por Tiago Pavinatto
O brasileiro médio é um fanático da Operação “Lava Jato” quod erat demonstrandum (no vernáculo, como se pretendia demonstrar).
A expressão latina, usualmente empregada na matemática, insere-se ao final da seguinte equação: um artigo criticando a “Lava Jato” e seus “players” (mais especificamente o Procurador Geral da República belo-horizontino, o Procurador Federal pato-branquense, o Juiz Federal maringaense e o Ministro rondinhense) equivale a uma enxurrada de xingamentos e, até mesmo, ameaças.
Nem mesmo o humor pode perpassar sobre a Operação… dentes e unhas de brasileiros sentinelas da donzelice nacional resguardada em flor pelo cinto da “Lava Jato” avançarão, sem piedade, sobre o pescoço do incauto chistoso.
Não poderia ser diferente.
Amós Oz, talvez o mais importante autor israelense há décadas, alerta-nos para o fato de que “fanáticos não têm senso de humor, e raramente são curiosos. Porque o humor corrói as bases do fanatismo, e a curiosidade agride o fanatismo ao trazer à baila o risco da aventura, questionando, e às vezes até descobrindo que suas próprias respostas estão erradas” (Como curar um fanático, Companhia das Letras, 2016, p. 13). Eis a prova do fanatismo pela “Lava Jato” quando não se suporta qualquer menção jocosa acerca de sua condução (da mesma forma que um islâmico frente a uma charge do Profeta) ou existe recusa da leitura completa de um texto que a confronte.
Eis também a “Síndrome de Buttermelcher” (a síndrome da “estupidez de um povo inteiro” identificada pelo filósofo Eric Voegelin no povo alemão hitlerista em seu Hitler and the Germans) que pode muito bem ser aplicada no Brasil lava-jatista e convive, voltando ao escritor hierosolimita, com a síndrome de nossa época, qual seja, a luta universal entre todos os tipos de fanáticos, aqueles que creem que seus fins justificam todos os meios, e o resto de nós que, apesar da sempre crescente complexidade das questões, não nos deixamos enganar por respostas simples (p. 26-27).
Fanáticos os espectadores, fanáticos os seus atores. Outra não pode ser a conclusão quando a dedicação (modus operandi do idealista) à Operação se revela, em realidade, obsessão (maneira de agir do fanático) por seus fins. Só para o fanático, e não para o idealista, o fim justifica todos os meios. O idealista não aceita, como aquiesce o fanático, pôr em xeque a liberdade de imprensa através da quebra do direito constitucional de sigilo da fonte, não aceita restringir o trabalho do advogado de defesa (e não espantaria que, qualquer momento, revele-se que todos os advogados tiveram interceptadas suas conversas com seus respectivos clientes), que prisões preventivas sejam túneis sem sinal de luz e nem que, como aceita Rodrigo Janot, qualquer medida seja bem-vinda frente à percepção “de que o sistema de justiça criminal jamais chegaria a todos esses fatos” caso fossem respeitadas, vejam só, a Constituição e as leis.
Esse fanatismo maciço identificado quando se fala em “Lava Jato” preocupa bastante.
Não foi preciso fanatismo, mas mera confiança na figura ungida por Lula, para que se permitisse um dos maiores golpes contra a Economia brasileira: a Nova Matriz Econômica (que de “nova” nada tinha, dadas suas cinco bases velhas e já fracassadas: política fiscal expansionista, juros baixos, crédito barato impulsionado por bancos estatais, câmbio desvalorizado e aumento das tarifas de importação). De início, despontaram instantâneas e muito significativas benesses; ao final, todos sabemos da incomensurável desgraça, sob qualquer prisma, que se abateu sobre o Brasil.
É forçoso, portanto, concluir que, tendo à frente os cavaleiros da “Lava Jato” impulsionados pelo fanatismo deles próprios e de sua patuleia, está em curso a implantação da “Nova Matriz Jurídica”, que, tal qual a populista e daninha Nova Matriz Econômica de Dilma e Mantega, pode até trazer benesses instantâneas, mas serão efêmeras, pois, como qualquer medida de exceção, certamente resultará em irreparáveis danos sociais e econômicos.
E que não se confunda a “Nova Matriz Jurídica”, aplaudida e esperada pelos lava-jatistas como esperadas são as 72 virgens pelos que morrem em nome de Alá, com neoconstitucionalismo ou pós-positivismo, posto que nem a centralidade constitucional e nem a de princípios gerais são por ela perseguidos, podendo até mesmo, dependendo do fim almejado, ser descartados – há que se ressaltar, contudo, que ela pode se aproximar do pós-positivismo quando clama pela moral, mas essa utilização é ocasional, oportunista; sem contar o fato de que essa “nova matriz” não goza de qualquer senso de ambivalência e empatia, chegando, inclusive, a conferir poderes a entes estatais ilegítimos, quase que permitindo a autotutela.
A “Nova Matriz Jurídica”, assentada na moral fanática, é ruinosa para todo o ordenamento; é “dangerosíssima” especialmente para o direito penal, campo no qual, de um lado, a incorporação da moral trouxe, no passado, consequências desastrosas como, por exemplo, os crimes de heresia, fazendo incontáveis vítimas em nome de um bem maior, e, de outro, a dispensa de princípios – sendo o mais importante deles o da lei prévia, escrita, estrita e certa – dá espaço às mais abjetas formas de despotismo.
Como podemos observar, tal qual no caso da Nova Matriz Econômica, a “Nova Matriz Jurídica” de nova nada tem além do vocábulo inserido na expressão que a denomina. Seus resultados podem ser a admissão de uma, digamos, “tortura elucidativa”, a abertura de espaço para plebiscitos e referendos como os realizados sob a batuta de Hitler numa famélica Alemanha pós Grande Guerra, bem como as já conhecidas e, há séculos, condenadas experiências do espetáculo punitivo, do abominável teatro do suplício, como no caso de Damiens, condenado a pedir perdão, publicamente e em frente à principal Igreja de Paris, carregando uma tocha de cera acesa e nu dentro de uma carroça da qual seria transferido a um palanque a céu aberto para, apertados os mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, ter queimada com fogo de enxofre a sua mão direita, que deveria segurar a faca com a qual teria cometido parricídio, bem como aspergidos chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos, conjuntamente, nas áreas apertadas para, ao final, ser puxado e desmembrado por quatro cavalos e ter seus membros e corpo consumidos pelo fogo. Reduzido a cinzas, foram lançadas ao vento (caso do ano de 1757 descrito por Pellegrino Rossi em seu Tratado de Direito Penal de 1829 e citado por Michael Foucault na abertura de Surveiller et punir). E o povo? O povo foi ao delírio!
Ora, direis, exageramos e, certo, carregamos na caricatura. Mas vos diremos, no entanto, que o vale-tudo da “Nova Matriz Jurídica” não é igual ao vale-tudo safado de Tim Maia… se é pra valer tudo, “tudo” fala por si.