por Marize Schons
A arquitetura moderna, ao desafiar a arquitetura tradicional, produziu um novo paradigma na forma de construir e no urbanismo. A partir dos “cinco pontos de Le Corbusier – arquiteto franco-suíço – se estabeleceu a coluna vertebral de todo o movimento: o terraço jardim, os pilotis, as fachadas e plantas livres e janelas em fita que tomam toda a extensão do edifício.
No urbanismo, a Carta de Atenas, documento que estabeleceu os princípios modernistas para as cidades, orientou a construção de Brasília – considerado, hoje, patrimônio da humanidade. Quadras grandiosas, amplas avenidas para a circulação de carros, setorização da cidade a partir de uma lógica funcional. Estava estabelecido uma nova forma de viver no espaço público nas cidades.
Os fundamentos modernistas criaram uma nova estética de superfícies lisas, que abriria mão dos ornamentos do historicismo – estilo arquitetônico tradicional até o século XIX. A forma de habitar, também, nunca mais seria a mesma. O modernismo mudou a vida privada, tendo em vista que construções vernaculares – isto é, aquelas que abrem mão do arquiteto – passariam a produzir residências mais amplas, menos compartimentadas e priorizando a valorização da luz natural, tudo isso, sem nem mesmo conhecer a teoria de Le Corbusier.
Ao investir na amplitude dos espaços, a planta livre buscou criar novas áreas de convivência. E as casas passam ser uma “máquina de morar” ao priorizar a funcionalidade e ser possível a reprodução em escala das construções e objetos.
A lógica da era industrial – que se desenvolveu entre o fim do século XVIII e século XIX – incorporou o modo de produção em escala na criação. Para isso, a Bauhaus – escola de arquitetura e design criada na Alemanha no começo do século XX – explorou a estética onde o “menos é mais”.
Tendo em vista que a simplicidade proporciona um ganho de produtividade e eficiência, móveis e utensílios domésticos se tornavam cada vez mais acessíveis para o público geral.
“Nada pode ser bonito se não for prático”, disse Otto Wagner, um dos maiores arquitetos austríacos do final do século XIX. A estética limpa vai além de uma nova proposta que se refere a forma; traduz um posicionamento político: o desperdício passa a se torna imoral. Dessa forma, os fundamentos da arquitetura moderna são como um manifesto que conduziu transformações estruturais que não estão restritas a arquitetura.
Uma das críticas mais fervorosas em relação ao desperdício do ornamento foi produzida por Adolf Loos – aluno de Otto Wagner e que trabalhou com nomes como Louis Sullivan da Escola de Chicago. Loos escreveu o manifesto que traduziria o olhar funcional do século XX: Ornamento e crime. Nesta frase não só está inscrita a inovadora estética limpa que abandona os detalhes do historicismo tradicional em Viena, mas um pressuposto de que tudo aquilo que não tem funcionalidade, todo o aparato sem utilidade tem, ao mesmo tempo, um custo desnecessário.
Essa nova visão de mundo que emerge nas últimas décadas do século XIX – estimulada pelo sentimento de “fim de século” ou, ainda, “começo de um novo século” que estava por vir – estabeleceu um valor que parece tão primário para nós, contemporâneos: é preciso ter em mente uma lógica de “custo e benefício” ao construir e, de maneira mais ampla: em todo o processo de tomada de decisão.
Essa transformação estética coerente a uma nova visão de mundo trouxe um questionamento tangencial: como o dinheiro público deve ser gasto? Esse novo constrangimento defendido pelos proto-modernistas – ao considerar o ornamento um desperdício – impôs uma nova moralidade em torno da administração do dinheiro público.
Os pensadores que compuseram o proto-modernismo conviviam com o tradicionalismo das reverências dinásticas, aristocráticas, dos rituais inquestionáveis, repetidos simplesmente pelo costume de sempre terem sido feitos daquela maneira, sem nunca levar em consideração os recursos que eram necessários.
Por sua vez, o olhar pragmático de Loos estava comprometido com o bom desempenho da produção e do trabalho. Também com a crença que a evolução de uma sociedade poderia ser traduzida esteticamente. Portanto, o “enfeite” era uma degeneração para o homem moderno.
O manifesto de Loos era contra todo o tradicionalismo: desde as tradições tribais de tatuar o corpo em Papua Nova Guiné, até os rituais aristocráticos e pomposos da corte européia. Por um lado, seu pensamento reflete a convicção característica da época: uma suposta superioridade europeia diante culturas tribais. Por outro lado, a mesma crítica, desenha um conflito interno entre progressistas – ansiosos pelo novo século – e conservadores – apegados às tradições do passado aristocrático.
Todavia, todas as perspectivas apontam que o manifesto, por sua vez, corresponde a crença – de certa forma ingênua da arquitetura modernista – tanto no progresso linear quando no controle social.
Apesar do Modernismo em outros campos – literatura, arte, filosofia – reagir criticamente aos fundamentos ultra racionais do positivismo; a arquitetura parece investir exatamente nesses valores que estavam sendo superados em outros campos.
Contudo, mesmo com as diferenças irreconciliáveis entre o Modernismo – como um conceito que nomeia as transformações intelectuais abrangentes – e do Modernismo na Arquitetura – que se refere às transformações tratadas até aqui – é inegável coincidência histórica: ambos estavam dispostos a romper politicamente com o passado:
“Pois bem, a praga do ornamento na Áustria é reconhecida pelo Estado e é subsidiada com dinheiros públicos, mas eu vejo isso como um retrocesso. Não aceito a argumentação de que o ornamento aumenta a alegria de viver das pessoas cultas e não aceito o argumento que se esconde nas seguintes palavras: “Mas se o ornamento é bonito!”. Nem a mim, nem a todas as pessoas que, como eu, são cultas, poderá o ornamento aumentar a alegria de viver. (…) O homem do século XV não me compreenderá, mas todas as pessoas modernas me compreenderão. O defensor do ornamento acredita que a minha ânsia pela simplicidade equivale a uma flagelação. Não, caro Senhor Professor da Escola de Artes, eu não me estou a autoflagelar. É mesmo assim que eu gosto. O prejuízo e a destruição incalculáveis que o surgimento do ornamento provocam no avanço estético poderia ser facilmente suportado, pois não há ninguém, nem mesmo o poder estatal, que possa impedir a evolução da humanidade – apenas poderá atrasá-la! Nós esperamos. Mas não deixa de ser um crime que devido a isso se arruíne, do ponto de vista econômico, o trabalho humano, o dinheiro e o material. O tempo não poderá reparar este prejuízo” (trecho do manifesto O ornamento e crime, escrito por Adolf Loos em 1910 e publicado em 1913).
Não é possível dizer que desde a publicação do manifesto em 1913 o uso irresponsável por dinheiro público passou a ser imoral. Mas é possível considerar que nas palavras de Adolf Loos encontramos um dos documentos mais importantes para compreendermos as origens do pensamento moderno.
Ao considerarmos que esse manifesto é inovador ao questionar a ostentação com o dinheiro público, a crítica pode ser considerada uma das origens de uma coisa espécie de noção de responsabilidade fiscal e viabilidade econômica do Estado.
Adolf Loos entendia que a construção poderia ter melhor ou pior resultado. Porém, insistir no pior desempenho, desperdiçando recursos materiais e tempo com ornamentos disfuncionais deveria ser considerado uma degeneração. Apesar da sua arquitetura propriamente dita estar limitada a Viena, suas ideias influenciaram desde Le Corbusier ao gestor público. E é esse fato que torna este arquiteto austríaco um dos mais influentes pensadores no mundo.