por Rodolpho Bernabel
O presidente Michel Temer desistiu de promover simultaneamente as reformas da previdência, trabalhista e tributária alegando que não teria fôlego no Congresso para tanto. Isso é um erro estratégico que deve ser corrigido o quanto antes, sob a pena de não conseguirmos, mais uma vez, avançar na reestruturação do Estado brasileiro. Não resta dúvida que os sistemas previdenciário, trabalhista e tributário precisam ser aprimorado. Negar esse fato é querer manter o país no atraso em que estamos. As dúvidas relevantes que restam, dessa forma, são duas: (i) as reformas vêm ou não para melhorar esses sistemas? e (ii) serão ou não aprovadas pelos congressistas?
A primeira questão é mais fácil de responder. Dado que as leis atuais que regulamentam a previdência, o trabalho e os impostos são incrivelmente ruins, é improvável que as propostas de reforma sejam ainda piores. E levando-se em conta que as propostas de reforma atuais tendem à racionalidade econômica, temos sinais de que caminharíamos na direção correta. Ainda de forma lenta e insuficiente, mas ao menos avançando um pouco em vez de retroceder.
Mais difícil é estimar a probabilidade dessas reformas serem aprovadas no Congresso. Precisamos olhar para os incentivos que os parlamentares têm quando de sua deliberação. Lembrando-nos do fato de que coerência ideológica intertemporal importa muito pouco para eles, resta-nos deduzir que a preocupação primeira dos parlamentares é continuar no poder, reelegendo-se ou elegendo-se para outros cargos. Some-se a isso o fato de que a responsabilização individual dos deputados e senadores por parte dos eleitores pelas leis aprovadas é mínima no Brasil e chegamos à conclusão de que o conteúdo per se das leis não precisa ser motivo de muita angústia para os legisladores. Os efeitos das leis sobre a economia sim, pois é ela o fator principal na decisão do voto do eleitor.
Nessa chave, poderíamos pensar que uma reforma da previdência nos moldes daquilo que foi proposto pelo governo pode impactar negativamente a imagem do legislador junto à sua base eleitoral. Estritamente falando, sim, a reforma torna a aposentadoria mais difícil e isso impacta na condição econômica do eleitor. Porém, no agregado, a reforma é fundamental para a solvência do Estado brasileiro, para o ganho de confiança de investidores e seu consequente e fundamental aporte de recursos, o que contribuirá para a melhoria da lastimável situação econômica em que nos encontramos. Com isso, ainda que um parlamentar seja cobrado individualmente no futuro por ter votado a favor da reforma, ele pode argumentar que sem isso ainda estaríamos em crise. E esse balanceamento será, na verdade, muito mais uma preocupação para o presidente Temer do que para os parlamentares.
A reforma trabalhista, da maneira como está, afetará mais positivamente quem está desempregado do que negativamente quem está empregado. Além disso, quem está empregado terá maior facilidade para trocar de emprego para uma posição melhor. Com a diminuição do desemprego e um regime mais dinâmico de contratações, a situação agregada da economia, novamente, melhora.
A reforma tributária seria a mais difícil de ser aprovada por conta da pressão que os governadores e prefeitos podem exercer sobre os parlamentares. E é aqui que temos um ponto crucial a ser explorado pelo executivo federal, qual seja, a barganha com os parlamentares. Seja lá quando for proposta a reforma tributária, ela será completamente descaracterizada no Congresso. Mas, se for proposta juntamente com as outras reformas, o governo pode usar as concessões que fará na reforma tributária como moeda de troca para conseguir ganhos nas reformas trabalhista e previdenciária. Assim, temos a chance de ter duas reformas boas e uma medíocre em vez de três reformas medíocres.
Os grupos de interesse contrários às reformas o serão sempre, com maior ou menor vigor, a depender do quanto estão a ganhar no jogo fisiológico com o governo. Mas, dado que sua capacidade de mobilização é limitada, é melhor tê-los contra todas as reformas de uma só vez do que em separado. Encaminhando as reformas uma-a-uma, teremos por mais tempo os lobistas contrários nas ruas. Ao separar o andamento das reformas, o governo dá mais espaço de manifestação aos opositores das reformas. Serão primeiro contra a reforma da previdência, depois contra a reforma trabalhista e finalmente contra a reforma tributária. Se as reformas forem debatidas e votadas todas de uma só vez, os grupos de interesse precisarão se manifestar contra todas elas de uma só vez, e temos visto na história recente das manifestações de rua do Brasil como são mais fortes aquelas com um tema único do que as que trazem uma lista de reivindicações.
O governo erra, portanto, ao separar o encaminhamento das reformas no Congresso. Caso não corrija sua estratégia, Temer perderá a grande oportunidade de ter, a um só tempo, um poder de barganha maior com os parlamentares e uma atuação mais restrita dos grupos de interesse contrários às reformas. Ainda há tempo hábil para uma correção de rumo. Mas não muito.