por Irapuã Santana
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O texto a seguir é um resumo de minha tese de doutorado aprovada na UERJ, em 24/07/2020, sob orientação do ministro Luiz Fux e co-orientação do professor Humberto Dalla.
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O segundo pós-guerra foi responsável por uma revolução nas estruturas de poder de todos os países do mundo. A criação de constituições sociais gerou um novo tempo na relação entre a sociedade e o Estado e transportou, como consequência, a tutela jurisdicional para o centro do debate ao redor do globo. As transformações políticas, sociais e econômicas ocorridas nos países com o advento do Estado Social, as tensões entre o socialismo e o capitalismo, tiveram suas influências no Estado-Juiz, que passa a regular novas questões, novos direitos e começa a se inserir em assuntos específicos, de natureza privada, e até nos rumos políticos que serão tomados por uma nação.
No Brasil, isso é visto com muita clareza a partir do advento da Constituição de 1988 e, com isso, foi possível assistir ao boom das ações em que se pleiteia ao Estado o fornecimento de medicamentos, às ações de defesa do consumidor, ao ativismo jurídico, a dois impeachments e outras questões de grande repercussão nacional. O resultado dessa linha do tempo de 30 anos é tratar o fenômeno da chamada cultura de superlitigância, do abarrotamento do Poder Judiciário, bem como da chamada ditadura do Poder Judiciário. Nesse período, o Código de Processo Civil (CPC) de 1973 passou por diversas reformas pontuais e, em 2015, deu lugar a um novo Código, com o objetivo de tornar o processo mais (i) célere e (ii) igualitário.
Entretanto, essas questões somente identificam problemas que não guardam relação com a lei em si, mas sim com comportamentos de todos que atuam de alguma maneira no processo. Nesse momento poderia vir um contra-argumento para dizer que a lei molda a atividade do homem. Será?
É intuitivo que os processos no país demoram mais do que precisariam e não raro temos notícias de processos se estendendo por mais de 10 anos. Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que esta preocupação não é recente e também não é exclusiva do Brasil. Tanto é assim que a Corte Europeia de Direitos Humanos já tratou do tema diversas vezes, considerando a duração razoável do processo um direito fundamental[1]. Afinal, “Justiça retardada é Justiça denegada”.
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Assim, é preciso entender como o passar do tempo influencia no desenvolvimento do processo, principalmente se considerarmos um dado importantíssimo: em 80% do tempo total de duração de um processo ele se encontra completamente parado, sem qualquer movimentação[2].
Considerando esse cenário, os prazos estabelecidos em lei para a prática dos atos processuais são, ao nosso modo de ver, completamente irrelevantes, porque o tempo de demora entre um ato processual e outro é incomparavelmente maior do que o determinado pela legislação. O comum é que um pedido apresentado ao juiz da causa demore dois meses para ser apreciado, sendo que os prazos de manifestação constantes do Código de Processo Civil são de 5, 10 ou 15 dias, a depender da situação.
E por que isso acontece?
Ainda que funcionários do Judiciário tenham muitos incentivos para trabalhar mais e melhor, há inegavelmente um déficit de servidores. Isso porque o país conta atualmente com nada menos que 106.800.000 de processos, conforme dados expostos pelo Conselho Nacional de Justiça[3]. Quando levamos em consideração os 210.883.400 de habitantes do país[4], concluímos que existe mais de um processo para cada brasileiro, já que um litígio se faz com, no mínimo, duas partes (autor e réu).
Isso resultou numa grande crise do Judiciário, que tem muita demanda e quadro de funcionários insuficientes para atendê-la. Esse panorama ocorre, basicamente, pelo fato de a nossa constituição prometer tudo e, nas palavras do ministro Luís Roberto Barroso, “só não traz a pessoa amada em três dias”[5].
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Uma Constituição que promete que o Estado tudo proverá, e também abre as portas do Judiciário para toda a sociedade, acaba por lhe jogar uma carga imensa de responsabilidade. Como consequência, a exemplo do que ocorre com o restante dos outros poderes, o Judiciário passa a não corresponder aos anseios da população a quem deveria servir.
Tal conclusão está traduzida nos números de litigantes, onde encontramos o Estado, através de sua administração pública direta e indireta, no topo da lista, sendo responsável por mais da metade dos litígios judiciais do país[6]. Resta, portanto, a seguinte pergunta: o CPC/2015 vai diminuir esse fluxo?
A resposta é infalivelmente negativa. O novo Código trouxe mecanismos de contenção e combate da consequência, mas a causa continua sem tratamento, qual seja, o tamanho do Estado. Assim, a celeridade e o nosso desejo de ter uma resposta rápida e real (traduzida na efetividade) do Judiciário não passam de mera ilusão.
Outro grande problema também identificado é que processos iguais, muitas vezes, são decididos de forma diferente pelo Judiciário, o que gera insegurança não somente quanto à prestação jurisdicional, mas, inclusive a nível econômico. Que empresa vai investir em um lugar que não se pode prever minimamente seus custos com ações judiciais possíveis?
O CPC/2015 tem muitos institutos em vários dispositivos para diminuir essas contradições do sistema que violam o princípio da igualdade e trazem consequências nefastas para nossa economia, mas se os tribunais não entenderem seu papel, de nada adiantará.
Como havia mencionado anteriormente, a mera previsão em lei não assegura a existência de efeitos práticos no mundo dos fatos.
A título exemplificativo, basta rememorar que, quando do advento do CPC/2015, houve uma mudança significativa com relação à contagem de prazos processuais, a qual apenas ocorreria em dias úteis. Assim, se o advogado tem 10 dias para se manifestar começando na segunda, ele tem até a sexta-feira da semana seguinte para fazê-lo. Entretanto, o CNJ estabeleceu, num primeiro momento, que essa regra não se aplica aos juizados especiais, porque atentaria contra o princípio da celeridade. Todavia, a técnica jurídica não permite esse tipo de posicionamento, tendo em vista que a lei que rege os juizados especiais (Lei n° 9.099/95) não disciplina o tema, restando ao CPC/2015 sua regulação, de modo subsidiário. Nessa linha, para além da alteração indevida e arbitrária na legislação processual, ao suposto argumento de privilégio do princípio da celeridade, na prática, alterar o modo de contagem de prazo de dias úteis para dias corridos é irrelevante perto do tempo em que o processo ficou efetivamente parado, como já exposto.
Portanto, a necessidade de uma nova legislação não cuida de resolver os questionamentos subsequentes, haja vista que a inovação legislativa, além de não combater a real origem do verdadeiro problema, não vem, de fato, sendo cumprida integralmente pelos operadores do direito.
Dessa forma, fica muito claro que uma lei nova acompanhada de muitas promessas — de políticos e juristas — no sentido de haver uma diminuição imediata na duração do processo e maior unidade do sistema, sozinha, não terá o condão de realizar mudança alguma.
É preciso, pois, ir além e observar o conjunto que circunda a nova legislação e forma o sistema de justiça, quais sejam, jurisprudência e sociedade — enquanto partes —, analisando, ao longo das próximas reflexões, os diversos mecanismos trazidos pelo CPC/2015 e sua repercussão à luz da jurisprudência e do jurisdicionado, visando ao entendimento e aprimoramento dos incentivos processuais necessários para se atingir um melhor acesso à justiça, entendido também como uma prestação jurisdicional mais efetiva e adequada.
Em um trabalho diagnóstico, no qual buscamos responder algumas perguntas relativas ao acesso à justiça, a fim de promover novas soluções, a proposta se volta a compreender a evolução desse princípio ao longo do tempo, utilizando ferramentas auxiliares interdisciplinares, como a economia, a estatística e a psicologia.
Essas ferramentas nos dão subsídios para sedimentar, com evidências empíricas, questões intuitivas, como a ausência de confiança no Poder Judiciário, bem como desmistificar outras, como a chamada cultura de super litigância no país.
Hodiernamente, vemos que cada vez mais o Poder Judiciário ganha importância na vida dos cidadãos, tanto do ponto de vista individual, quanto do coletivo. O acesso à justiça se torna mais relevante na medida em que novos direitos surgem e novas relações vão sendo construídas ao longo do tempo. Assim, em estudo paradigmático acerca da prestação da tutela jurisdicional, Mauro Cappelleti identificou três questões que deveriam ser melhoradas para o Judiciário cumprir seu papel, quais sejam, (i) o aumento da entrada da população pobre; (ii) a coletivização das demandas; e (iii) procurar formas ótimas de se interpretar os institutos do processo para se obter a execução do serviço público mais concreta, em seu objeto.
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Assim, foi preciso estudar e delimitar uma definição mais contemporânea de acesso à justiça, chegando-se à conclusão de que se trata de um princípio multifacetado, no qual, apenas na primeira fase, encontra-se com o direito de ação, no sentido de ser o direito de provocar o Judiciário.
Dessa forma, o princípio do acesso à justiça é aquele segundo o qual se confere a todo indivíduo o direito de exigir do Estado uma tutela jurisdicional efetiva e adequada. Assim, temos que o exercício da jurisdição deve ser devidamente prestado, respeitados todos os parâmetros constitucionais previamente estabelecidos pelo sistema.
De natureza quase que absoluta, porquanto a provocação seja impossível de se obstar, foi preciso compreender que ele também engloba a noção de se exigir a implementação de um processo justo, com a observância de todos os princípios constitucionais incidentes no processo, para que cada garantia seja respeitada e, dessa forma, encontrar um caminho legítimo de atuação estatal, de modo a realizar a justiça no caso concreto, com sua incidência em cada etapa do processo.
Com isso, identificamos três espécies de incentivos sistêmicos que incidem sobre o princípio ora analisado, sendo eles: (i) legais; (ii) sociais; e (iii) judiciais, que se relacionam entre si, num movimento cíclico que se retroalimenta, tanto de maneira positiva, quanto de modo negativo.
Se considerarmos os incentivos legais como as normas editadas pelo legislador para estabelecer um determinado comportamento humano, podemos ter em mente que o CPC/2015 fornece uma série de ferramentas que estão ao alcance do intérprete de implementar, seja no plano interno estatal, quanto no social, bem como judicial.
Assim, compreender como foi construído o CPC/2015 possibilitou identificar o potencial existente no mundo normativo de viabilizar uma ampla tutela jurisdicional em sua extensão horizontal, no número de jurisdicionados atendidos, bem como no sentido de profundidade, que se traduz na relação com a qualidade prestacional do serviço.
A partir do estudo dos vários institutos do CPC/2015, destacamos as normas fundamentais, onde aprofundamos na análise do princípio da eficiência a fim de encontrar a possibilidade de maximizar o acesso à justiça. Afinal, um Judiciário que não é eficiente pode e deve melhorar sua prestação. Dessa forma, desenvolvemos nosso trabalho a fim de buscar elementos que pudessem conduzir a um panorama comparativo da instituição com relação às demais nacionais e internacionais.
Verificamos sua ineficiência alocativa frente aos demais países do mundo, demonstrando uma necessidade de reformulação do quadro, que impacta de sobremaneira no acesso à justiça, porquanto também gera déficit de qualidade, apesar de sua alta produtividade numérica. Em outras palavras, o nosso Judiciário se mostra muito caro, tendo como referência as demais instituições nacionais e internacionais. Em contrapartida, apesar da alta produtividade em números, a qualidade das decisões não agrada o jurisdicionado, até porque é impossível dar conta de todo o acervo, com a observância de todos os princípios constitucionais necessários.
Isso faz com que seja evidenciada também uma ineficiência produtiva, uma vez que a qualidade das decisões é questionável e os recursos são vultosos, do que se conclui que o critério de economicidade essencial para que haja um amplo e profundo acesso à justiça é inobservado.
Portanto, foi necessário buscar na legislação os incentivos necessários para conquistar essas finalidades de acessar à justiça de um modo mais efetivo e eficiente. Com isso, temos a segurança de nos posicionar pela existência de diversos mecanismos no CPC/2015 que contêm o potencial de ampliar e aprofundar esse princípio, desde que aplicados de modo correto, especialmente aqueles que fixam teses que podem incidir em demais casos espalhados na sociedade.
Em um segundo momento, observamos que os incentivos sociais se relacionam naturalmente com a edição das leis, assim como na forma de trabalho do Poder Judiciário, entendidos como a influência das pessoas na atuação das instituições, podendo gerar criação de leis sobre determinadas matérias sob o enfoque de específicas inclinações ideológicas, bem como a construção em conjunto de decisões judiciais.
Para tanto, foi preciso revisitar a lição revolucionária de Mauro Cappelletti sobre acesso à justiça, com o auxílio da análise econômica do direito e da psicologia para saber se os agentes atuantes no processo poderiam responder como a sociedade deseja.
Através de uma pesquisa empírica pioneira, realizada numa amostra de quase duas mil pessoas, com dados depurados sob o prisma da economia e da psicologia, encontramos grandes fatores que formam barreiras de acesso ao Poder Judiciário, que demonstraram como o brasileiro tem grande resistência em procurar a tutela jurisdicional para resolver seus problemas.
Pessoas que ganham entre um e três salários mínimos (36%), ou mesmo abaixo de um salário mínimo (28%), somente acham que vale a pena ingressar com uma ação na justiça se tiverem um prejuízo no valor de mil reais, que representa mais ou menos um salário mínimo atualmente. Ou seja, pessoas com poder aquisitivo relativamente baixo estão dispostas a suportar grandes perdas pecuniárias antes de tomar a decisão de ajuizar uma ação.
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Nesse contexto, nós vemos que, ao contrário de uma cultura de super litigância, o brasileiro médio tem uma tolerância fortíssima e grande resistência para ingressar no Judiciário. Isso quer dizer que o cenário de mais de 100 milhões de processos que existem tramitando no país, apesar de representarem absurdo número absoluto, seria ainda pior se o brasileiro não tivesse tanta resistência ao ajuizamento de ações.
Em um português claro, para o brasileiro médio, a dor de cabeça de um processo judicial não compensa. E essa tolerância, conforme identificado, é progressiva de acordo com a renda do entrevistado.
É possível atestar sintomas do comportamento do brasileiro no concernente à tendência a realizar acordo na audiência de conciliação/mediação, bem como a aceitação do resultado do processo e também sua inclinação à interposição posterior de recurso, conforme dados do quadro abaixo:
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Os dados levantados, por sua vez, possibilitaram um cálculo nunca antes realizado em nosso ordenamento jurídico: o do impacto exato da jurisprudência sobre o estado da (in)segurança jurídica no país.
Em números absolutos, no ano de 2019 foram recebidos no STJ um total de 384.900 processos, o que representou um crescimento de 11,1% (38.581) em relação ao último ano. Desses quase 385.000, apenas 88.045 (22,8%) são originários do próprio STJ, ou seja, a maioria absoluta do que chega ao STJ é recurso. Isso quer dizer que apenas no ano de 2019, 242.025 recursos em tese não chegariam a esse tribunal superior, caso sua função de assentamento da jurisprudência fosse devidamente executada.
Por sua vez, o STF também se beneficiaria dessa situação. O acervo atual de nossa Suprema Corte é de 17.589 processos recursais, entre Agravo de Instrumento, Recurso Extraordinário e Agravo em Recurso Extraordinário, equivalendo 52,91% do total.
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Acrescente-se ao nosso raciocínio que o Tribunal Constitucional proferiu 115.874 decisões em 2019. Dessas, 81.340 são referentes aos recursos, o que equivale a 70,19% do total. Quando falamos em efeitos da insegurança jurídica, podemos quantificar que o STF teria que proferir 51.146 decisões a menos no ano de 2019, impactando 11.059 processos recursais, que nunca teriam chegado à nossa instância máxima do Judiciário.
Cremos ser um número extremamente alto que desobstruiria o Judiciário num efeito cascata, podendo atingir milhões de pessoas, possibilitando um aumento de espaço e tempo para que a justiça se debruce sobre outras questões mais complexas e distribua a prestação da tutela jurisdicional de modo mais eficiente.
Calculamos, ao final desse aspecto da pesquisa, a nota do Judiciário concedida pela sociedade, com uma média geral de 4,36 — em uma escala de 0 a 10 — evidenciando o pouco grau de confiança que detém a instituição.
A partir desse ponto, trouxemos, como instrumento de auxílio para compreender esse fenômeno e seus efeitos, a Psicologia Social, na especificidade da Teoria da Profecia Autorrealizadora, a qual explica como um pensamento ou conceito pode produzir efeitos futuros sobre terceiros. Breve relato sobre o conceito da teoria segue abaixo.
Em 1932 o Last National Bank era uma instituição bancária estadunidense rentável. Após rumores de que não teria condições para pagar o que devia, depositantes retiraram suas economias. Assim, o banco não manteve a maior parte das poupanças dos depositantes em dinheiro e, portanto, não pode pagar a todos, declarando falência.
Assim, a definição de que o banco seria insolvente se tornou autorrealizável. A análise tradicional dessa situação, na sequência causal descrita anteriormente, mostra que (i) rumores indicaram que o banco estaria insolvente; (ii) os depositantes, portanto, retiraram suas economias do banco; (iii) por causa da retirada das economias o banco se tornou insolvente.
Essa parábola foi utilizada deliberadamente para se referir ao colapso financeiro que ocorreu nos Estados Unidos da América em 1929, a Grande Depressão.
Nessa perspectiva, voltando para o nosso caso concreto, a baixa expectativa da sociedade sobre o Judiciário leva a (i) evitar ao máximo acessá-lo; (ii) uma vez utilizado o serviço, querer encerrar tão logo quanto possível o processo; e (iii) recorrer o máximo possível, tendo em vista a não sedimentação dos temas pelos Tribunais de modo devido.
Por fim, chegamos aos incentivos judiciais, que funcionam como a forma de modulação do comportamento das pessoas em geral, mesmo que elas não tenham participado do processo diretamente.
Assim, a ideia inicial é de que haveria, a partir da sedimentação da jurisprudência em uma determinada matéria, um mandamento para toda a sociedade, que agiria como uma espécie de norma tacitamente observada por todos.
Da mesma forma, quando não há uma organização jurisprudencial acerca de um tema específico, isso também constrói o comportamento das pessoas, que não vão se sentir seguras em adotar posturas aconselhadas ou mesmo impostas pelo Poder Judiciário.
Para tanto, elegemos os Tribunais Superiores, STF e STJ, na função de Tribunais de produção de teses que se irradiam para todo território nacional, avaliando alguns casos concretos e sua mensagem aos demais órgãos jurisdicionais e à sociedade brasileira.
Descobrimos que a busca pela fixação de tese, enquanto precedente a ser seguido, ainda tem um longo caminho pela frente, sendo certo que os ministros do STF têm dificuldade de utilizar o mecanismo da Repercussão Geral devidamente, por exemplo.
Os precedentes, conforme exposto, são tratados como efêmeros, com o Tribunal mudando posicionamentos em um espaço de apenas seis meses, ou, em caso mais grave ainda, ministro não aplicando tese fixada há pouquíssimo tempo[7].
Conforme apresentado, esse tipo de comportamento cria óbices que somente podem ser mitigados, não especificamente pela utilização das ferramentas concedidas pelo CPC/2015, mas sim por uma mudança de comportamento na própria prestação da tutela jurisdicional. Entretanto, quando o próprio Tribunal que proferiu o posicionamento não o respeita, é um incentivo aos demais fazerem o mesmo.
É importante adotar uma postura que privilegie e fortaleça o decidido pelo colegiado dos tribunais, gerando estabilidade nas decisões em efeito cascata até que isso passe para a sociedade em geral, que reconhece a grande importância dos Tribunais Superiores.
Assim, para termos o princípio do acesso à justiça em sua máxima potência, precisamos entendê-lo como multifásico, como o direito a ter direitos, cuja observância obrigatória gera o processo justo, dentro de um Judiciário eficiente e efetivo, cujas decisões sejam respeitadas pelo próprio, em todos os seus órgãos, propiciando maior incentivo à confiança pela sociedade — saindo de um ciclo vicioso e formulando um ciclo virtuoso, no qual o jurisdicionado possa ingressar com uma ação livremente, sem qualquer receio, sabendo as probabilidades de seu êxito e aceitando o resultado, com a consciência de que ele foi obtido por um meio completamente legítimo e, por conseguinte, formando rota de diminuição exponencial dos problemas do prestação da tutela jurisdicional.
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Notas:
[1] GUINCHARD, Serge et alii. Droit processuel – Droit commun et droit comparé du procès équitable. 5ª ed. Paris: Dalloz, 2009. p.1016. Neste sentido, merece menção o importante posicionamento adotado pela Corte Europeia de Direitos Humanos, no denominado caso Hornsby vs. Grécia, julgado em 19/03/1997, no qual se entendeu que o direito à execução dos julgamentos é uma das garantias do processo justo, cuja falta acarretaria na existência de um acesso à justiça meramente abstrata, teórica.
[2] Análise da Gestão e Funcionamento dos Cartórios Judiciais Ministério da Justiça – Secretaria de Reforma do Judiciário Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD
[3] Conselho Nacional de Justiça. Justiça em Números. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf.
[4] Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2016/estimativa_dou.shtm.
[5] Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/06/constituicao-so-nao-traz-pessoa-amada-em-3-dias-diz-indicado-ao-stf.html.
[6] Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2011/02/100_maiores_litigantes.pdf.
[7] No período em que o STF permitia a execução provisória da pena após o julgamento em 2a instância, o ministro Marco Aurélio concedeu um Habeas Corpus para impedir a prisão de um empresário condenado por participação na chacina de Unaí, em Minas Gerais, Hugo Alves Pimenta. A decisão é do dia 14/08/19. O ministro também faz críticas ao STF por adiar um novo julgamento sobre a prisão em após o julgamento em segunda instância e diz que a Corte é a “última trincheira da cidadania”. O ministro Marco Aurélio afirma ainda que, ao tomar posse no STF, há 29 anos, jurou cumprir a Constituição Federal e observar as leis do País, “e não a se curvar a pronunciamento que, diga-se, não tem efeito vinculante”. “Em época de crise, impõe-se observar princípios, impõe-se a resistência democrática, a resistência republicana. De todo modo, há sinalização de a matéria vir a ser julgada“, diz. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-ago-20/marco-aurelio-suspende-prisao-condenado-instancia.
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