por Daniela Goya-Tocchetto
Há duas semanas, escrevi nesse Estado da Arte sobre a nossa obsessão com o tal do PIB (Produto Interno Bruto) enquanto métrica última do crescimento econômico dos países. No caso do PIB, o problema não se encontra nos fins, mas sim nos meios. A finalidade do crescimento econômico é nobre: que o maior número possível de pessoas possa desfrutar de uma vida com a maior qualidade de vida possível. No entanto, ter o crescimento econômico, assim sem maiores qualificações, mensurado exclusivamente com base no PIB como único meio de atingir esse fim, pode levar a resultados muito distorcidos.
Uma das questões interessantes que surge da nossa busca pelo crescimento econômico contínuo é a questão da produtividade. Em economia, produtividade é uma palavra-chave quando se trata de crescimento. Por mais que economistas sejam capazes dos mais absurdos desacordos, acho difícil pensar um economista que negue uma das fórmulas mais fundamentais da disciplina: o que explica o crescimento econômico dos países são aumentos da produtividade dos fatores de produção (terra, trabalho e capital). Isso quer dizer que, para que um país siga crescendo, é preciso que sigamos desenvolvendo tecnologias que nos tornam cada vez mais produtivos, isto é, tecnologias que nos permitam produzir uma quantidade maior de bens e serviços em cada vez menos tempo.
Políticas e arranjos institucionais que fomentem o aumento da produtividade se tornam então cruciais em todos os segmentos da sociedade. Queremos ser mais produtivos no trabalho, na escola, na universidade, e até mesmo em casa. Aliás, best-sellers que divulgam pesquisas científicas (e também fórmulas mágicas!) para aumentar a nossa produtividade estão sempre entre os mais vendidos. E, claro, essa busca exacerbada pelo produtividade acaba trazendo bons e maus resultados — nenhum surpresa aqui. Mas essa nossa preocupação com sermos mais produtivos também vem trazendo muitos resultados que parecem, ao menos à primeira vista, um tanto quanto contra-intuitivos.
Me refiro aqui à questão dos incentivos. Quando se trata do design de arranjos institucionais que promovam a produtividade máxima, é fundamental que os incentivos estejam todos alinhados de maneira ótima. Isso significa que, para casa decisão que uma pessoa tenha que tomar, os custos e os benefícios que decorrem dessa decisão devem estar alocados de forma a guiar a pessoa para a tomada da melhor decisão possível. No trabalho, se o objetivo é fazer com que as pessoas decidam despender mais esforço no cumprimento de tarefas, pode-se aumentar o benefício pelo alcance de mais metas (por exemplo: bônus) ou o custo de não cumprir um mínimo definido (por exemplo: demissão). Esses sistemas de incentivos estão por todo lado em sociedades contemporâneas. Mas, em algumas sociedades temos uma presença mais intensa de incentivos monetários, enquanto em outras sociedades os incentivos aparecem sob outras formas. E o que é mais interessante é que em algumas sociedades (e penso aqui particularmente no caso dos Estados Unidos) incentivos monetários parecem estar substituindo outras formas de promoção da motivação humana — e trazendo resultados diametricamente opostos daqueles desejados.
Existem dois casos paradigmáticos nessa área de pesquisa que ajudam a entender o fenômeno. O primeiro é o caso da doação de sangue, documentado por Samuel Bowles. Nessa pesquisa, o economista mostra que tanto a quantidade quanto a qualidade de sangue “doado” pelas pessoas diminui quando elas recebem um pagamento em dinheiro pela “doação.” As aspas já devem ter revelado um dos mecanismos através dos quais o incentivo monetário afeta o comportamento das pessoas: uma vez que a ação conta com uma contrapartida em dinheiro, deixa de ser uma doação e passa a ser apenas mais uma transação de mercado. Ou seja, a mera presença de um pagamento altera a natureza da ação e, dessa forma, altera também a nossa motivação para agir.
O segundo exemplo é o caso de uma creche em Israel, onde os cuidadores estavam enfrentando o seguinte problema: todos os dias, os pais das crianças as estavam buscando com atraso na creche. Para solucionar esse problema, ora, muito simples: eles estabeleceram um multa associada a atrasos. O resultado? O tempo de atraso dos pais aumentou de forma significativa! Agora que aquela ação (deixar o filho por mais tempo na creche) recebeu um valor monetário, ela imediatamente deixou a esfera do dever moral para entrar na esfera de transações econômicas. Os pais não mais precisavam se “sentir mal” ou “culpados” por chegarem atrasados na creche, pois agora eles podiam “comprar” esse tempo como mais uma mercadoria normal.
Nesses dois exemplos temos representada a busca por maior eficiência e, portanto, maior produtividade, através da implementação de uma equação muito simples em economia: se aumentarmos os benefícios econômicos de uma determinada escolha, as pessoas farão essa escolha com maior frequência; e se, por outro lado, aumentarmos os custos de uma determinada escolha, as pessoas farão essa escolha com uma menor frequência. Entretanto, o que percebemos através desses exemplos é que essa equação não é tão simples quanto parece.
O que as pesquisas vêm mostrando, cada vez mais, é que o nosso sistema motivacional é mais complexo do que o sistema do chamado homo economicus. Diferentes tipos de incentivos acionam diferentes tipos de reações e, o que parece ser um resultado ubíquo na literatura, incentivos monetários acionam regras de mercado e fazer com que o nosso lado pró-social fique de lado. Tudo isso não significa que incentivos monetários são ruins, mas sim que, ao contrário do que pensávamos, não funcionam para que consigamos atingir todos os tipos de objetivos.
Alinhavando brevemente a conexão com o PIB feita no início deste artigo: não é que incentivos monetários sejam ruins ou errados, mas podem não ser o meio exclusivo através do qual vamos atingir as nossas metas.