Quem tem medo do neoliberalismo?

Um espectro ronda a ‘intelligentsia’ brasileira. Por Mano Ferreira, um ensaio sobre o papel do neoliberalismo na tradição liberal — e sobre a falta de sentido daquilo que vira um gasto rótulo no debate público.

por Mano Ferreira

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Um espectro ronda o debate público. Não é de hoje. Acima das mentes de boa parte dos intelectuais brasileiros, paira uma sombra. São as nuvens densas do neoliberalismo. No último mês, choveu sobre nós em pelo menos duas grandes tempestades. A primeira molhou o petróleo. A segunda inundou as universidades públicas. Vamos decantá-las.

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Tempestade no petróleo

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Hayek na LSE em 1948

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Desde a campanha presidencial, a maior parte dos analistas localiza em Paulo Guedes a âncora da aliança bolsonarista com setores da Faria Lima, geralmente proclamados como liberais (prefiro chamá-los liberistas, conceito de Benedetto Croce para referir a defensores do livre mercado que não necessariamente partilham de valores liberais mais amplos). Passados dois anos, apesar das antigas promessas de super poderes, o fracasso de Paulo Guedes como fiador de reformas liberalizantes é evidente. Como presidente, Bolsonaro segue coerente à própria trajetória, fiel ao nacionalismo autoritário do deputado que, por ocasião da privatização da Vale do Rio Doce, defendeu o fuzilamento de Fernando Henrique Cardoso. Significa a desmoralização do pregador liberista que Guedes sempre foi. Nada surpreendente. Nesse contexto, a intervenção no comando da Petrobrás foi apenas mais uma cena de humilhação pública do ministro.

Há, no entanto, quem nos brinde com interpretações bem mais criativas. De antemão, já alerto não se tratar de uma questão isolada ou que deva ser encarada como uma característica pessoal. A título meramente ilustrativo, vamos ao exemplo de Silvio Almeida, festejado intelectual. No Twitter, com direito a mais de 17 mil likes, ele revelou que pôr um general no comando da Petrobras, na verdade, “está absolutamente dentro da lógica neoliberal”. Segundo ele, “o que define o neoliberalismo não é a quantidade de intervenção estatal, mas sim a qualidade. A intervenção neoliberal se dá no sentido de desorganizar determinados setores da economia. O avesso do neoliberalismo não é a intervenção; é a organização racional da economia”. E complementa: “toda intervenção exige algum tipo de racionalidade. Mas nem toda racionalidade se converte em planejamento econômico. A racionalidade neoliberal é para desorganizar e desregulamentar”.

Nesses termos, imediatamente sou levado a pensar que a intervenção realizada no setor elétrico pelo governo Dilma foi inquestionavelmente neoliberal, dado que desorganizou inteiramente aquele mercado. Piadas à parte, estamos diante de um caso claro de afirmação que não se presta a falseabilidade, critério popperiano para proposição válidas como hipóteses científicas: caso o rumo do governo fosse a privatização da Petrobras, ninguém tem dúvidas de que haveria gritas sobre neoliberalismo; quando se faz o oposto, exigindo “compromisso social” da empresa e nomeando um general para o seu comando, o diagnóstico não se altera: neoliberalismo. Afinal, em que hipótese não seria? Todos os caminhos levam a Roma.

Pontuada a impossibilidade de falseamento da afirmação, vamos analisar mais detidamente o conceito proposto de intervenção neoliberal. Em resumo, Silvio apresenta uma dualidade entre planejamento econômico e neoliberalismo, considerando como planejamento econômico o que ele chama de “organização racional da economia”. Falta explicitar o que isso significaria efetivamente, para além da tautologia. Diante do vácuo, recorro ao esclarecimento de Hayek em O Caminho da Servidão (1944), a respeito do planejamento econômico a partir de uma perspectiva dirigista, em contraste com a liberal:

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“O que nossos planejadores exigem é um controle centralizado de toda a atividade econômica de acordo com um plano único, que estabeleça a maneira pela qual os recursos da sociedade sejam ‘conscientemente dirigidos’ a fim de servir, de uma forma definida, a finalidades determinadas.”

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No debate em questão, a ânsia por planejamento centralizado consiste no desejo de controlar a política de preços administrados pela estatal de petróleo. A reivindicação geralmente é acompanhada por uma defesa da restauração do monopólio da empresa. Opondo-se a esse tipo de visão, que no debate brasileiro costuma ser classificada como desenvolvimentista, Hayek continua seu esclarecimento acerca do planejamento econômico numa perspectiva liberal:

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“É importante não confundir a oposição a essa espécie de planejamento com uma dogmática atitude de laissez-faire. A doutrina liberal é a favor do emprego mais efetivo das forças da concorrência como um meio de coordenar os esforços humanos, e não de deixar as coisas como estão. Baseia-se na convicção de que, onde exista a concorrência efetiva, ela sempre se revelará a melhor maneira de orientar os esforços individuais. Essa doutrina não nega, mas até enfatiza que, para a concorrência funcionar de forma benéfica, será necessária a criação de uma estrutura legal cuidadosamente elaborada, e que nem as normas legais existentes, nem as do passado, estão isentas de graves falhas”.

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Como se vê, Hayek define como finalidade do planejamento econômico sob uma visão liberal a construção de um arcabouço jurídico que oriente a eficiência dos mecanismos de mercado. Nesse sentido, não surpreende o fato de que liberais brasileiros constantemente vocalizam a defesa das reformas de marcos legais com o objetivo de fornecer segurança jurídica para o florescimento de mercados, a expansão da concorrência e a atração de investimentos nos mais variados setores da economia. Propósito bem distinto de “desorganizar e desregulamentar”, como escreveu Silvio.

Bem, e por que eu mencionei Hayek? Ele é o economista mais expressivo da Escola Austríaca, muitas vezes referida ao lado da Escola de Chicago — onde estudou o ministro Guedes — como as duas grandes correntes a constituir o neoliberalismo econômico. Desta feita, ou o conceito de neoliberalismo utilizado por Almeida não engloba o pensamento de economistas da linha de Hayek, ou ele cometeu um erro grosseiro.

Infelizmente, esse cenário de confusão conceitual a respeito da tradição liberal, de suas ramificações e desdobramentos não é incomum no debate brasileiro. Sigamos para a próxima nuvem.

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Tempestade nas universidades

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Ocupação universitária em maio de 1968 na França

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Tensões envolvendo estudantes universitários e professores não são novidade, pelo menos desde que originaram os famosos protestos franceses em maio de 1968. Há uma parcela inevitável de conflitos que emergem do choque etário — especialmente dada a velocidade cada vez mais intensa das transformações tecnológicas que separam os hábitos nativos entre uma geração e outra. Acrescente ao cenário as (bem vindas) mudanças sociodemográficas nas universidades públicas desde a implantação da política de cotas. Considere ainda o quadro de insustentabilidade que assola as contas do país desde a recessão do governo Dilma, impondo restrições orçamentárias cada vez maiores sobre as universidades, que passaram a sofrer com cortes de bolsas e ainda mais escassez de recursos para investimentos em pesquisa. Para finalizar, lembre-se do governo federal cuja gestão do Ministério da Educação é abertamente hostil à academia. Pronto. Está formada a receita perfeita para um turbilhão de conflitos no ambiente acadêmico.

Todos esses elementos, contudo, passaram ao largo da análise em Parece revolução, mas é só neoliberalismo, artigo publicado na Piauí sob o pseudônimo de Benamê Kamu Almudras, identificado como professor de universidade pública em São Paulo. O texto provocou um debate com pelo menos 3 respostas publicadas no site da revista. Em resumo, Benamê expõe conflitos do ambiente universitário originados pelo desejo de estudantes de obterem o reconhecimento do título acadêmico sem que precisem despender muitos esforços, como a leitura de textos recomendados nas disciplinas. Segundo o autor, os estudantes colocam os professores contra a parede, reivindicam direitos sem sentido e perseguem docentes que não cedem às chantagens, até mesmo com denúncias infundadas de machismo, racismo e lgbtfobia. E o que estaria por trás de tudo isso? Seria uma juventude preguiçosa, talvez um tanto folgada, precisando de professores capazes de despertar a paixão por estudos e reflexão? Seriam ementas curriculares eventualmente ultrapassadas? Ou quem sabe métodos de ensino ineficientes, incapazes de persuadir os alunos sobre a importância de conteúdos realmente relevantes? Óbvio que não. Por que um professor deveria refletir sobre o processo de ensino e o seu próprio papel como docente? Diversionismo. O problema não poderia ser outro: neoliberalismo.

Há um artifício bem curioso no raciocínio. Conforme narra Benamê, o repertório demonstrado pelos estudantes na elaboração desses conflitos varia entre a luta de classes do marxismo tradicional (opondo professores e estudantes como classe opressora e oprimida) e o uso oportunista de questões sociais tematizadas pela moderna esquerda identitária (no uso de acusações de preconceitos contra minorias para desviar de questões clássicas do mérito acadêmico, como a aprovação ou reprovação em um curso). Mesmo assim, em nenhum momento é sequer considerada a hipótese de que talvez estejam havendo efeitos colaterais indesejados na forma de abordagem do marxismo ou das questões identitárias na academia, algo que pudesse levar a uma autocrítica sobre os usos e caminhos vulgarizados das reflexões potencialmente importantes sobre esses temas. Nada disso merece ser tocado. Afinal, todos os acontecimentos relatados seriam apenas uma confirmação, na verdade, do domínio cultural do… neoliberalismo, claro.

Para o autor, haveria dois neoliberalismos que se alimentam. O de direita, “combatendo em nome do mercado tudo que nossa educação pública conquistou a duras penas nas últimas décadas: inclusão social, expansão do ensino, ações afirmativas, financiamento à pesquisa, reflexões sofisticadas sobre a sociedade”. E o de esquerda, que utilizaria “camuflagens progressistas” para “transforma(r) alunos em consumidores, a educação em distribuição de diplomas, o rigor acadêmico em forma de opressão, os servidores públicos em serviçais privados”. Em ambas as caracterizações, o que grita é o desprezo do autor por qualquer mecanismo que remeta a uma economia de mercado.

“O neoliberalismo é fonte de tristeza e angústia para qualquer pessoa que tenha apreço pela educação pública e por ideias progressistas”, escreveu. Ele tentou esclarecer: “Não me refiro ao neoliberalismo como ideologia político-econômica, mas como forma cultural, em que o mercado, a ética individualizante e o espírito do consumismo são erigidos como o modelo cognitivo e normativo da vida social”. Tentando traduzir a abstração para a prática, se bem entendo o espírito do texto, a fonte de tristeza e angústia a que se refere o autor é, ao fim e ao cabo, a necessidade de prestar contas sobre o próprio trabalho (a forma cultural do mercado), de ser responsabilizado por ele (a ética individualizante), além do desejo de ganhar mais (o espírito do consumismo) — que, a rigor, se desdobra numa demanda por maior reconhecimento social acerca de suas próprias qualidades (que não podemos esquecer, afinal ele produz reflexões sofisticadas sobre a sociedade).

Essa combinação entre a aflição acadêmica e a vontade de erigir um outro “modelo cognitivo e normativo da vida social” já foi analisada por Raymond Aron em O Ópio dos Intelectuais (1955): “A rigorosa especialização desperta a nostalgia de uma outra ordem, em que o intelectual não estaria integrado como assalariado a uma empresa comercial e sim como pensador a uma coletividade humana”. O sonho da intelligentsia é ocupar, na atualidade, o lugar do clero nas sociedades pré-capitalistas.

As respostas ao texto trouxeram outras questões, mas o que vamos analisar aqui são os usos da noção de neoliberalismo. Em Diálogos possíveis, várias professoras da USP defendem a necessidade de “ampliar o debate acadêmico para escapar das lógicas binárias que produzem os conflitos entre estudantes e professores”, mas se mostram ofendidas por Benamê “colocar, no mesmo balaio, autoritários confessos, defensores dos sistemas hierárquicos e aqueles e aquelas que, apesar de alguns equívocos, se propõem a tentar mudar o status quo universitário”. Em outras palavras, o texto não questiona o conceito de neoliberalismo, mas se ofende com uma possível associação do conceito com a esquerda. Sim, é preciso evitar as lógicas binárias. Mas misturar o mal, encarnado pelo neoliberalismo, com o bem, encarnado pela esquerda, já é demais.

Em Nem revolucionários, nem neoliberais, Marcus Aurélio Taborda de Oliveira adota uma postura semelhante. Mencionando os levantes de maio de 1968, ele frisa a importância de dialogar com os alunos sobre o futuro da universidade pública, mas trata neoliberalismo nesses termos: “É um desserviço ao debate democrático que vem enriquecendo a universidade relacionar os arroubos de alunos, inclusive algumas atitudes mais radicais de protesto, com o projeto neoliberal e sua gestão da economia que carrega consigo destruição e morte”. Em meio a debates acadêmicos, a inconformidade com uma crítica que localiza características atribuídas à direita em posturas da esquerda remete a um episódio ocorrido em 1969 na Escola de Frankfurt, conhecido centro do chamado pensamento crítico de esquerda, quando Adorno convocou a polícia para conter estudantes que ameaçavam invadir o prédio do instituto em que ele dava aulas. Em correspondência para Marcuse sobre o episódio, Adorno menciona a expressão “fascismo de esquerda”, cunhada por Habermas, para se referir à intolerância estudantil. Em resposta irritada, Marcuse defendeu a postura violenta dos alunos como uma espécie de desobediência civil.

Em Parece democrática, mas é autoritária, por outro lado, Érico Andrade propõe um debate conceitual acerca do neoliberalismo. Para ele, Benamê recai em um paradoxo, adotando a mesma postura neoliberal que procura criticar. A origem do erro estaria na tentativa de dissociar o aspecto econômico do aspecto cultural do neoliberalismo. Segundo Érico, “neoliberalismo é uma palavra que implica necessariamente um todo, não uma dada atitude, e não serve para designar casos particulares”. Por isso, “ser ou não ser neoliberal não é também uma questão de escolha individual (no caso, de estudantes), mas uma condição que governaria a maioria das ações sociais, uma vez implantado o seu modelo mercantil e difundida sua ideologia”. Ou seja: o neoliberalismo, uma vez implementado, é tudo que nos envolve. E convenhamos: por isso mesmo, não é nada.

Nesse debate, destacam-se três aspectos: (1) A completa ausência de alguma voz que defenda a alegada posição neoliberal; (2) A consensual demonização do neoliberalismo; (3) A incapacidade de acordo e o nível de imprecisão em torno do conceito de neoliberalismo mesmo entre os seus usos demonizados.

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A falta de sentido de neoliberalismo no debate público

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Raymond Aron

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O problema não é uma novidade, nem uma exclusividade nacional. Em 2009, dois pesquisadores do departamento de Ciência Política da Universidade da Califórnia estudaram os usos do conceito em papers acadêmicos publicados nos principais periódicos da área. Antes de tudo, chama atenção a evolução da frequência no uso da palavra: até os anos 1980, não era preciso duas mãos para contar o número de artigos acadêmicos publicados a cada ano utilizando ‘neoliberalismo’ e suas variantes. A partir dos anos 1990, o uso explode, chegando a aproximadamente 1.000 artigos por ano entre 2002 e 2005, último ano do levantamento.

Ao analisar os usos do conceito nos diversos artigos, os autores observaram 3 principais constatações: (1) Neoliberalismo é um termo desproporcionalmente mais utilizado pelos críticos da economia de mercado do que por seus defensores; (2) Mesmo em artigos nos quais desempenha papel central na pesquisa, o conceito de neoliberalismo é frequentemente deixado sem definição; (3) O termo é efetivamente empregado de maneiras muito distintas, de modo que sua utilização oferece poucas pistas sobre o que realmente significa.

Um ponto constantemente ignorado é que, no escopo da tradição liberal, o termo neoliberal se consolidou no período entreguerras para designar uma variante alemã hoje mais conhecida como ordoliberalismo, dissidente do liberalismo clássico e associada à chamada Escola de Freiburg, cujas ideias partem de uma maior ênfase com a preocupação social e aceitam atribuir um maior papel ao Estado. Por outro lado, a partir da experiência dos chamados Chicago Boys no Chile de Pinochet, o termo passou a ser mais constantemente associado a políticas de privatização e redução do Estado. Em certo sentido, portanto, os usos da palavra neoliberal se transformaram a ponto de haver não apenas ocorrências diferentes, mas essencialmente contraditórias, partindo do liberalismo clássico para caminhos inteiramente opostos.

Diante disso, se a utilização de neoliberalismo como categoria no debate acadêmico, que deveria ser técnico, já é tão controversa a ponto de basicamente esvaziar o termo de utilidade instrumental, o que dizer então do seu uso vulgarizado no debate público? Em face dos desafios concretos do país, seja no debate a respeito das destinações do erário ou acerca do funcionamento da universidade pública, o conceito se torna um recurso vazio e improdutivo. Afinal, de que modo classificar ou não como neoliberal a postura de estudantes pode ajudar a Universidade a servir mais adequadamente aos fins sociais da educação superior?

A mesma pergunta também pode ser direcionada a debates ainda mais práticos, como por exemplo os critérios de produtividade da Capes. A propósito, eu não conheço um único (neo)liberal que elogie esses critérios. Independentemente disso, por que perde-se tanto tempo em classificá-los no lugar de pensar concretamente em propostas para reformá-los? Essa falta de objetividade já era criticada por Merquior em 1982, para quem “as fantasias teóricas do nosso radicalismo chique”, quando baixam ao nível da difusão jornalística, terminam “dando as mãos à meia ciência pura e simples”.

Para propor uma resposta sobre as razões para esse fenômeno, sirvo-me mais uma vez do auxílio de Raymond Aron: “Assim como os simples mortais, os intelectuais não se libertam da lógica das paixões. Pelo contrário, são mais carentes de justificativas por quererem reduzir dentro de si a parte da inconsciência. A justificativa política está sempre sendo controlada pelo maniqueísmo”.

Nesse contexto, a demonização do neoliberalismo não passa de uma prática tribal de identificação. Ao capturar as culpas por todas as frustrações, o uso corrente do neoliberalismo se comporta como um fantasma que mina a reflexão crítica, afasta a pluralidade e contamina, por metonímia, as visões sobre a ampla tradição liberal. Para que tenhamos um debate minimamente produtivo a respeito do futuro da economia, das universidades ou do país, precisamos dissipar essas nuvens densas de neoliberalismo que pairam sobre os nossos intelectuais. E então expor nossas ideias e propostas ao sol quente da realidade.

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Ralf Dahrendorf, debatendo com Rudi Dutschke e manifestantes em Freiburg, 1968

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