O debate entre o neoconservadorismo e o conservadorismo americano
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por Cristiano Cabrita
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Durante a última campanha presidencial norte-americana, e ainda recentemente, Donald Trump assumiu com alguma insistência que era o herdeiro ideológico de Ronald Reagan. Embora o objeto da presente análise não seja esse, muito dificilmente se pode considerar Trump como um causídico do conservadorismo tradicional reaganiano tendo em conta a sua posição em temas como o aborto, a emigração, a saúde ou a política externa. A título de exemplo, Reagan ficou na História como o presidente norte-americano responsável pela impulsão da União Soviética e pelo fim da Guerra-fria. Por sua vez, o sucessor de Barack Obama na Casa Branca é contra a ideia de excecionalismo americano. Reagan abraçou-a com toda a sua força – “a cidade no topo da colina” – vincando o papel especial dos Estados Unidos da América (EUA) no mundo. Relativamente à emigração, Reagan, em 1986, apoiou legislação para regularizar a situação de milhões de imigrantes ilegais. Já Trump tem adotado um discurso típico nacionalista de direita baseado na construção de “muros” e no combate à imigração ilegal vinda do sul (visando, principalmente, o México) e dos países muçulmanos (onde a maioria é, para o republicano, radical ou terrorista). Neste ponto, o discurso do 45.º presidente dos Estados Unidos é alimentado pelo medo e pela xenofobia enquanto o ideal do ex-governador da Califórnia era pautado pela esperança e otimismo. Além disso, contrariamente a Trump, quando Ronald Reagan candidatou-se pela primeira vez à presidência dos EUA (1980) já tinha uma larga experiência política. Reagan possuía um discurso articulado sobre o papel do Estado, sobre as matérias económicas e políticas, enquanto a narrativa do seu “herdeiro” é errante. Quanto à política externa, o atual presidente norte-americano tem um discurso populista, nacionalista e unilateral baseado no abandono das instituições internacionais. Verdade seja dita, existe um ponto em comum – talvez o único – que os aproxima: antes de se afirmarem como conservadores ambos tiveram um passado liberal democrata.
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Igualmente, no âmbito das primárias republicanas de 2015, o Senador Rand Paul, num comício republicano em Nashua, New Hampshire, atacou Hillary Clinton acusando-a de ser “neoconservadora”, em termos de política externa. Sempre numa linha pejorativa, Paul afirmava que Clinton era herdeira de uma doutrina intervencionista que alcançou o seu expoente máximo com George W. Bush e que havia, segundo ele, prejudicado gravemente a posição dos EUA na política internacional.
E, nos últimos meses da campanha presidencial, um novo facto político emergiu na órbitra da candidatura de Clinton: o apoio (mais ou menos explícito) de conservadores ideologicamente próximos do Partido Republicano como Max Boot, Robert Kagan, Eliot Cohen e William Kristol. Todos eles – exceptuando Kagan que entretanto se tornou “independente” e “intervencionista liberal” – fazem parte de uma terceira geração de neoconservadores, os neocons, que é herdeira de uma tradição doutrinal com raízes complexas na história política norte-americana e que tem marcado o confronto político nos EUA nas últimas duas décadas: o neoconservadorismo.
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A influência desta corrente intelectual, originalmente marxista anti-estalinista, foi visível na Administração de Ronald Reagan com ideias em torno do apoio à democracia, ao globalismo e ao anticomunismo. Contudo, seria após o 11 de Setembro de 2001 que esta escola de política externa transformaria o establishment político norte-americano. Especificamente o apoio à decisão de invadir o Iraque, em Março de 2003, conotaria daí em diante os neocons com um certo intervencionismo democrático, baseado no poder militar dos EUA, das Administrações de George W. Bush.
O debate em torno dos neoconservadores voltou a estar em cima da mesa com a nomeação de John Bolton, em Abril de 2018, como conselheiro de segurança nacional de Donald Trump. Conhecido por ser um neoconservador radical, Bolton foi um feroz defensor de mudança de regime no Irão, Coreia do Norte e Venezuela pela via militar ou por operações secretas, assumindo-se até certa altura como um dos homens fortes do Presidente Trump. A justificação para a sua demissão, no final de 2019, foi, precisamente, a sua visão extremamente hawkish, característica singular e unificadora em torno da corrente neoconservadora. Entretanto, outros neoconservadores mantiveram-se próximos da Administração Trump: Robert O’Brien, discípulo de Bolton; o Secretário de Estado Mike Pompeo; o representante especial para o Irão Brian Hook; Mark Dubowitz, CEO da Fundação de Defesa das Democracias; David Wurmser, ex-consultor de Bolton; e os senadores Lindsey Graham e Tom Cotton. Talvez ninguém exemplifique melhor o ethos neocon do que Cotton. Mas o cerne da questão é muito mais complexo.
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O problema que despontou durante este período de tempo – e que de certa maneira não está inteiramente esclarecido – foi a imprecisão conceptual e metodológica que emergiu em torno do significado “conservador”, em geral, e do “conservadorismo americano” e “neoconservadorismo”, em particular. Na verdade, muitas das vezes – erradamente – os conceitos foram confundidos e /ou diluídos num único significado.
Por conseguinte, é esse o exercício clarificador que nos propusemos com a elaboração deste ensaio. Ou seja, como é que podemos definir o conservadorismo americano? Qual é a sua importância para o entendimento da cultura política norte-americana? Como é que se distingue do neoconservadorismo? E, não menos importante, quais são as suas ramificações?
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Conservadorismo americano
A desconstrução da palavra “conservador”, sem um raciocínio muito longo e elaborado da nossa parte, levar-nos-ia muito provavelmente para algo do género: alguém que pretende manter e/ou conservar uma situação existente ou que denota aversão em mudar determinado estado de coisas.
Pode-se afirmar que um conservador é aquele que pretende manter o status quo — ou seja, uma pessoa que deseja conservar as leis, as regras, os códigos morais e de comportamento com as quais a sociedade é regida num determinado período de tempo. Um conservador sente-se confortável na ordem existente. Um conservador defende e procura manter o tradicional contra aquilo que é temporário. Como afirma José Tomaz Castello-Branco, até certo ponto pode-se dizer que um «conservador é sempre alguém radicalmente situado». Radicalmente situado no sentido em que o «que é valorizável, aos olhos do conservador, é a experiência adquirida. O que é antigo é reconhecido precisamente porque se presume experimentado» e, sobretudo, porque resistiu ao mais importante teste: «o teste do tempo». Como se pode constatar, portanto, é o teste da experiência que é importante para o conservador. A maioria dos conservadores contemporâneos preocupa-se com a decadência da família, com o divórcio, com os filhos fora do casamento, com a perda da autoridade, com o relativismo, com os estilos de vida alternativos, com a desintegração do tecido social, com a promiscuidade e com a criminalidade. Por que é que isto acontece? Porque, por um lado, estes fenómenos são considerados como desvios da ordem natural e também porque, por outro lado, não têm a confirmação da experiência histórica.
Ora, discorrer sobre o conservadorismo americano num breve ensaio não é tarefa fácil tal a complexidade histórica daquilo que foi a sua evolução ideológica. Contudo, é possível afirmar com alguma segurança que nos últimos 50 anos o conservadorismo tornou-se uma importante corrente política nos EUA. E, muito embora o movimento seja relativamente recente, pode-se circunscrever algumas ideias gerais do pensamento conservador americano. Assim, para que o estudo não perca objetividade, iremos, em primeiro lugar, apresentar uma visão sobre os quatro pilares que caracterizam esta ideologia, para depois procurarmos mencionar cada especificidade de cada uma das vertentes dos vários conservadorismos.
O primeiro pilar do conservadorismo americano é a liberdade. Os conservadores acreditam que os indivíduos têm um direito inato à vida; à liberdade; à propriedade, sendo que os exercem adstrito de qualquer força arbitrária e através da sua vontade natural. Acima de tudo, significa o exercício da liberdade individual não condicionada a qualquer tipo de opressão por parte do Estado e, ao mesmo tempo, a garantia da proteção do Estado contra qualquer tipo de opressão. Traduz-se, portanto, no exercício da liberdade política e económica e na consagração das liberdades de expressão e religião. O conservadorismo baseia-se na premissa de que o alcance da virtude é o propósito da nossa existência e que a liberdade é uma componente essencial dessa virtude.
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O segundo pilar da filosofia conservadora é a defesa da ideia de ordem e tradição. O conservadorismo tem na sua essência a defesa de um conjunto de valores que foram estabelecidos ao longo dos séculos e que foram os responsáveis pela edificação de uma sociedade ordeira. Os conservadores «acreditam na natureza humana», ou seja, acreditam que os indivíduos são capazes de construir uma «sociedade que respeite direitos existentes e que consiga também opor-se às forças do mal». O grande fundamento é precisamente a defesa da ordem por oposição à desordem, vista como potencialmente responsável pela desagregação das sociedades. A desordem descreve tudo aquilo que o conservadorismo não é.
O terceiro pilar é a defesa do Estado de Direito (rule of law). O conservadorismo americano é baseado na convicção de que é crucial a existência de um sistema jurídico confiável que seja igual para todos. Isto quer dizer que «tanto os governantes, como os governados estão sujeitos à rule of law». A rule of law promove prosperidade e protege a liberdade, por exemplo, através da consagração dos princípios constitucionais. Simplificando, um Governo assente nas leis e não na vontade dos homens é a única maneira de garantir a justiça.
O quarto e último pilar sublinha a defesa da crença religiosa. Este ato significa a adesão a conceitos mais amplos relacionados com a fé religiosa – justiça; virtude; lealdade; caridade; sentido de comunidade e sentido de dever. São nestes conceitos que os conservadores baseiam a sua filosofia. Consideram que existe uma «aliança com Deus que transcende a política e que determina um conjunto de regras para a política». Para os conservadores tem que existir uma «autoridade superior ao homem; maior do que qualquer homem, Rei ou Governo; nenhum Estado pode exigir uma obediência total por parte dos indivíduos; nem um controle efetivo sobre todos os aspetos das suas vidas». Tem, isso sim, que existir uma ordem moral que apoie e fortaleça a ordem política.
Esta explicação vai de encontro ao pensamento de Gregory Schneider, quando este refere que o conservadorismo tem um carácter «proteano», isto é, assume várias formas, é variável. Naturalmente, nem todos os conservadores acreditam nestes pilares de forma igual existindo, consequentemente, contradições, ou simplesmente diferentes formas de interpretar esta ideologia. E é por isso que concordamos com João Pereira Coutinho, quando este afirma que o «conservadorismo não existe», o que existe são «conservadorismos». Mais importante, partilhamos da sua convicção quando afirma que o conservadorismo americano é a expressão de uma evolução do conservadorismo. Evolução essa que tem na Revolução francesa de 1789 a origem da «emergência do conservadorismo moderno como ideologia».
Neste ponto não poderíamos deixar de mencionar o nome de Samuel P. Huntington, em particular, o seu Conservatism as an Ideology. Aqui o autor analisa a natureza do conservadorismo de uma maneira positiva como uma ideologia – não deixando, porém, de ser provocador para a tradição conservadora. Por ideologia referia-se a «um sistema de ideias preocupado com a distribuição de valores político-sociais e tolerado por um grupo social importante». Fá-lo, delimitando historicamente o seu campo de análise e socorrendo-se de três teorias que ao longo dos tempos procuraram explicar o conservadorismo como ideologia.
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A primeira, a «teoria aristocrática», define o conservadorismo como a «ideologia de um único e específico movimento histórico». Este movimento histórico teria sido a reação das classes feudo-aristocrático-agrárias que se opuseram à Revolução Francesa de 1789 e a ascensão da classe burguesa no século XVIII e na primeira metade do século XIX. Neste caso, para Huntington, o conservadorismo estaria conotado com a ideologia associada à aristocracia; o socialismo e o marxismo expressavam a forma de pensar do proletariado e, por último, o liberalismo conotar-se-ia com a burguesia.
A segunda teoria analisada por Huntington – a «teoria autónoma» –, considera que o conservadorismo não estava circunscrito aos interesses de nenhum grupo em particular, nem dependente de nenhuma «configuração histórica de forças sociais». Neste caso em concreto, o conservadorismo era entendido como «um sistema autónomo de ideias […] geralmente válido». Autónomo no sentido em que estava desprovido de circunscrições temporais e classistas, tornando o indivíduo num ser pensante que, independentemente da sua «afiliação social», e fazendo uso da sua inteligência, ultrapassaria barreiras sociais e de classes. O resultado seria um conservadorismo mais abrangente, considerado pelo próprio autor como um tipo de conservadorismo próximo do neoconservadorismo.
A terceira teoria referida por Samuel Huntington é aquela que para o autor melhor explica o conservadorismo como ideologia. A sua abordagem é uma tentativa de conferir um maior rigor ao significado do conservadorismo enquanto ideologia. Esta teoria que Huntington denomina de «situacional» diz essencialmente que o conservadorismo é uma ideologia que está dependente da existência de uma “situação” para se afirmar como ideologia. Neste caso, Huntington vê o conservadorismo como «uma ideologia que nasce de […] um tipo de situação histórica em que um desafio importante é direcionado às instituições estabelecidas e em que os apoiantes dessas mesmas instituições empregam a ideologia conservadora em sua defesa». Implicitamente está um certo significado reativo em que o conservadorismo surge como defensor das instituições, em particular das instituições americanas, contra potenciais ameaças «à ordem estabelecida».
Sobretudo, é importante dizer que a teoria «situacional» resulta da rejeição de Huntington das duas primeiras teorias. Em termos gerais, a sua negação é feita porque: a) não concorda com a limitação que a «teoria aristocrática» faz entre a adoção de posturas conservadoras e a classe aristocrática. Ora, a História está cheia de exemplos em que autores conservadores (por exemplo, Edmund Burke), os quais, não sendo aristocratas, adoptaram uma linha conservadora; e b) rejeita a explicação demasiado vaga da «teoria autónoma», nomeadamente pela tentativa que faz em criar uma teoria sem ligação ao elemento histórico. Compreende-se, assim, o raciocínio de Huntignton na medida em que a teoria «situacional» permite distinguir um conservador de um reaccionário e permite igualmente a defesa intrasigente das instituições, remetendo-nos para uma definção do conservadorismo próxima da concepção burkeana.
Esta certa ideia de «emancipação» enquanto ideologia política está invariavelmente associada a Edmund Burke. Mas já voltaremos a este ponto mais à frente quando abordarmos a ligação de Burke com o conservadorismo tradicional.
Por agora importa reter que só entenderemos esta complexidade se analisarmos as dicotomias existentes entre as principais ramificações do conservadorismo americano, que consideramos como as mais importantes para entender esta investigação: os tradicionalistas; os libertários, os paleoconservadores e os neoconservadores. Aliás, o neoconservadorismo deve ser, em parte, entendido por oposição àquilo que são os seus principais rivais conservadores. Por essa razão, temos que olhar primeiramente para o conservadorismo americano como um todo para que possamos evidenciar, à posteriori, cada uma das suas características. É o que faremos de imediato.
Neste contexto, o conservadorismo tradicional parte de uma base que defende a lei natural e a ordem moral. É através deste sentido de organização (assente na Razão e na Fé) que o indivíduo edifica uma sociedade ordeira e organizada. Para estes tradicionalistas, a Razão existe antes da própria Civilização. Este tipo de conservadorismo consagra a família e os seus padrões tradicionais na medida em que acreditam que as tradições e os costumes devem guiar o homem na sua vida societária. Ponto de interesse e distinto é o facto de abordarem a sociedade como uma entidade hierarquizada. Quer isto dizer que é no reconhecimento que as estruturas políticas conferem à existência de classes distintas, de inequalidades, de diferenças económicas e sociais que está o segredo para uma comunidade estável. A hierarquia permite a preservação de uma comunidade como um todo e não apenas a proteção de determinados indivíduos. São igualmente protetores de uma ideia de patriotismo, defendendo os princípios da civilização ocidental clássica e das grandes manifestações culturais.
O conservadorismo dito tradicional tem como grande inspirador político Edmund Burke nomeadamente na defesa que este autor faz da lei natural moral e da tradição ocidental. Sobretudo, porque Burke era um forte defensor de três pontos muito importantes para esta tradição: a) a defesa de uma liberdade ordeira; b) a defesa de instituições como a família; o Estado e a Igreja; e c) a consagração constitucional dos direitos inalienáveis dos indivíduos. Disso dá conta nas suas Reflexões sobre a Revolução em França. Crítico do radicalismo francês, defenderia intransigentemente os direitos concretos dos indivíduos, contra a subjetividade dos direitos “abstratos”.
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De facto, iniciar qualquer análise sobre o conservadorismo tradicional obriga, consciente ou inconscientemente, a olhar para trás e pensar em Burke. Este autor é uma figura impar, diríamos incontornável, para entender o percurso deste conservadorismo. E aqui temos que recuar à Revolução francesa de 1789. Não nos podemos esquecer que o mais natural teria sido Burke apoiar esta Revolução – enquanto líder parlamentar dos Whigs (antepassados dos liberais) –, até porque a sua carreira parlamentar fez-se, sobretudo, por um combate às ideias dos Tories (antepassados dos conservadores). Surpreendentemente, ele próprio levantaria sérias dúvidas sobre a forma como havia sido conduzida esta Revolução. Reservas essas que ficariam explanadas nas suas Reflexões. Basicamente, e sem querermos alongarmo-nos na análise desta obra, Burke insurgir-se-ia contra o projeto revolucionário desenvolvido na outra margem do canal da mancha. Para um reputado Whig esta abordagem podia significar o descrédito e o fim da sua carreira política. Todavia, teria o tempo como seu aliado principal e com a execução de Luís XVI, em 1793, a França mergulha num clima revolucionário despótico e anárquico, dando razão a Burke. A partir daqui como que houve uma aceitação tácita da principal mensagem deste autor e, sobretudo, do seu significado. Ou seja, a Revolução Francesa distinguia-se da Revolução Inglesa de 1688 e da Revolução Americana de 1776, fundamentalmente, por defender a existência de uma liberdade ordeira na sociedade anglo-saxónica.
Nos EUA, o mais proeminente tradicionalista é Russell Kirk, sendo que o seu grande mérito foi ter iniciado uma viragem no conservadorismo de uma perspetiva assente numa visão Lockeana para uma visão mais suave, se quisermos uma visão aristocrática Burkeana. Se no período pré-Segunda Guerra Mundial o típico conservador americano assemelhar-se-ia mais a um liberal de meados do século XIX – defensor do liberalismo económico –, o conservadorismo de Burke veio acrescentar algo de diferente. A ascensão do conservadorismo dito tradicional teve como ponto de partida a obra de Russell Kirk, The Conservative Mind, publicada em 1953. A ideia central por detrás desta obra, na linha do pensamento de Edmund Burke, e em que o conservadorismo moderno americano se baseia, é a defesa de uma ideia de liberdade ordeira. Refere-se àquilo que são os pressupostos da vivência em sociedade, do indivíduo, da comunidade, da liberdade e da responsabilidade individual, do conceito de governação limitada e do desenvolvimento económico.
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Esta obra apresenta-se como uma súmula das ideias de alguns dos mais importantes pensadores conservadores anglo-americanos do século XVIII até ao início do século XX. Em termos simples, a análise de Kirk remete-nos para a conclusão de que existe uma tradição do conservadorismo americano, que pode ser reportada à fundação da República Americana. Com este livro, Russell Kirk estabeleceu uma plataforma ideológica para a aceitação do conservadorismo no seio da sociedade norte-americana.
Num outro estudo completar, intitulado The Roots of American Order, publicado primeiramente em 1974, Russell Kirk vai mais longe no seu argumento. De acordo com este autor, a América não é apenas a terra dos bravos e da liberdade, mas também um lugar de liberdade ordeira que torna possível a prosperidade e a liberdade num sentido mais lato.
Ao analisar 5 cidades – Jerusalém, Atenas, Roma, Londres e Filadélfia –, Kirk chega à conclusão de que as raízes da ordem norte-americana estão assentes numa tradição profunda da história humana. As primeiras raízes, segundo o autor, remontam a Jerusalém com a perceção dos Hebreus sobre a existência de uma «moral existencial premeditada» controlada por Deus. Foram, depois, reforçadas em Atenas com uma introspeção política e filosófica dos Gregos. Alimentadas, posteriormente, pela experiência romana sobre a consciência social e jurídica. Neste encadeamento histórico, foram entrelaçadas com o conhecimento Cristão sobre os deveres e esperanças do homem e reforçadas com o costume, o conhecimento e o valor medieval. As raízes da ordem americana foram, ainda, reforçadas por dois acontecimentos políticos que ocorreram em Londres e Philadelphia. No primeiro caso, com o nascimento do espírito parlamentar como guardiões da common law. No segundo caso, com a Declaração de Independência dos Estados Unidos e com o delineamento dos pressupostos fundamentais da Constituição Americana. Em Filadélfia, criar-se-ia uma Governação distinta do legado europeu assente na ordem e na liberdade e não em Governos absolutistas. Na vertente federalista foi possível edificar uma realidade política limitativa, separativa, cuidadosamente detalhada, dos poderes governativos.
A ascensão do conservadorismo na América não pode estar dissociada de um certo declínio do liberalismo americano, que viu-se perdido entre o New Deal de Franklin D. Roosevelt e a conceção da Grande Sociedade de Lyndon B. Johnson. Em larga medida, o movimento conservador americano teve na sua evolução histórica dois momentos significativos. O primeiro, do ponto de vista da política externa, na luta que manteve, diga-se com sucesso, contra a União Soviética e contra o comunismo, no contexto da Guerra-fria. O segundo, reportando-se à política interna, numa linha política assumida de responsabilização societária dos problemas económico-sociais. Deste ponto de vista, o conservadorismo, naquela que era uma das suas bandeiras, defenderia que o Governo Federal não devia assumir a maior fatia de responsabilidade, mas sim fomentar uma gestão responsável das finanças públicas.
Não se pense, porém, que este processo foi fácil. Com efeito, se olharmos para a evolução do movimento conservador americano chegamos à conclusão que somente no início dos anos 50 começa a ter alguma expressão. Esta relevância assentou, em larga medida, no trabalho desenvolvido por William F. Buckley Jr. e, em particular, com a criação da revista conservadora National Review, em 1955.
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Esta forma de pensar está bem explícita na Declaração editorial que William F. Buckley fez nas páginas da National Review, em 19 de Novembro de 1955. Ao encerrar a sua posição editorial deixava bem evidentes quais eram as suas prioridades: agregar a visão tradicional do conservadorismo americano com uma visão interna baseada na liberalização económica e com uma visão externa destinada a combater o comunismo, lançando as futuras bases ideológicas do conservadorismo presidencial do Presidente Ronald Reagan.
No que concerne ao libertarianismo, o mais importante é a liberdade. Em traços gerais, defende que cada pessoa tem o direito de viver a sua vida conforme bem entende desde que respeite os direitos dos outros. Qualquer que seja o objetivo político a atingir, a prerrogativa da liberdade deve servir de guia para o alcançar. Sublinha-se a liberdade individual, a liberdade política, a liberdade económica e a liberdade de associação. Por outras palavras, representa o oposto do autoritarismo. Ao contrário dos liberais americanos, defensores de uma ordem dominada pelo Estado, e dos conservadores tradicionais que consideravam e acreditavam na autoridade religiosa, os libertários consideram que estes princípios são um atentado à liberdade individual.
Um dos autores que teve grande impacto no libertarianismo foi Barry Goldwater com a publicação de The Conscience of a Conservative. Para Goldwater, a grande diferença entre o conservadorismo e o liberalismo é que o primeiro toma em consideração o «homem como um todo, enquanto os liberais têm propensão para olhar somente para o lado material da natureza humana». O conservadorismo procura o «aumento espiritual» do homem como a principal «preocupação da filosofia política», em detrimento do aspeto económico tão efusivamente defendido pelos liberais. No seguimento da herança Burkeana, Barry Goldwater vinha fazer a defesa do conceito de um Governo limitado baseado na observação em princípios constitucionais, «a constituição é: um sistema de limitações contra a tendência natural do Governo em expandir-se na direção do absolutismo».
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A terceira ramificação do conservadorismo que enunciámos é o paleoconservadorismo. O termo paleoconservador foi utilizado na década de 80 para distinguir entre aquilo que eram os conservadores tradicionais e os neoconservadores. Embora sejam conotados como herdeiros de um conservadorismo apoiado nos pressupostos de Russell Kirk, os paleoconservadores não são conservadores tradicionais na verdadeira aceção da palavra. O paleoconservadorismo defende a tradição; a noção de um Governo limitado; a defesa de uma sociedade civil estruturada; o anticolonialismo e o antifederalismo. Tem uma relação crítica com o neoconservadorismo, nomeadamente no que concerne à intervenção militar; ao multiculturalismo e à emigração legal. Para este conservadorismo, a ideia extrapolada pelo neoconservadorismo de uma cruzada global democrática é rejeitada.
De igual modo, os paleoconservadores não partilham o entusiasmo dos neoconservadores ou libertários pelo capitalismo. Enquanto a esquerda denuncia o capitalismo por causa das desigualdades que gera, os paleoconservadores levantam algumas reticências devido ao seu igualitarismo. Para este conservadorismo, o capitalismo, ao gerar mudanças rápidas do ponto de vista económico, cria um efeito revolucionário ameaçador da ordem social. Por isso, são bastante conservadores no que diz respeito à cultura e ao livre comércio, opondo-se a noções amplas de liberalismo económico, mas também à globalização e à emigração. Assumem-se como os verdadeiros herdeiros de uma tradição conservadora crítica do Estado Social, considerado como o principal culpado da falência do Estado norte-americano. Ao contrário dos tradicionalistas, os paleoconservadores consideravam que o conservadorismo tinha perdido o contacto com a verdadeira tradição conservadora, muito em parte devido ao desenvolvimento económico-social das sociedades contemporâneas.
O conservadorismo paleoconservador ganhou um impulso na década de 90 através de Patrick Buchanan, quando este procurou reformular o Partido Republicano com as suas ideias. O seu objetivo não passava por recuperar antigos fundamentos conservadores mas sim operar uma profunda reforma de direita. Buchanan assumir-se-ia contra o liberalismo económico e contra a globalização no plano económico; contra a emigração e a favor de políticas a favor da natalidade no plano social; e defensor do isolacionismo na política externa. Existe uma passagem da sua obra Where the Right Went Wrong que não resistimos a partilhar e que explana a sua forma de pensar: «O liberalismo económico faz a uma nação o que o álcool faz a um homem. Primeiro retira-lhe energia e vitalidade; depois a sua independência e finalmente a sua vida».
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Depois desta introdução ao pensamento conservador, vejamos agora o que se entende por neoconservadorismo.
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Neoconservadorismo
O neoconservadorismo representa, primeiramente, uma rutura com o liberalismo dos anos 60 e 70. Daqui resultará posteriormente uma aproximação de um conjunto de intelectuais ao campo conservador, daí o nome neo (novo) conservador. Aproximação que far-se-á com ideias distintas do denominado conservadorismo americano. Aqui é necessário efetuar uma chamada de atenção. A viragem destes intelectuais para o campo conservador tem duas dimensões. Uma relacionada com a política interna e uma outra direcionada para assuntos de política externa.
Em 1973, o escritor socialista Michael Harrington popularizou o termo “neoconservador” num ataque que fez nas páginas da revista Dissent a figuras intelectuais como Irving Kristol, Daniel Bell, Daniel Patrick Moynihan e Nathan Glazer. Harrington reconhecia que os neoconservadores eram tão diferentes entre si que não consistiam uma escola de pensamento coerente, quanto mais um movimento político na verdadeira aceção da palavra. Estava, porém, convencido que a resposta daqueles às «falhas do Estado Social nos anos 60» tinha garantido uma espécie de estatuto de «fenómeno social/intelectual».
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Mas, como é que podemos definir um neoconservador? Existem múltiplas abordagens.
No prefácio da sua memória autobiográfica, Neoconservadorismo: autobiografia de uma ideia, e abordando o surgimento do cunho “neoconservador”, Kristol adverte que, muito embora o reconheçam como o «padrinho» do movimento neoconservador, o termo correto é «tendência» ou «convicção». Continuando com a sua análise, afirma que «a palavra corresponde mais a uma descrição do que a uma prescrição. Descreve a erosão da crença liberal entre um grupo relativamente reduzido, mas talentoso, de académicos e intelectuais, e o deslocamento deste grupo (que foi gradualmente ganhando adeptos) em direção a um ponto de vista mais conservador: conservador, mas em muitos aspetos diferente do conservadorismo tradicional do Partido Republicano». Kristol considerava o neoconservadorismo como apenas uma «tendência» e não um «movimento», devido à sua extensa heterogeneidade.
Todavia, para Kristol, este consenso assumia-se como o defensor de alguns pontos importantes: 1) defesa do Estado Social, desde que não circunscrito à visão da Grande Sociedade (Great Society); 2) respeito pelo liberalismo económico e pelas liberdades individuais; 3) respeito pelos valores tradicionais e as instituições: a religião, família e a “cultura elevada” da sociedade ocidental; 4) rejeição do movimento de “contracultura” que assolou os EUA nas décadas de 70 e 80; 4) reforço da ideia americana de igualdade, mas rejeitando o igualitarismo – a condição de igualdade para todos os cidadãos – como um objetivo adequado à governação; e 5) Em política externa, o neoconservadorismo acredita que a democracia americana deve ser defendida a todo o custo, sobretudo contra aqueles que são hostis aos valores americanos.
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No que diz respeito à política interna, Irving Kristol, em A Conservative Welfare State, estabelece as suas ideias. Desde logo, avança com um novo conceito de modernidade que permitirá consagrar uma nova abordagem à questão do Estado Social, distanciando-se dos parâmetros do conservadorismo americano. Segundo o próprio, o que os conservadores deviam procurar do ponto de vista interno era uma política, «consistente com os princípios morais da nossa civilização [dos EUA] e os princípios básicos da nossa nação».
Do ponto de vista económico, Kristol – criticando o conservadorismo tradicional – sublinhava o seguinte: a hostilidade do conservadorismo tradicional para, por exemplo, com a segurança social leva a uma certa «impotência política e à rutura da política social». O Estado social neoconservador garantia a consagração da segurança social. Por isso, via no sistema liberal de Estado Social a fonte de todos os problemas: crime juvenil; problemas com drogas; alcoolismo e a destruição do sistema público de educação.
A base daquilo que é a reforma interna proposta por Kristol e por conseguinte, do pensamento neoconservador, pode ser deduzida através de uma política assente na responsabilização social. Ou seja, o indivíduo tinha direito a viver do Estado Social se a sua conduta fosse responsável e não negligente ou dolosa. Uma coisa era ter uma conduta responsável que considerasse viver do subsídio de desemprego como algo estritamente provisório, socialmente reprovável e fruto de circunstâncias infelizes; outro ponto era ter uma conduta que visasse unicamente planear a sua vida tendo em mente a obtenção do subsídio de desemprego ou o apoio concedido pela segurança social. Quem não quisesse assumir uma conduta responsável deveria procurar ajuda em Fundações ou em Instituições Particulares de Solidariedade Social e não depender do Estado para resolver os seus problemas.
A regra principal tinha que ser esta. Por outras palavras, se fosse o comportamento do indivíduo o responsável pela dependência do sistema de segurança social, então não teria direito a usufruir deste benefício, ou teria apenas direito a uma pequena parte deste benefício.
Pela mesma ordem de ideias, o contributo do pensamento neoconservador no que concerne à política económica é muito menor do que por exemplo o seu contributo para a política externa. Esta constatação deriva das circunstâncias e é facilmente previsível. Por exemplo, a política económica desenvolvida por Ronald Reagan nos anos 80 privilegiou a redução da despesa do Estado; a redução dos impostos federais e a redução nos impostos sobre ganhos de capital e rendas; a maior regulação de economia por parte do Estado; e, a redução de inflação através de um maior controle no que concerne à oferta de dinheiro.
A política fiscal neoconservadora tem uma peculiaridade própria, isto é, são contra a política do conservadorismo tradicional que via o orçamento de Estado como algo que devia refletir os gastos com a despesa e a entrada de receitas. Toda e qualquer política governamental devia encontrar este ponto de equilíbrio. Os neoconservadores não concordam com esta visão, altamente limitativa da despesa pública, o que por sua vez cria um menor desenvolvimento económico junto das empresas e dos cidadãos, levando a uma inversão no ciclo de crescimento da economia de um país, neste caso dos EUA. Por outro lado, esta visão conservadora entra em choque com uma das grandes prioridades da política neoconservadora que se prende com o investimento militar. Tal visão limitaria este baluarte do neoconservadorismo. Simplesmente, o neoconservadorismo não vê problemas na existência de um deficit, porque isso não significa necessariamente que a economia esteja estagnada. De certa forma, o que o neoconservadorismo propõe é uma economia mais flexível, independentemente das repercussões a longo prazo.
Do ponto de vista da política externa, Irving Kristol com a sua obra The Neoconservative Persuasion estabelece as ground rules. Destas, destacavam-se a ideia de «patriotismo»; a rejeição da conceção de um governo mundial e de todas as instituições multilaterais; capacidade de distinguir aliados de inimigos; defesa do interesse nacional e promoção da democracia no exterior.
Segundo aquilo que o autor Francis Fukuyama estabelece em America at the Crossroads, «o legado neoconservador é diverso e complexo, cujas raízes podem ser traçadas até ao início dos anos 40» o qual «gerou um corpo de ideias coerente que esteve na base de um conjunto alargado de escolhas políticas internas e externas». Não obstante, sublinha quatro princípios comuns: 1) «Uma preocupação com a democracia, direitos humanos, e mais genericamente com a política interna dos Estados; 2) a convicção de que o poder americano pode ser utilizado para propósitos morais; 3) um ceticismo sobre a capacidade do direito internacional e das instituições internacionais resolverem os principais problemas de segurança; e, 4) uma visão que defende que uma engenharia social ambiciosa, muitas das vezes, leva a consequências inesperadas, menosprezando frequentemente os seus próprios fins».
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Seria com este enquadramento que os novos conservadores desempenhariam um papel relevante na vitória da Guerra Fria, ganhando crédito político junto do Partido Republicano, culminando nas vitórias eleitorais de Ronald Reagan em 1980 e em 1984, na conquista Republicana do Congresso em 1994, e na conquista do poder por parte de George W. Bush a partir de 2000.
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Conservadorismo americano e neoconservadorismo: o debate
Posto isto, quais são as diferenças entre o conservadorismo tradicional e o neoconservadorismo? Por exemplo, Joshua Muravchik, na sua análise em The Neoconservative Cabal, considera que o neoconservadorismo é uma «sensibilidade» que está quase sempre pronta para utilizar o poder americano, partilhando com o conservadorismo tradicional a necessidade de ter uma grande força militar, menosprezando ao mesmo tempo os ideais pacifistas. Todavia, a grande distinção entre esta corrente e o conservadorismo tradicional está na forma mais pró-activa que o neoconservadorismo utiliza o poder militar para garantir a segurança do país.
Outra diferença, enunciada por Muravchik, é que o neoconservadorismo coloca uma carga maior no «aspeto ideológico e político do conflito». Finalmente, o entusiasmo pela democracia. Para os neoconservadores, não há, nem pode haver, reticências ou ambivalências sobre a defesa intransigente da democracia, no espírito do rumo inicialmente trilhado pelos Pais Fundadores (Founding Fathers).
Nas suas raízes históricas e filosóficas, segundo o argumento de Wolfson, em Conservatives and Neoconservatives, «os tradicionalistas olham para Edmund Burke, os libertários olham para Adam Smith ou Friedrich Hayek, e os neocons para Alexis de Tocqueville». Na opinião deste autor, as principais diferenças entre o neoconservadorismo e as suas “rivais” relacionam-se com a forma como veem a política. Para a primeira corrente é uma prioridade, para as restantes duas nem tanto. Por outro lado, os tradicionalistas colocam debaixo dos holofotes de investigação a cultura e a História como o «fator primário das relações humanas», enquanto que o libertarianismo dá prioridade à economia. Nesta linha de encadeamento, outro fator de diferenciação é a afinidade que o neoconservadorismo demonstra pela estrita observância de todos os fatores relacionados com a democracia. Finalmente, o neoconservadorismo, ao contrário do tradicionalismo, não tem qualquer tipo de sentimento nostálgico pelo passado, interpretando o projeto «neo-burkeano» como uma «simples futilidade». Assim sendo, é notória a preocupação em enumerar as virtudes de Tocqueville, caracterizando o conceito do tradicional como de segundo plano, num contexto mais alargado de proteção da democracia americana. Assume-se, portanto, como uma corrente mais pragmática e objetiva, vocacionada para defender o «modo democrático de vida» e as suas «formas constitucionais» no imediato, e não em olhar para os resquícios do passado à procura de respostas para o presente.
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De certo modo, o conservadorismo tradicional olha com nostalgia para o passado de uma América pastoral, puritana, composta por pequenas cidades e comunidades muito próximas, enquanto que o neoconservadorismo, por outro lado, sente-se mais à vontade no modernismo das sociedades contemporâneas.
Outro ponto de distinção entre os conservadores tradicionais e os neoconservadores é a relação com a União Soviética. Com efeito, o centro do conservadorismo tradicional via a relação com a União Soviética como uma relação de poder, desprovida de cariz ideológico, sendo que a melhor forma de lidar com aquele Estado seria através do desenvolvimento de uma política externa tendo por base a détente de Henry Kissinger. Pelo contrário, a batalha ideológica maniqueísta, de contornos morais, era o grande motor do neoconservadorismo na relação com a União Soviética.
Pode-se afirmar com alguma firmeza que o principal ponto de distinção entre o conservadorismo e o neoconservadorismo reside nas raízes filosóficas. Enquanto o neoconservadorismo encontra em Leo Strauss a sua referência mais imediata, e tem em Alexis de Tocqueville o seu legado mais antigo, o conservadorismo americano é guiado pela influência de Edmund Burke.
Distinções à parte, pode-se afirmar que é a partir da década de 70 que o neoconservadorismo define com critério a sua própria dimensão político-ideológica. Primeiro, como um reflexo das suas posições na política interna. E, depois, na definição das suas principais considerações sobre a política externa norte-americana. O compromisso neoconservador com “o modo de vida americano” serviria de ponte ideológica para um aproximar com as prioridades políticas de Ronald Reagan. Assim sendo, a partir desta década, estando num ponto de maturidade ideológica e filosófica, o pensamento neoconservador torna-se mais activo na definição das suas principais reflexões sobre a política externa norte-americana, através da emergência da «segunda geração» do neoconservadorismo.
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Conclusão
Como foi possível constatar, a ascensão do conservadorismo na América, entre os anos 50 e 60 do século XX, está indubitavelmente ligada ao declínio do liberalismo americano, que viu-se perdido entre o New Deal de Franklin D. Roosevelt e a conceção da Grande Sociedade de Lyndon B. Johnson. Em larga medida, o movimento conservador americano teve na sua evolução histórica dois momentos significativos. O primeiro, do ponto de vista da política externa, na luta que manteve, diga-se com sucesso, contra a União Soviética e contra o comunismo, no contexto da Guerra Fria. O segundo, reportando-se à política interna, numa linha política assumida de responsabilização societária dos problemas económico-sociais.
Todavia, o nosso estudo permitiu verificar que o processo de ascensão do movimento conservador americano foi complicado e só conseguiu assumir alguma expressão com o trabalho desenvolvido por William F. Buckley Jr. e, em particular, com a criação da revista conservadora National Review, em 1955. Na verdade, Buckley veio trazer uma nova visão para o conservadorismo americano, agregando a visão tradicional deste conservadorismo com uma visão interna baseada na liberalização económica e com uma visão externa destinada a combater o comunismo. Fundamentalmente, o conservadorismo americano rege-se e define-se pela defesa de quatro pilares; um compromisso inabalável com a liberdade; a protecção da ideia de ordem e tradição; a defesa do Estado de Direito e da crença religiosa.
Desta base ideológica surgiriam um conjunto de ramificações importantes. Desde o libertarianismo de Barry Goldwater com a defesa acérrima daquilo que são os direitos dos indivíduos, o Estado de Direito (rule of law) que se expressa, no limite, na segurança dos direitos constituídos, como o direito à liberdade, à vida e ao desenvolvimento económico; passando pelo conservadorismo paleoconservador de Patrick Buchanan e a sua visão reformista de direita; até ao neoconservadorismo que representou uma rutura com o liberalismo dos anos 60 e 70. Daqui resultará posteriormente uma aproximação de um conjunto de intelectuais ao campo conservador, daí o nome neo (novo) conservador. (Aproximação que far-se-á com ideias distintas do denominado conservadorismo americano.)
A viragem destes intelectuais para o campo conservador teria duas dimensões. Uma relacionada com a política interna – nomeadamente devido a ascensão da denominada Nova Esquerda com a sua plataforma contestatária do Governo Federal – e uma outra direcionada para assuntos de política externa, na luta que estes intelectuais na defesa da democracia contra a União Soviética e o comunismo
Em suma, o conservadorismo americano é determinante para o entendimento não só da complexidade inerente à cultura política norte-americana, mas também da própria evolução histórica do país. As suas raízes são tão importantes que a existência de uma tradição deste conservadorismo pode ser reportado à própria fundação da República Americana. Embora seja conotado como pilar daquilo que seria a base ideológica do conservadorismo presidencial do Presidente Ronald Reagan, é de salientar a sua evolução – e respetivas ramificações –, as quais vieram acrescentar um novo conteúdo empírico ao debate nos EUA. Nesse sentido, cremos que é fundamental ter presente esta complexidade para corrigir um conjunto de imprecisões conceptuais e metodológicas que emergem recorrentemente no debate político norte-americano.
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Referências
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(Este ensaio é mais um fruto da parceria institucional entre o Estado da Arte e o Instituto de Estudos Políticos, da Universidade Católica Portugesa.)
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