Zanolini. 
  • Superdeuses: Mutantes, Alienígenas, Vigilantes, Justiceiros Mascarados, e o Significado de Ser Humano na Era dos Super-Heróis, de Grant Morrison.
  • A Guerra dos Gibis, de Gonçalo Jr. 
  • Superheroes!, de L. Maslon e M. Kantor. 
  • “Superheroes. A Never Ending Battle”. Documentário da rede PBS.
  • “Superheroes”. Episódio do podcast The Rest is History.   
  • Superhero: the secret origin of a genre, de Peter Coogan.
  • On the origin of superheroes Superhero comics, de Chris Gavaler.
  • A Brief History of Superheroes, de Brian J. Robb. 
  • Do the Gods Wear Capes?, de Ben Saunders. 
  • Superman on the CouchWhat superheroes really tell us about ourselves and our society, de Danny Fingeroth. 
  • Super-History, de Jeffrey K. Johnson.
  • The Superhero Symbol. Media, Culture & Politics, ed. por L. Burke, I. Gordon e A. Ndalianis. 
  • The American Superhero. Encyclopedia of caped crusaders in history, ed. por R.A. Hall.
  • Our Superheroes, Ourselves, ed. por R.S. Rosenberg.
  • Superheroes. Capes and crusaders in comics and films, de Roz Kaveney. 
  • Marvelous Myths. Marvel superheroes and everyday faith, de Russell W. Dalton.
  • Superheroes v. Supervillains. A-Z., de Sarah Oliver.  

Ilustração: Heróis da Marvel v. DC Comics. (Fonte: Akiracomics.com)

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