As utopias e o kitsch

Conseguiremos escapar ao inferno do 'kitsch' que parece acompanhar os delírios utópicos de toda sorte? Ensaio de André Chermont de Lima.

por André Chermont de Lima

“Não és ainda homem, tu, para deter o Diabo!
Rodeai-o com sutis visões de sonho,
Banhai-o em mar de ideal falaz, risonho”
Mefistófeles no Fausto, Parte I (J.W. von Goethe)

Discutir utopias e distopias volta e meia entra na moda. Com a ajuda da literatura e sobretudo do cinema e televisão, a adjetivação do substantivo “futuro” como utópico ou distópico é hoje quase um clichê. Enquanto filmes e livros de ficção científica projetam o imaginário comum nos amanhãs apocalípticos (embora haja exceções), pessoas de bem desafiam nossos medos com a apresentação de lindas fantasias utópicas. Numa rede social, o filósofo fala na esperança do “melhor que ainda pode vir” contraposta ao medo da “possibilidade do pior”; noutro canal, um padre discursa sobre a utopia cristã como se fosse uma paisagem física, espécie de mistura de Éden com Paraíso, um jardim decorado com flores e pássaros e povoado de almas salvas. Yuval Noah Harari, o autor de best sellers científicos, escreve sobre um mundo no qual nossas decisões são orientadas por algoritmos e, ainda mais grave, as decisões sobre nós determinadas por eles. Algum eterno adolescente cinquentão pergunta: o mundo vai virar cenário de “Star Trek” ou de “Blade Runner”? Em todo o espectro de nossa realidade, dos pés-sujos de Copacabana às universidades, das letras de samba a blockbusters,intelectuais, religiosos, militantes políticos e artistas discorrem sobre seus sonhos como se a utopia se tratasse exatamente disso: um sonho.

A multiplicação de foros de discussão sobre a utopia poderia ser vista como algo saudável, reflexo da liberdade de pensamento, do poder da imaginação, da resistência do homem comum ao conformismo e da riqueza de opções e caminhos a que nos propomos como filhos de sociedades livres. Saudável, se não estivéssemos lidando com um conceito perigoso.

Está justamente na nossa capacidade quase ilimitada de criar mundos ideais a contradição que desvela a natureza distópica da utopia. Thomas More, que cunhou o termo (“não-lugar”), inspirou-se na República de Platão; ambos inspiraram as gerações de utopistas que, via tributários importantes como Rousseau e os Socialistas Utópicos, desembocaram no Manifesto Comunista e, gerações depois, nas muitas versões de admiráveis mundos novos que a literatura e a política acumularam. Longe de pretender uma história da utopia e de seus criadores, o que interessa é sublinhar o que me parece já ter ficado claro: a história da utopia é tarefa impossível, porque existem tantas delas quanto existem utopistas e, a partir de uma lógica meio taoísta de dualidade, uma distopia para cada uma. Se os modelos são vários, o objetivo, ao contrário, é um só: a aspiração por um mundo perfeito. E como só pode existir um mundo perfeito, cabe a cada versão que se pretende definitiva chutar as demais para escanteio. No prefácio à coletânea de ensaios The Danger of Music, o crítico e musicólogo Richard Taruskin alerta: “utopianismo, ao que parece, sempre envolveu uma contagem de corpos”; ou, na melhor das hipóteses, “o sonho da perfeição, mais tentador que qualquer realidade, conduz a um estéril esnobismo sociopolítico” [1].

O autoritarismo inerente às utopias explica, assim, sua manipulação pelas ditaduras, em especial as de categoria totalitária – mas não precisamos ir tão longe. Lembremo-nos de que a utopia renasceu com o humanismo, depois de séculos de civilização medieval que não via necessidade de substitutos terrenos ao Paraíso. More era simpático a várias ideias igualitárias – incluindo o divórcio e a inexistência da moeda – mas sua ilha proibia, por exemplo, o ateísmo e a reincidência no adultério, punida com a morte. Na Cidade do Sol de Tommaso Campanella (publicada em 1623), não havia pessoas de má aparência, o que pressupunha alguma forma de eugenia para se alcançar essa antevisão barroca do mundo Victoria’s Secret. Essas e outras imperfeições dentro das diferentes versões do perfeito parecem-nos ainda hoje perdoáveis e inofensivas só porque nunca se transformaram numa causa. Eis um dos problemas das utopias: elas se tornam problemáticas quando deixam de ser sonhadas e passam a ser almejadas.

Aquém das ditaduras, a própria lógica do sistema político – incluindo as mais imaculadas democracias – impele seus atores à tentação de extrapolar as ideias do progresso, da justiça, do bem-estar e de outras formas de aperfeiçoamento social, dentro do possível e do realizável, em direção a alternativas de ranço utópico. A iniciativa do telejornalismo da Rede Globo chamada “O Brasil que eu quero”, em que o espectador é convidado a gravar seu vídeo no celular e compartilhá-lo com a audiência durante a programação aberta, resvala na infertilidade e no inócuo, a ponto de as contribuições não se distinguirem, na forma e na essência, de qualquer propaganda política veiculada na televisão. De repente, o cidadão comum, que exorta o ente difuso das “autoridades” a providenciarem educação, saúde, paz e solidariedade, iguala-se ao candidato que periodicamente, durante as campanhas eleitorais, aceita o fardo de personalizar tal entidade. Essa mutação do possível no irrealizável é, claro, ato de suprema superficialidade e irresponsabilidade – dois ingredientes importantes de tudo o que é kitsch.

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Em seu romance A Insustentável Leveza do Ser[2], ambientado em grande parte nos anos pós-Primavera de Praga, Milan Kundera descreve o ódio de Sabina, uma das quatro personagens principais do livro, ao kitsch. Na esfera privada, Sabina gosta de Tomas, outro do quarteto de personagens, porque ele sabe separar como ninguém a “amizade erótica” da “agressividade do amor” – um amante que diferencia as duas coisas, e vive de acordo, representa o contrário do kitsch. Na esfera pública (a que nos interessa), Sabina é obrigada a conviver, quando jovem, com a realidade inescapável do comunismo na Boêmia (o autor não usa a palavra Tchecoslováquia, como se esse país nunca tivesse existido): a música alegre e ensurdecedora dos auto-falantes enquanto trabalha em mutirões coletivos com outros estudantes (o “barulho disfarçado sob a máscara da música”); as paradas de Primeiro de Maio, onde observa como as pessoas calibram seus sorrisos, sobretudo quando marcham em frente à tribuna das autoridades, e exibem suas felicidades fake; as garotas vestidas com roupas coloridas, bandas de música, janelas enfeitadas, tudo organizado em torno duma encenação coletiva da beleza e da felicidade, sob os gritos de “viva a vida” – “a força e a astúcia da política comunista”, escreve Kundera, “foi ter se apossado dessa palavra de ordem. Era precisamente essa estúpida tautologia (‘viva a vida!’) que levava ao desfile comunista pessoas completamente indiferentes às ideias comunistas”. Sabina, conclui o leitor, não se opõe ao regime por princípio ou ideologia: ela vê o kitsch como seu pior inimigo e, apenas por analogia, despreza o regime. Ela foge de seu país natal mas, como mostra o romance a partir daí, segue fugindo do horror do kitsch até o dia em que pedirá para ser cremada e suas cinzas espalhadas, pois quer “morrer sob o signo da leveza”.

A personagem Sabina testemunha outros momentos supremos do kitsch ao longo do livro, por exemplo quando vê um político norte-americano comovido diante de crianças correndo num gramado, ou quando o seu novo amante (um professor suíço) faz apologia de revoluções em nome de sentimentos difusos de heroísmo e necessidade de transformação. Por isso Kundera faz uma distinção teórica entre o kitsch e o kitsch totalitário. O demagogo que corre para beijar o bebê no comício obedece a esse “ideal estético de todos os homens políticos, de todos os partidos e movimentos políticos”. É possível, no entanto, fugir a qualquer tempo desse reino do kitsch em circunstâncias em que a liberdade individual permite aos homens rebater, pensar diferente, revoltar-se ou simplesmente refugiar-se numa dimensão íntima (exterior ou interior) onde não terá de dar satisfação a quem quer que seja. O kitsch totalitário, por outro lado, abraça tudo e todos com seus tentáculos felizes e de cores berrantes, sem conhecer oposição, atirando na vala comum do gulag tudo aquilo que o ameaça: o individualismo, o ceticismo, a ironia e qualquer outra modalidade de não-conformismo.

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A esta altura pode vir a pergunta: o que estamos discutindo, afinal? O que é autoritário: o kitsch, a utopia ou o comunismo? Ou os três? Vimos que a utopia é autoritária e que o comunismo flerta com o kitsch. Seria a utopia também kitsch? Aonde queremos chegar com essa manipulação algo solta de conceitos que se resvalam mas não necessariamente se confundem?

De modo geral, os autoritarismos mantêm estreita relação de dependência com a utopia. É preciso tomar cuidado e evitar o termo “interdependência”, já que as utopias assistem, soberanas, às mazelas mundanas do alto das montanhas ou das ilhas onde são instaladas por seus criadores.[3]Essa simbiose, porém, é muitas vezes difícil de ser sistematizada e compreendida, justamente por causa do velho problema da multiplicação dos modelos: os espécimes preconcebidos (Xangrilá, a Cidade do Sol, a República, a ilha de More, as comunidades menonitas etc.) costumam ser relegados às esferas da literatura e religião, ao passo que os movimentos políticos se ocupam da tarefa da construção permanente e inacabada de suas utopias. Jacques Barzun, o historiador franco-americano que em 2000, aos 93 anos de idade, completou uma respeitabilíssima e imensa história da cultura, reconhece a parcial viabilidade das utopias sob a forma dos Estados de bem-estar social (“eutopias em miniatura”, diz, usando o termo “bom lugar” em substituição ao “não-lugar”), bem como avanços pontuais nas áreas da educação, justiça, ciência etc.[4]O problema é que a conquista de fragmentos de utopias não leva a lugar nenhum, já que, por serem fragmentários, são insuficientes – de que valem o progresso da medicina e o desenvolvimento de energias alternativas se milhões de pessoas nos países pobres jamais terão acesso aos benefícios trazidos por eles? Quando vemos tais utopias-pela-metade atacadas pelos defensores de alternativas, como liberais e populistas, revezando-se na frente de combate ao modelo do welfare state, e nos lembramos, ao mesmo tempo, das últimas linhas do Manifesto Comunista – “os objetivos [dos comunistas] só serão alcançados pela derrubada violenta de toda a ordem social existente” (grifo meu), seria possível concluir que toda utopia que se preza deve ser um corpo único e indivisível. Não quero dizer com isso que o projeto utópico precise ser desenhado em 150 páginas de detalhes: ele pode ser vago, e talvez deva ser idealmente assim. Nas palavras de Olavo de Carvalho, a utopia da esquerda é uma “promessa autoadiável”. O sonho socialista não deixa, no entanto, de ser um pacote fechado, com suficiente peso para impedir Hugo Chávez de dormir enquanto não o implementasse, como muitas vezes declarou em seus discursos. Eis um dos paradoxos da utopia: ela se apresenta sob a forma de uma promessa pela qual vale a pena lutar até a destruição “de tudo isso que está aí”. O conteúdo dessa promessa não significa tanto.

Embora incompletas, as utopias dos socialistas não são de difícil idealização: seus fundamentos estão nos manifestos e discursos; seus caminhos traçados nos Planos Quinquenais e nos esforços permanentes de reescrever a história; e suas preliminares expostas nos desfiles de Primeiro de Maio. Por “preliminares” entendo todo tipo de encenação capaz de antecipar, por via da alegoria, o fim de linha utópico – a ditadura do proletariado, no caso extremo do comunismo, ou a série de variantes mais ou menos próximas dela cujo fio condutor é o binômio igualdade-fraternidade (esqueçamos a liberdade, embora ela costume aparecer, aqui e ali, para reforçar as boas intenções dos projetos igualitários).

Eis que surge a indagação: a utopia pode ser autoritária e perversa, mas não devemos nos preocupar com isso, já que ela é inalcançável, uma quimera… e todos têm o direito de sonhar. Não nos enganemos: ainda que se lide com formas brandas, democráticas de socialismo, ainda que não estejamos tratando de projetos revolucionários de tomada do poder político, ainda que falemos aqui de aspirações pouco factíveis de partidos de esquerda, movimentos sociais ou devaneios de intelectuais, a natureza autoritária do que se persegue, tal qual o escorpião da fábula, acaba por contaminar seus porta-vozes e arquitetos. Quem, afinal, é capaz de cometer a torpeza de refutar a igualdade entre gêneros e raças, a eliminação das classes sociais, a defesa das minorias, a prevalência da vontade popular sobre a vontade dos governantes, a agenda politicamente correta, um mundo sem parlamentares ou advogados?

O caso dos regimes no outro lado do espectro político é, ao mesmo tempo, mais simples e mais complexo. A direita não costuma trabalhar muito bem com utopias e, quando o faz, no caso dos regimes fascistas, recorre a modelos retrógrados, em geral como reação e contraposição a estados de coisas insatisfatórios – o exemplo mais evidente é o da Itália, que resgatava, não sem um boa dose de ridículo, a Roma imperial mas se preocupava muito mais em firmar uma clássica ditadura de partido único e manter seus súditos obedientes à base da propaganda nacionalista e do cassetete.[5]Espanha e Portugal nem a isso aspiraram, não tanto por falta de modelos à altura, mas talvez por pura inércia, falta de recursos ou prioridade à simples manutenção da ordem. Os governos autoritários da América Latina, desde aqueles inspirados no fascismo nos anos 30 e 40 até os regimes militares mais recentes, tampouco se deram ao trabalho de elaborar utopias. A exceção, claro, foi o nazismo. Documentários como A Arquitetura da Destruição, de Peter Cohen, e livros como Hitler and the Power of Aesthetics, de Frederic Spotts, mostram como a utopia na Alemanha hitlerista era um projeto eminentemente, ou em boa dose, estético. A utopia nazista é um mundo de Beleza, e a Beleza se conquista pela violência, sacrifício e purificação – racial, sobretudo. Aqui, duas visões utópicas lutam por espaço: a do mundo “imaculado”, purificado dos germes, futuro mas impregnado de passado (Hitler comungava com o fascismo italiano o amor pelas civilizações clássicas), e a do flerte com o apocalipse. Jung arrisca que a beleza inerente à destruição resultaria duma imperfeita repressão, pela mentalidade cristã, do inconsciente teutônico, o arquétipo onde habitam as “profundezas insondáveis do caráter de Wotan [o supremo deus nórdico]”[6], e que veio à tona em 1945 tal qual o Ragnorok, o momento da aniquilação mitológica dos deuses pelas forças da escuridão. Uma das faces da utopia nazista é seu reverso distópico.

O antropólogo Flávio Gordon resume assim o pensamento do historiador contemporâneo Alain Besançon sobre as diferenças entre o comunismo e o nazismo (em Le Malheur du Siècle): “este último investiu na estética como fundamento da nova ordem mundial pretendida. (…) tratava-se de ‘embelezar’ ou ‘purificar’ a sociedade e a cultura. Já o projeto comunista (…) consistiu numa corrupção da ética. A vitória comunista é entendida pela militância como um triunfo do bem mais que do belo. O nazista se via como artista; o comunista, como virtuoso.”[7]

Essa tese é em parte discutível, porque o comunismo se aproxima muito mais do nazismo na medida de seu conteúdo estético do que o materialismo histórico nos faz crer. Em entrevista recente à Folha de S. Paulo, o crítico de literatura Ievgueni Dobrenko afirma que a estética do realismo socialista construiu os símbolos e, portanto, toda a identidade do regime soviético nas suas primeiras décadas – e não o contrário, como poderia nos ensinar o bom senso. Diz ele: “Se, do quadro do ‘socialismo’, você tentar subtrair mentalmente o realismo socialista —romances sobre o entusiasmo na produção, poemas sobre a alegria do trabalho, filmes sobre a vida feliz, peças e quadros sobre a riqueza do país dos sovietes etc.—, não vai lhe sobrar nada que possa ser chamado propriamente de socialismo. Vão sobrar dias cinzentos, o trabalho rotineiro cotidiano, o modo de vida desorganizado e pesado. (…) Para que as pessoas achassem que era socialismo, fez-se necessário o realismo socialista.”[8]

O comunismo e o socialismo são, portanto, tão dependentes da estética quanto o nazismo. E a estética totalitária que constitui instrumento de legitimidade, às vezes do próprio funcionamento, desses regimes não passa de desdobramento das utopias escolhidas ou criadas por suas lideranças. Talvez seja impossível responder à pergunta, proposta no início desta seção, sobre a relação entre a utopia e o kitsch. Mais adiante tentaremos, pelo menos, sugerir alguns cenários que ajudem a construir uma opinião.

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As definições do kitsch nos dicionários e manuais não diferem essencialmente entre si. Os pontos em comum são a “baixa qualidade”, “apelação ao gosto popular”, “sentimentalismo” e “sensacionalismo”, “imediatismo”, “fingimento”, “estereótipo”, “chavão” e “literalismo”[9]. Antonio Houaiss delimita o raio de aplicação do kitsch a “objeto ou manifestação de teor artístico ou estético”, ou a “estilo ou tendência estética”, e Aurélio Buarque de Holanda ao “artístico, literário etc.”, o que nos ajudaria, pelo menos em parte, a diferi-lo de seus primos em nosso vernáculo, o “cafona”, o “brega” e o “piegas”. As variantes nacionais parecem ter escopo mais amplo, referindo-se a um universo de coisas baratas e de pouca qualidade, ou de pessoas “vulgares” e sem sofisticação, com uma dose de anacronismo e desgaste. Fora do mundo dos dicionários, livros e ensaios tratam o kitsch como uma realidade onipresente, a abranger tanto museus quanto velórios e festas de Natal. Restrinjamo-nos ao termo kitsch portanto, embora não haja o que opor à qualificação de certas realidades aqui descritas como cafonas ou bregas[10].

Uma tentativa de sistematizar, sem qualquer pretensão de originalidade, os elementos constitutivos do kitsch poderia reunir (1) a imitação; (2) o exagero; e (3) a descontextualização[11]. Em um ensaio dos anos 90, o filósofo Roger Scruton menciona um quarto elemento, o da cumplicidade: como uma espécie de parasita, o kitsch não cresce sozinho, precisa dum hospedeiro, depende da simpatia ou da cooptação do consumidor, do espectador, do participante, enfim, de nós. “O oposto do kitsch não é sofisticação, mas inocência. A arte kitsch finge expressar alguma coisa e você, aceitando-a, finge senti-la”, dispara Scruton[12]. Talvez o asco de Sabina às paradas de Primeiro de Maio decorra dessa necessidade inerente a tudo o que é kitschde buscar sua massa de adeptos, por meio do barulho insistente e ensurdecedor, das flores falsas e do magneto da utopia, com suas promessas tão grandiloquentes quanto falsas. O kitsch utópico esgarça a realidade até ela se tornar um simulacro irreconhecível; depois a transpõe para todos os aspectos da vida, como um intruso permanente, entrando nos museus e na internet, nas cerimônias de casamento e em nossa vida amorosa, na política e naqueles mesmos bares de Copacabana onde se discutem as distopias.

Selecionei, para finalizar, três episódios que homenageiam as utopias e suas versões kitsch. Eles nascem do grotesco, transitam pela comédia e voltam ao grotesco, só que agora impregnados da leveza imbecilizada típica da conversão aos modelos perfeitos.

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I.

Serguei Prokofiev mudou-se definitivamente para Moscou em 1936, após 18 anos de exílio voluntário. Fossem quais fossem suas razões para voltar, o compositor não poderia ter escolhido pior momento: a União Soviética vivia o início da fase mais cruel do terror stalinista e a classe artística alvo preferencial dos assassinatos, expurgos e humilhações. Em 1939, Prokofiev completava sua primeira ópera de motivo realista-socialista, “Semion Kotko”, quando o libretista Vsevolod Meyerhold foi preso pela NKVD (a antecessora da KGB) e, meses depois, fuzilado. A estreia teve de ser adiada. Apesar desse acontecimento e de Prokofiev, nos seus poucos anos de vida soviética, já ter colecionado admoestações nada agradáveis de críticos chapa-branca e comissários do povo, o músico foi “honrado” com o convite para escrever um hino em comemoração ao 60º aniversário de Stalin, a ser celebrado em dezembro daquele ano.

A obra foi composta e batizada de “Zdrávitza” (algo como “à sua saúde” em russo). Ao contrário de outras criações propagantísticas de Prokofiev – a crítica tratou “Semion Kotko” com frieza no ano seguinte e sua anterior “Cantata para o 20º Aniversário da Revolução” nem chegou a ser estreada, por desaprovação das autoridades, aparentemente irritadas com a liberdade de iniciativa do compositor –, a apresentação foi um sucesso e satisfez o homenageado. E, ao contrário de muitas criações propagantísticas deste e de outros compositores (Shostakovitch vem à mente nestes momentos), “Zdrávitza” é música de qualidade. Para qualquer não-russo, é possível escutá-la com prazer inocente, dada a ininteligibilidade do idioma e a perda de contexto. Só que as virtudes musicais da peça combinam mais com o espírito da letra do que nossos espíritos morais gostariam de aceitar. Prokofiev bem que poderia, mas não escreveu nada nas entrelinhas, não passou críticas veladas ou sinais cifrados (como ele e Shostakovitch faziam em profusão), optou por não fazer música meramente burocrática ou apelativa, mas compôs música boa que combinasse com o mundo bom prometido pelo argumento. “Zdrávitza” me parece um produto do poder de atração do kitsch utópico, capaz de desafiar e vencer o nojo, o pavor e a reverência emanados do homem mais temido do universo[13].

Reproduzo duas estrofes, a segunda e a última:

Canto, embalando meu filho
Nos braços: ‘tu crescerás,
Como o caule do trigo,
Entre as flores azuis do milho.
Stálin será a primeira palavra
A sair dos teus lábios.
Tu conhecerás
A fonte dessa forte luz.
Desenharás no caderninho
A figura de Stálin.

Tu, ó Stálin, enfrentaste tanta coisa,
E pelo povo sofreste tanto.
Quando protestávamos o tzar nos esmagava,
E enviuvava nossas mulheres.
Abriste um novo caminho para nós.
Seguindo atrás de ti, marchamos com alegria.
Tua visão é a nossa visão, ó líder do povo!
Teus pensamentos são nossos pensamentos,
Indivisíveis!
És a bandeira ondulando sobre nossa fortaleza!
És a chama que aquece nosso espírito e sangue,
Oh Stálin, Stálin!

O pianista Sviatoslav Richter relata, no extraordinário documentário biográfico L’Insoumis, de Bruno Monsaingeon, uma anedota sobre o funeral de Stálin. Richter havia sido convocado às pressas para tocar em público e participou das exéquias até o fim. A certa altura, enquanto uma orquestra interpretava a Sinfonia “Patética” de Tchaikovsky, a banda do cortejo, avançando em direção ao caixão, interrompeu o concerto tocando a marcha fúnebre de Chopin. Não se sabe se os músicos eram ruins ou se estavam simplesmente esgotados ou comovidos; o fato é que a música saiu desafinada, barulhenta e sem ritmo, uma espécie de pastiche grotesco da marcha. Richter termina aqui seu testemunho, mas há outras coisas por trás. Como se sabe, o anúncio da morte do ditador ocorreu no mesmo dia em que morreu Prokofiev – 6 de março de 1953 –, o que lançou sobre o infeliz compositor a última humilhação. Nenhuma linha em sua memória nos jornais, nenhuma menção no rádio: o falecimento passou despercebido tal qual o dos tantos intelectuais caídos em desgraça naqueles anos, apagados das fotos e dos arquivos como se não tivessem nascido. A banda foi a vingança de Prokofiev, imagino, talvez sem refletir que pouca gente deve ter notado seus atropelos, preocupados demais em mostrar sua consternação diante de possíveis delatores anônimos. Na verdade, o duplo atentado à memória dos dois compositores – ou três, se considerarmos Tchaikovsky – é mais uma demonstração da força e das muitas vitórias do kitsch sobre tudo que é verdadeiramente belo.

II.

Muito antes de escrever A Fogueira das Vaidades, livro que o tornou célebre, Tom Wolfe havia publicado a crônica “Radical Chic”[14], em 1970, que lançou para a posteridade a expressão hoje tão rica em sinônimos e variantes – dos terrorist chics e Che chicsà “esquerda caviar” na América hispânica e “esquerda festiva” no Brasil etc.. Wolfe descreve, com humor cortante, ironia matadora e constrangedor detalhamento, a festa de 48 anos (mais um aniversário!) de Leonard Bernstein em 1966, em sua “cobertura duplex de 13 cômodos na Park Avenue”. Além dos convidados esperados – um colorido popurrí de diretores e atores de cinema, músicos, jornalistas e socialites, a mais exclusiva seleção de convidados de Manhattan – o casal Bernstein recebeu um grupo de “black panthers”, o célebre e radical movimento de luta pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos. A iniciativa era extraordinária: a festinha serviria tanto para arrecadação de fundos como para mostrar à sociedade americana, naqueles dias tão conturbados, que os militantes de causas nobres estavam sendo muito bem acolhidos pelos brancos de estirpe. Outros motivos, menos públicos, tornam-se transparentes ao longo da narrativa: a autopromoção (leia-se publicidade, já que esse e outros eventos foram amplamente cobertos pela imprensa) e, claro, a oportunidade de exibir os convidados de honra como exóticas peças de antropologia: “Nunca conheci um Pantera… esse é o primeiro pra mim”, diz uma das convivas.

Ao contrário do que uma resenha maldosa de “Radical Chic” poderia transmitir a quem nunca a leu, Leonard e Felicia não devem ser rebaixados a caricaturas de ricaços ostentadores, insensíveis e superficiais, tal como gostamos de pintar em sucessão ininterrupta desde Maria Antonieta até Eike Batista. O maestro tem sentimentos e dramas de consciência. Tom Wolfe abre sua crônica com um sonho no qual “Lenny” leva um puxão de orelha de um superego afro-americano, diante duma enorme plateia; logo depois, expõe o problema dos serviçais, que precisam ser brancos, ainda que brancos sul-americanos: “Obviamente, se você está dando uma festa para os Panteras Negras (…), bem, obviamente você não pode ter um mordomo ou uma empregada negros, de uniforme, servindo drinques e canapés. Muita gente pensou nisso (…). Então a nova onda do Radical Chic deu partida à mais desesperada busca por serviçais brancos (…). Todo mundo tem serviçais brancos. E Lenny e Felicia – eles resolveram a questão ainda antes do Radical Chic ter começado. Felicia cresceu no Chile.”

Se o retrato de uma utopia multirracial e sem classes, num lindo e exclusivo cenário – não um retrato futuro, mas um instantâneo do aqui e agora – encheria d’água os olhos de qualquer “caviar”, Bernstein não parece tão confortável. Tal qual os defensores das utopias-pela-metade representados por Jacques Barzun, o grande maestro percebe o dilema em que acaba de se meter, ou melhor, os dois dilemas: o da indivisibilidade das utopias e o da hipocrisia típica do kitsch: o mundo em que os Panteras Negras conseguirão o que querem também será o mundo em que as coberturas duplex (ou tríplex) provavelmente deixarão de existir, junto com os garçons sul-americanos e a preocupação em ser “chic” – palavra, aliás, tão próxima ao kitsch

“Quando você entra nesta casa, neste prédio”, inquire o anfitrião a Don Cox, o “Marechal de Campo” dos Panteras Negras e convidado de honra, “você deve se sentir enfurecido!”

“Cox parece embaraçado. ‘Não, cara… eu consigo superar… é uma questão pessoal… eu costumava ficar tenso com coisas como essa, mas-‘

‘Você não sente amargura? Isso não te deixa louco?’

‘Nãããão, cara… É uma questão pessoal… olha… eu não fico louco com isso pessoalmente. Já superei.’

‘Bem’, diz Lenny, ‘isso me deixa louco!’

III.

Poucos brasileiros descreveram o estado de espírito que marcou o fim da década de 50, no Brasil, como Nelson Rodrigues. É a época de Os Sete Gatinhos, Boca de Ouro, Beijo no Asfalto. Suas críticas à hipocrisia da classe média e à ideia da democracia racial, que punha entre aspas e chamava de “a mais cínica, a mais cruel das mistificações” [15], não o impediam de pegar 20 horas de estrada para conhecer a recém-inaugurada Brasília e louvar seu “barro cor-de-canela”. Nelson era um otimista, e as hipérboles de suas crônicas de futebol parecem perfeitamente emblemáticas do humor desse período. Parecíamos moldados para ser grandes, e a vitória na Copa do Mundo da Suécia confunde o leitor (e talvez o autor) sobre sua função de causa ou efeito naquela predisposição adormecida: “Dizem que o Brasil tem analfabetos demais. E, no entanto, vejam vocês: a vitória final (…) operou o milagre. Se analfabetos existiam, sumiram-se na vertigem do triunfo. (…) todo mundo, aqui, sofreu uma alfabetização súbita (…) amigos, nunca se leu e, digo mais, nunca se releu tanto no Brasil.”

Segue o cronista, em um de seus momentos mais célebres: “é chato ser brasileiro! Já ninguém tem mais vergonha de sua condição nacional (…). O povo já não se julga mais um vira-latas. Sim, amigos: o brasileiro tem de si mesmo uma nova imagem; ele já se vê, na generosa totalidade de suas imensas virtudes pessoais e humanas (…). A vitória passará a influir em todas as nossas relações com o mundo (…). Diziam, de nós, que éramos a flor de três raças tristes. A partir do título mundial, começamos a achar que nossa tristeza é uma piada fracassada. Afirmava-se também que éramos feios. Mentira! (…) Na pior das hipóteses, somos uns ex-buchos.” [16]

As crônicas de Nelson Rodrigues após as vitórias de 1958, 62 e 70 são enganadoras na medida em que fingem anunciar a utopia da pátria grande. Quem julga, ao lê-las, estar diante dum ufanista fanático não faz ideia de quem foi o autor e, mais além, da substância da utopia. O que mantém Nelson a salvo do kitsch, apesar das hipérboles, são o humor, o escárnio, a ridicularização deliberada da grandiloquência e da pretensão. Quanta distância das paradas de Primeiro de Maio!

Avancemos meio século. Por volta de 2008, o estado psicológico predominante no Brasil é um curioso espelho. Reina uma aura de bem-estar, prepotência e otimismo. Não ganhamos a Copa, nem ganharemos, mas a sediaremos de novo – e também as Olimpíadas, quem diria. Em breve ultrapassaremos o Reino Unido e nos tornaremos a sexta economia do mundo. Somos quase todos cidadãos de classe média, empregados de carteira assinada. Muitos dos nossos filhos formam a primeira geração em suas linhagens familiares a frequentar a universidade. Como os ex-buchos de Nelson, deixamos a caipirice de lado para nos transformarmos em admirados cidadãos do mundo, embora não escondamos o basbaque ante os elogios da imprensa internacional.

A diferença entre 1958 e 2008 talvez estivesse na ausência do humor autocomiserativo de um Nelson Rodrigues. A utopia parecia, de certa forma, mais próxima há dez anos. É possível que o parentesco entre o kitsch e algumas utopias paire na medida de sua credibilidade, e na quantificação de seus profetas e fiéis.

Saltemos mais uma vez no tempo, agora para 2018. O Brasil de 2008 parece tão distante quanto o Brasil de 58. Ao contrário dos períodos anteriores, o ano é de eleições. Candidaturas almejam o resgate do efêmero paraíso perdido. A memória manca do eleitorado e o acúmulo de desgraças ao longo dos últimos cinco anos fertilizam o terreno das realidades alternativas e da sede por aqueles modelos fictícios de coerência lembrados por Arendt. Querem relembrar épocas empanadas por uma névoa rósea, inebriante, uma utopia regressiva e acomodada; querem recuperar o possível e partir desse ponto não tão distante temporalmente, rumo a um destino inescrutável. E como em todo cenário impregnado pelo kitsch, o principal é auxiliado pelo acessório, tal qual o caixão de Stálin seguido pela banda desafinada e pelos puxa-sacos chorosos. Apela-se para o messianismo[17], líderes dirigem-se como pastores a seus asseclas (fiéis?), gente retida num jogo tragicômico de desmentidos, meias-verdades, duplos paradigmas e adoração cega. As mazelas e esboços de autocrítica são atirados para baixo do tapete como a vida na Boêmia e na Rússia comunista, aquela vida feita do que sobra depois de decantada da estética.

De repente me ocorre a frase de Kundera: “o kitsch é a negação absoluta da merda; tanto no sentido literal quanto no sentido figurado: o kitsch exclui de seu campo visual tudo que a existência humana tem de essencialmente inaceitável”[18].

Será que, mesmo a uma distância segura de regimes autocráticos, conseguiremos um dia viver longe da feiura das utopias? Ou tal aspiração não passaria, ela própria, de uma?

[1]Taruskin, Richard. “The Danger of Music and Other Anti-Utopian Essays”. University of California Press, Berkeley, 2009. Pág. xii (tradução minha)

[2]Kundera, Milan. “A Insustentável Leveza do Ser”. Editora Record, 1983. Tradução de Tereza B. Carvalho da Fonseca.

[3]Ao tratar especificamente do totalitarismo, Hannah Arendt menciona a predisposição das massas reprimidas em confiar mais na imaginação do que na realidade, da qual procuram fugir em nome da coerência e da lógica de um sistema previsível, estranho a coincidências. “A revolta das massas contra o ‘realismo’, o bom senso e todas as ‘plausibilidades do mundo’ (Burke) resultou da sua atomização, da perda de seu status social, juntamente com todas as relações comunitárias em cuja estrutura o bom senso faz sentido. (…) Entre enfrentar a crescente decadência, com sua anarquia e total arbitrariedade, e curvar-se ante a coerência mais rígida e fantasticamente fictícia de uma ideologia, as massas provavelmente escolherão este último caminho…”. “Origens do Totalitarismo”. Companhia das Letras, 1989. Tradução de Roberto Raposo. Págs. 401-2.

[4]Barzun, Jacques. “Da Alvorada à Decadência – a História da Cultura Ocidental de 1500 aos nossos Dias”. Editora Campus, 2002. Tradução de Álvaro Cabral. Págs. 153-4.

[5]Hannah Arendt põe em dúvida a existência de lastros programáticos profundos na Itália fascista, onde se seguiam o “ativismo e inspiração no próprio momento histórico”, em detrimento de plataformas. Recorda, também, que Goebbels considerava o fascismo “superficial” em comparação com o nazismo. Op. cit., págs. 374 e 359.

[6]Jung, C.G., “The Collected Works of C.G. Jung”. Routledge, 1953-78. Volume X, parágrafos 385-8. Segundo o documentário “A Arquitetura da Destruição” (1991), um dos melhores filmes já feitos sobre o nazismo, “Hitler via o apocalipse como a mais elevada forma de expressão artística”. Walter Benjamin já antecipava a guerra como destino lógico do fascismo e sua estetização da política: a “autoalienação [do fascismo] chegou a tal ponto que ele pode experimentar sua própria destruição como um prazer estético de primeira ordem”. “The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction”, em “Illuminations”, Pimlico, 1999. Pág. 235 – tradução minha.

[7]Gordon, Flávio. “A Corrupção da Inteligência – Intelectuais e Poder no Brasil”. Editora Record, 2017 – 4ª edição. Págs. 225-6. Grifos do autor.

[8]“Literatura na Rússia só é livre porque hoje ninguém mais lê, diz professor”. Entrevista a Irineu Franco Perpétuo. Folha de S. Paulo, 27/10/2017.

[9]“Merriam-Webster’s Encyclopedia of Literature”, Merriam-Webster, 1995; “Diccionary of Literary Terms and Literary Theory”, Penguin Books, 1999; “Dicionário Houaiss”, edição online, Editora Objetiva; “Dicionário Aurélio”, Nova Fronteira, 1975. O “literalismo”, como oposição à reflexão e à leitura simbólica, é contribuição de Donald Kuspit (“The End of Art”, Cambridge University Press, 2004).

[10]A nacionalização é perfeitamente aceitável, inclusive como forma de evitar o uso indiscriminado – e esnobe – de estrangeirismos. A opção por termos do vernáculo também não está livre de problemas, como nos recordam Lima Barreto ou ex-ministros que pretenderam censurar o uso de palavras estrangeiras.

[11]Imitação é a farsa, o fingimento, a imaginação rasa, o fake; exagero é o sentimentalismo, o melodrama disfarçado de trágico, o recurso apelativo ao gosto popular; e descontextualização o fora de lugar, o inconveniente e inadequado, o epígono.  

[12]Scruton, Roger. “Kitsch and the modern predicament” em www.city-journal.org/html/kitsch-and-modern-predicament-11726.html

[13]O que nos tentaria, talvez noutra ocasião, a meditar se de fato tudo o que é kitsché ruim. O exagero e a descontextualização seriam ingredientes suficientes para constitui-lo, mas eventual ausência do componente da imitação afastaria o problema da baixa qualidade. Isso explicaria, talvez, por que tantas pessoas julgam “boas” obras de arte consideradas kitsch.

[14]Wolfe, Tom. “Radical Chic: that Party at Lenny’s”, disponível online em https://nymag.com/news/features/46170/

[15]Rodrigues, Nelson. “Memórias: a Menina sem Estrela”, Editora Agir, 2009. Pág. 340.

[16]Rodrigues, Nelson. “O Berro Impresso das Manchetes – Crônicas Completas da Manchete Esportiva 55-59”, Editora Agir, 2007. Págs. 408-9.

[17]Umberto Eco nos recorda como o messianismo associado à esquerda é coisa antiga: em seu ensaio sobre o estilo do Manifesto Comunista, especula que o “judeu, messiânico Marx” tinha a abertura do Gênesis em mente quando escreveu sobre a força “imparável” das classes revolucionárias. “On the Style of the Communist Manifesto”, inOn Literature”, Vintage Books, 2006, pág. 24.

[18]Op. cit., pág. 250

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