por Ziel Ferreira Lopes
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Num país cada vez mais dividido, uma pergunta se torna urgente para garantir condições mínimas de convivência: é possível resolver desacordos sobre que direitos as pessoas têm, de uma maneira racional?
Alguns juristas contemporâneos defendem que não. Para estes céticos radicais, o direito não passaria de um jogo de poder disfarçado sob linguagem normativa. Não existiria uma racionalidade propriamente jurídica, capaz de resolver os conflitos. As teorias da decisão deveriam ser denunciadas como puro charlatanismo. E deveriam ser substituídas por racionalidades externas ao direito, como critérios de justiça social ou de eficiência econômica. Ironicamente, o ceticismo sobre os direitos une radicalismos políticos de esquerda e de direita.
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Outro tipo de cético, mais comum, é aquele que não abre mão completamente do direito, mas apenas confia em verdades que possam ser remetidas a fatos sociais, sem depender de juízos avaliativos. Segundo essa visão, a resolução de desacordos seria possível, mas apenas em alguns casos. Se for provada a ocorrência de um fato e se houver uma regra clara e socialmente reconhecível, atribuindo-lhe consequências jurídicas, esse caso será passível de análise racional segundo o direito. Contudo, se não houver regras claras, sendo possíveis diferentes interpretações, não se poderá falar num controle racional da decisão, a partir de fundamentos estritamente jurídicos. A decisão envolverá fundamentos extrajurídicos, que serão apreciados por cada juiz de modo discricionário.
Uma posição mais complexa do que estas pode ser chamada de juridicamente “agnóstica”. Ela pode evitar discutir se existem sempre fundamentos jurídicos para decidir os casos, de maneira racionalmente controlável. Pode se reservar a dizer apenas que, mesmo se esses fundamentos existirem, eles não podem ser demonstrados de maneira cabal, como ocorre com uma prova empírica ou lógica. Portanto, num desacordo sobre a interpretação do direito, alguém sempre vai poder se apegar teimosamente à sua própria interpretação, sem que se possa provar que ele está errado. O que devemos fazer diante desse impasse?
Tanto quanto possível, devemos deslocar a resolução desses desacordos jurídicos — especialmente aqueles sensíveis a questões políticas e morais — para arenas mais participativas. Na falta de consenso sobre critérios substantivos para identificar o direito, tudo que resta é discutir qual o melhor procedimento. Tal posição pode fundamentar uma crítica ao controle judicial de constitucionalidade, aumentando o poder do Legislativo. Esse seria um espaço institucional mais apropriado do que o Judiciário para resolver desacordos profundos, porque possibilitaria à sociedade fazer um verdadeiro debate moral e político, sem se distrair com argumentos (supostamente) técnicos invocados por um pequeno número de juízes não legitimados pelas urnas. No fim das contas, uma Suprema Corte decide da mesma maneira que o Legislativo, por contagem de votos. Portanto, deveríamos ser práticos, e parar de sonhar com uma racionalidade jurídica para lidar com os desacordos, ou com um critério especial que distinga o argumento jurídico dos demais.
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Até aqui, tentei resumir[1] as respostas mais frequentes para se negar a racionalidade na solução de desacordos jurídicos. Todas elas parecem ter o charme da crítica, que nos revela como as coisas realmente são. Apesar disso, é possível defender que todas elas contrariam algum aspecto relevante de nossas práticas efetivas, sob um olhar mais detido: (i) juristas totalmente céticos têm dificuldades de explicar como as pessoas se entendem com relação às normas presentes em nosso ordenamento, especialmente as regras claras sobre as quais há grande concordância; (ii) juristas não cognitivistas morais têm dificuldades de explicar como nos entendemos com relação a alguns princípios jurídicos que justificam decisões, mesmo nos casos mais difíceis; (iii) juristas “agnósticos” parecem contrariar uma crença bem difundida, de que um desacordo sobre direitos é diferente de um puro desacordo político. Direitos não parecem ser algo sobre o que possamos fazer escolhas.[2] Sentimos aversão por julgamentos arbitrários ou irresponsáveis. Mais do que isso: muitas pessoas acharão atraente e intuitiva a ideia de que uma decisão jurídica deve se basear na melhor interpretação do direito, aquela que mais se harmoniza com seus princípios justificadores.
Alguém poderia tentar diminuir a importância desses fenômenos, chamando-os de ilusões coletivas. Contudo, é preciso reconhecer que eles têm vigência concreta, geram expectativas de comportamentos e organizam nossa vida social. Quanto mais se difunde essa atitude de levar os direitos a sério, mais ela gera o que se pode chamar de “progresso jurídico”.[3] Os sistemas de justiça que temos hoje seriam um sonho distante séculos atrás, quando o poder era absoluto e as decisões judiciais não prestavam contas de seus fundamentos a outros intérpretes do direito. Por isso, por mais desanimados que estejamos com o funcionamento do Judiciário, não podemos perder de vista as conquistas que já alcançamos no sentido de racionalizar o direito, sem as quais nosso mundo seria inteiramente diferente.
É claro que esse debate está longe de ser simples. Existem maneiras bastante sofisticadas de defender posturas céticas, não cognitivistas morais ou “agnósticas” no direito. Contudo, os fenômenos apontados aqui são suficientes, ao menos, para que se considere uma outra hipótese: que seja possível resolver desacordos sobre direitos, de maneira racional, a partir de fundamentos jurídicos.
Mas como isso poderia ser feito? Quais critérios poderiam legitimar uma interpretação como superior às demais? E como lidar com as dificuldades práticas de gerar consensos entre juízes de carne e osso? Eis as questões que pretendo discutir nesse breve ensaio. Para tanto, recorrerei ao debate entre Ronald Dworkin e Cass Suntein, dois dos juristas mais destacados de nosso tempo.[4] Depois de apresentar suas visões e ilustrá-las didaticamente, mostrarei algumas consequências que podem ser tiradas desse debate para a prática jurídica. Por fim, esboçarei algumas notas sobre o papel da racionalidade jurídica numa democracia em crise.
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1) Dois modelos para resolver os desacordos: integracionismo e minimalismo
A questão dos desacordos jurídicos se coloca quando admitimos que as normas jurídicas não são autoevidentes. Portanto, não seria possível aplicar a lei ao caso de uma maneira mecânica, chegando sempre a um mesmo resultado que satisfizesse a todos. Mas, então, o que fazer quando dois juristas chegam a duas soluções diferentes para um mesmo caso? O que fazer quando provas empíricas e lógicas não são possíveis?
Para Dworkin,[5] uma decisão deve partir das leis, precedentes e doutrinas pertinentes ao caso, identificar quais os princípios que os justificam e tomar a decisão que os mais promova. Aqui não se busca uma simples derivação de uma lei para um caso. O julgamento envolve um esforço (holístico) de integrar o caso em toda uma rede normativa.
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Se duas interpretações forem possíveis, deve-se priorizar aquela que mais se ajusta ao material jurídico básico e que mais o justifica. Aproveitemos um exemplo[6] de Dworkin para mostrar esse modelo em funcionamento: num famoso caso americano, um neto assassinou seu avô para se apoderar da sua herança. Não havia regra no direito local impedindo que ele a recebesse. No tribunal, parte dos juízes decidiu a seu favor. Contudo, a maioria dos juízes entendeu que ele não poderia receber a herança, porque isso contrariava um princípio fundamental a diversos institutos jurídicos de que “ninguém pode se beneficiar de seus próprios malfeitos”. Para Dworkin, essa interpretação é que deveria prevalecer, por levar em conta o todo coerente do direito.
Essa teoria do direito como integridade tem a vantagem de ser intuitiva, por se basear em critérios interpretativos que já operam na prática jurídica, quando nos entendemos. Contudo, muitos autores passaram a criticar Dworkin por ter aumentado a discricionariedade judicial, apesar de suas boas intenções. A popularização do conceito de princípios serviu como disfarce técnico para o abuso de argumentos políticos-morais no direito.
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Nesse contexto, Sunstein[7] apareceu como um interlocutor privilegiado, por trazer o debate para a prática sem menosprezar a demanda por legitimidade do raciocínio jurídico. Inicialmente, os pressupostos interpretativos de Sunstein eram bem parecidos com os dworkinianos. Contudo, ele observou vários fatores que foram levando-o a uma autorrestrição: os riscos de erro em decisões judiciais muito ambiciosas; o refluxo negativo que elas geram no debate público, prejudicando até os grupos protegidos pela decisão; a dificuldade de se chegar a acordos sustentáveis entre os juízes numa sociedade plural; e as vantagens na deferência a instituições com maior capacidade técnica e legitimidade política para decidir.
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Destacou-se, então, por defender um “minimalismo judicial”, segundo o qual os juízes deveriam decidir de modo raso e estreito, sem tentar abarcar muitos casos ou aprofundar-se quanto a valores, sempre que faltassem informações para um julgamento confiante. Deveriam recorrer a regras, analogias e, quando fosse necessário, a princípios de baixa abstração. Para Sunstein, isso facilitaria a obtenção de acordos sobre resultados práticos, evitando disputas sobre fundamentos espinhosos, que seriam mais bem resolvidos por outras instituições. Os exemplos mais marcantes de Sunstein dizem respeito a decisões da Suprema Corte que terminaram acirrando os conflitos políticos, chegando até a prejudicar as próprias pessoas que tentou proteger.
Há muito a dizer numa comparação entre esses modelos decisórios. Mas, antes de tudo, é necessário entender por que ambos os autores estão apontando para aspectos relevantes na resolução de desacordos jurídicos.
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2) Uma ilustração didática
Uma ilustração interessante de como essas duas lógicas estão presentes na prática jurídica pode ser buscada numa cena do filme Suprema (lançado no Brasil em 2019), a cinebiografia da juíza Ruth Bader Ginsburg, da Suprema Corte dos Estados Unidos.
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Na juventude, Ginsburg atuou como advogada em defesa dos direitos das mulheres, num movimento para reconhecer a inconstitucionalidade das milhares de leis em seu país que estabeleciam discriminação de gênero. Naquele contexto dos anos 70, o Judiciário americano vinha desempenhando um papel importante na luta contra o racismo. O princípio que conduzia o argumento de Ginsburg era que a discriminação de gênero feria a igualdade garantida pela Constituição, do mesmo modo que a discriminação racial. Não havia razão que justificasse a aplicação do princípio em um caso e não no outro, tratando-se de distinção arbitrária. Essa é a conclusão a que se chega ao analisar o caso concreto à luz do todo coerente do direito.
Contudo, a preocupação dos colegas de Ginsburg era que tal linha de raciocínio espantaria os juízes, os quais temeriam abrir um precedente extremamente revolucionário, que levaria a uma avalanche de processos judiciais para derrubada de leis. Por isso, insistiam que Ginsburg deveria arguir apenas o caso em questão, estrategicamente escolhido, no qual um homem solteiro sofreu discriminação ao tentar deduzir dos impostos seus gastos nos cuidados com sua mãe idosa, benefício tributário que a lei só garantia a mulheres. Caso os juízes reconhecessem que a lei, naquele caso, contrariava a Constituição, isso implicaria em algum reconhecimento institucional contra leis que discriminam com base em gênero, abrindo uma brecha a ser explorada depois em favor das mulheres. Ainda haveria uma longa luta pela frente em outros processos, mas seria melhor garantir uma pequena conquista do que arriscar tudo para estabelecer um precedente mais ambicioso.
A busca por integridade de Ginsburg, partindo de uma análise do caso concreto até reconciliá-lo com princípios mais gerais, era fundamental para legitimar seu argumento. É isso que nos faz chegar racionalmente a esse resultado e reconhecer essa interpretação do direito como correta. Não havia justificativa para aplicar o princípio da igualdade apenas a questões raciais e não a questões de gênero. Mas a atitude minimalista de discutir um caso de cada vez perante a Corte seria uma estratégia adaptada às dificuldades práticas que enfrentava para obter o consenso necessário à decisão. Por tudo isso, é possível perceber como os dois movimentos fazem parte do raciocínio jurídico. Por sinal, a solução retratada no filme é conciliatória: num primeiro momento, focar estrategicamente no caso, de uma perspectiva tributária; num segundo momento, construir a base substantiva do precedente, o argumento de princípio que se espera avançar sobre a igualdade de gênero.
Também seria possível chegar a uma combinação teórica de elementos desses dois modelos decisórios? Foi isso que tentei fazer em minha tese de doutorado,[8] numa investigação que não caberia nesse espaço. Meu foco aqui será bem mais modesto. Tentarei apenas mostrar um importante ponto comum entre os autores, a partir do qual se podem retirar algumas consequências para nossa prática jurídica.
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3) Consequências práticas
Ao analisar o debate Dworkin-Suntein, um dos pontos mais interessantes é ver como podemos reconhecer as dificuldades práticas para se obter consensos sobre o direito, sem abrir mão da legitimação racional nas decisões.
Ambos os autores reconhecem que existe alguma racionalidade jurídica operando, à qual podemos recorrer para solucionar desacordos. A interpretação superior será aquela que tornar o direito mais coerente, embora os autores divirjam sobre o grau em que essa coerência deve ser buscada, se de modo integracionista ou minimalista. Esse ponto em comum já é suficiente para eliminar extremos do debate sobre decisões — tanto o racionalismo ingênuo, que pensar bastar deduzir uma norma pronta do texto, quanto o irracionalismo, que pensa que nenhuma relação entre norma e texto é possível.
Dessa base teórica, já se podem tirar algumas consequências práticas. Não são racionalmente aceitáveis decisões que: invocam princípios sem demonstrar seu ajuste e justificação, ou que defendem a prevalência de um princípio sobre outro sem compará-los nessas dimensões relevantes; apenas reproduzem leis ou decisões anteriores, sem debater sua relação com o caso e as razões de decidir que podem ser desenvolvidas a partir delas; negam-se a comparar qual a melhor interpretação — invocando, por exemplo, um “livre convencimento motivado do juiz” como álibi para decisionismos, uma “confiança no juiz da causa” para não rever decisões, uma “desnecessidade de enfrentar os argumentos levantados pelas partes”, etc.
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4) Racionalidade jurídica e democracia
Ainda que eu não tenha sensibilizado o leitor para a relevância desse marco teórico Dworkin-Sunstein, permito-me insistir numa tese mínima: alguma racionalidade jurídica é necessária para sustentar o projeto de democracia que perseguimos até aqui.
Obviamente, não estou defendendo a eliminação de todos os desacordos jurídicos — cuja existência faz parte da democracia —, mas apenas que eles se tornem “tratáveis” pelo argumento. Sem essas balizas discursivas, os conflitos sociais podem se acirrar cada vez mais, levando à imposição de interesses majoritários ou mesmo de minorias violentas. Nessa visão, o direito estabelece limites racionais à disputa democrática.
Um aspecto menos óbvio dessa tese é que precisamos de racionalidade jurídica para dialogar, mesmo que isso não leve a uma obtenção imediata de acordos. A troca de argumentos sobre o que é justo é algo por si mesmo valioso. Ela nos força à autorreflexão. Nos faz pensar que existem compromissos fundamentais de uma sociedade que não estão abertos à negociação. E que, ao se honrar esses compromissos, os cidadãos devem ser tratados com igualdade, não se admitindo discriminação ou decisões ad hoc. Nessa visão, o direito ajuda também a promover um debate público mais racional.
Ao defender a jurisdição constitucional, Dworkin lembra que ela “obriga o debate político a incluir o argumento acerca do princípio”.[9] A despeito de eventuais erros judiciais, o simples fato de ter essa instância reflexiva funcionando pode ter sido fundamental para a formação de uma cultura jurídica que superou consensos injustos e reconheceu novos direitos.
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“O melhor que fazemos é trabalhar, abertamente e com boa vontade, para que o argumento nacional de princípio oferecido pela revisão judicial seja o melhor argumento de nossa parte. Temos uma instituição que leva algumas questões do campo de batalha da política de poder para o fórum do princípio. Ela oferece a promessa de que os conflitos mais profundos, mais fundamentais entre o indivíduo e a sociedade irão, algum dia, em algum lugar, tornar-se finalmente questões de justiça. Não chamo isso de religião nem de profecia. Chamo isso de direito.”[10]
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É certo que outros desenhos institucionais podem ser defendidos. A jurisdição constitucional não é um fato da natureza. O importante a reter aqui é que nosso debate sobre instituições deveria cultivar essa mesma meta, de melhorar o desempenho deliberativo em nossa democracia, sem precisar cair em idealizações — que muitos críticos dos modelos deliberativos de democracia tentam lhes atribuir.
Depois de todas essas reflexões, cabe uma palavra sobre o caso brasileiro. Sabemos que extremistas vêm anunciando o fracasso da racionalidade jurídica e defendendo o fechamento das instituições encarregadas de implementá-la, como o STF. A polarização os leva à seguinte lógica: se os juízes não estão alinhados politicamente a seu grupo, é porque estão alinhados ao outro grupo. Não há uma terceira alternativa, uma posição jurídica acima do jogo de interesses.
Esse ceticismo jurídico precisa ser combatido. É verdade que nossa Corte tem muitos defeitos. Mas isso não quer dizer que ela não acerte, que seus membros se confundam com puros atores políticos, e que ela não seja uma instituição jurídica que valha a pena conservar.
A hipótese racional merece ser perseguida. Talvez seja tudo que tenhamos como “luz no fim desse túnel”. A autoridade do STF pode (e deve) ser resgatada pela argumentação jurídica disciplinada. Infelizmente, mudanças desse tipo não ocorrem espontaneamente e de uma hora para outra. Para gerar uma nova cultura institucional, serão necessárias reformas de pequena escala para incentivar decisões mais fundamentadas, além de críticas contínuas da comunidade jurídica para fiscalizar seus erros.
Afinal, a crise brasileira pode estar funcionando como catalisador desse processo. Ela representa o teste máximo sobre a capacidade do STF agir como Corte, e não como as “onze ilhas”[11] de que tanto se falava. Os ministros precisarão chegar a razões comuns, a consensos baseados em verdades jurídicas[12] e não na mera agregação de opiniões individuais. Para tanto, não é necessária uma súbita conversão de todos ao republicanismo. Basta um mínimo cálculo racional. Só assim decisões judiciais serão capazes de se sustentar no debate público, sem incentivar suas piores paixões.
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Notas:
[1] Tentei formular posições arquetípicas, para os fins desse debate, sem pretensão de captar qualquer autor em toda sua complexidade.
[2] Nesse sentido, Lenio Streck fala na diferença entre decisão e escolha, a partir das reflexões de Heinrich Rombach. Defende que as questões jurídicas se ligam ao primeiro conceito. Veja aqui: https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/espacojuridico/article/download/11996/pdf/.
[3] Aqui, me inspiro no “argumento do progresso moral” formulado por Denis Coitinho nesse mesmo espaço do Estado da Arte: https://estadodaarte.estadao.com.br/argumento-progresso-moral-coitinho/.
[4] Falecido em 2013, Dworkin foi considerado por muitos o jusfilósofo mais importante do século XX. Sunstein, por sua vez, é o jurista mais citado do mundo atualmente, e ocupou o cargo de Administrador do Escritório da Informação e Assuntos Regulatórios da Casa Branca, de 2009 a 2012.
[5] DWORKIN, Ronald. O império do direito. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014.
[6] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a se?rio. 3. ed. Sa?o Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 23-72.
[7] SUNSTEIN, Cass. Legal reasoning and political conflict. New York: Oxford University Press, 2018.
[8] Que se encontro no prelo. Para maiores informações: https://www.conjur.com.br/2020-jun-15/pesquisa-defende-aproximacao-entre-teoria-pratica-jurisdicional
[9] DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Martins Fontes: São Paulo, 2005. p. 102.
[10] DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Martins Fontes: São Paulo, 2005. p. 103.
[11] Cunhada por Sepúlveda Pertence, ex-ministro do STF.
[12] Sobre esse profundo debate: STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
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