“Hai capito, mio San Benedito?” – Nunca lhe vi, sempre lhe amei

Lombroso, o amante desconhecido das esposas de Cristo, que, hoje, fazem juras de politicamente correto
O caminho da cruz de Hieronimus Bosch

Lombroso, o amante desconhecido das esposas de Cristo, que, hoje, fazem juras de politicamente correto

por Tiago Pavinatto 

Tem-se que o livro mais vendido no mundo é a bíblia e, falando do Ocidente, a grande maioria da população é cristã – mais ainda depois de ações tão tocantes como as de Torquemada – e, enquanto não se der a inversão cultural islâmica que virará de pernas para o ar tais estatísticas – que poderão ser cobertas com burcas –, em razão do problemático e permissivo multiculturalismo e da inversamente proporcional taxa da natalidade dos europeus históricos frente a dos seus novos vizinhos, que se beneficiam do multiculturalismo mas rejeitam a contrapartida, continuará a ser, não importando se mais católica ou se mais protestante.

Deveras, uma bíblia é facilmente encontrada, lida ou não, nos lares do Ocidente, cujos habitantes comumente se classificarão como seguidores de Jesus Cristo. Não encontraremos, contudo, um exemplar de L´uomo delinquente (1876) e ninguém responderá que acredita no seu autor, Marco Ezechia Lombroso, conhecido como Cesare Lombroso (1835-1909). Aliás, mais fácil alguém recitar Os Lusíadas do que saber quem foi Lombroso e qual o conteúdo de sua obra.

Mas, seja porque, conforme a poesia de Pessoa, deus “é um velho estúpido e doente, sempre a escarrar no chão e a dizer indecências” e “que não percebe nada das coisas que criou”, ou seja por simples ironia do Universo, eis a verdade paradoxal da humanidade ocidental: o cristianismo está em toda parte, o cristianismo não está em parte alguma. Todos, crentes, fanáticos ou homens de pouca fé, e não crentes conhecem Jesus, mas, vistos os pensamentos e palavras, atos e omissões desses homens, poucos praticam o cristianismo e, se o fazem, não se sabe se de coração. Por outro lado, é significativo e arrebatador o número daqueles que, mesmo não sabendo quem foi, reagem positivamente, de corpo e alma, aos pensamentos de Cesare Lombroso.

Médico, antropólogo e jurista italiano, desenvolveu um conjunto de ideias para explicar a criminalidade, fundando a chamada Escola Positivista Biológica. Lombroso apresentou o conceito de criminoso atávico, ou seja, da existência de um criminoso nato. Nas suas primeiras experiências, contou, como cobaias, com soldados italianos, os quais foram segregados em bons e maus. Estes, concluiu, tinham tatuagens no corpo que, muitas vezes, eram dizeres ou desenhos indecentes. Entretanto, a viga mestra de seus estudos repousava na constituição física do criminoso, subespécie do homem “normal”, que poderia ser reconhecido, por exemplo, pela assimetria do rosto, arcada dental anormal, tamanho das orelhas, irregularidade dos olhos, defeitos nos dedos ou mamilos, além das características sexuais invertidas.

Apesar do fracasso científico – experimentalmente, a comprovação teórica não logrou êxito (e nem poderia ser diferente) –, o sucesso persuasivo. Lombroso pode ser apontado como guia “intelectual” do homem médio que, ao invés de dar a outra face, repartir o pão, deixar vir as criancinhas, abandonar seus bens, lavar os pés do inimigo e amar o próximo como a si mesmo, todas regras de conduta cristã, atavicamente, automaticamente, sem pestanejar, reage preconceituosamente não somente frente ao tamanho da cabeça do próximo, mas também quando se depara com a cor de sua pele, sua vocação sexual ou, ainda, suas roupas, acessórios e classe social. A reação dificilmente é cristã. A reação é certamente lombrosiana.

Talvez o personagem Cristo, mesmo sem nada ter escrito, salvo o que teria rabiscado na areia – e que ninguém reproduziu –, quisesse formatar um novo homem e fundar uma nova dinâmica social. Lombroso, por sua vez, resolveu, sem sucesso, todavia, no final, dar embasamento científico à dinâmica social que, a despeito da cruz que já varrera todo o Ocidente, era, guardadas as devidas proporções e trocando as personagens, a mesma.

Não é forçado concluir, então, que o cristianismo encerra as primícias do politicamente correto, traduzido no óbice à liberdade da manifestação do pensamento quando esse pensamento é considerado ofensivo, insensível ou represente um discurso de ódio, e que o paradoxo do homem cristão ao longo da história representa o embate entre um dever ser divinizado e o atavismo cultural do homo homini lupus, embate religioso secularizado no politicamente correto, que é fruto da ideologia marxista, a grande religião secular conforme Raymond Aron (1905-1983).

O politicamente correto é a tradução dos termos econômicos marxistas para os culturais dada, conforme Antonio Gramsci (1891-1937) e György Lukács (1885-1971), a não adesão espontânea da classe imaginada universal dos trabalhares em virtude de uma cegueira ocasionada pela cultura ocidental. Assim, imperiosa a destruição dessa cultura.

Em 1919, Lukács, deputado comissariado para a cultura no governo bolchevique da Hungria, lançou o chamado Terrorismo Cultural, começando a doutrinação, estrategicamente, com as crianças. Nos anos 30, a Escola de Frankfurt criou uma revolução cultural com a Teoria Crítica para criticar, destrutivamente, cada instituição da sociedade ocidental e, com isso, apropriar-se de “verdades” sobre mulheres, negros e gays (estes, contudo, sempre dizimados nas ascensões à gauche). Com a ascensão nazista, os “intelectuais” dos institutos de pesquisas sociais fugiram para a América e, a partir daí, tudo que pudesse contradizer esses “críticos” era prontamente rotulado de “fascista”. Os efeitos são sentidos até hoje e o politicamente correto, autoritarismo policialesco no uso da linguagem, continua como uma licença poética para a intolerância das esquerdas nunca democráticas.

Desde o nascedouro, o politicamente correto deteriora a sociedade. O sucesso das sociedades, contudo, vem da evolução e não da deterioração e, nas relações humanas, evoluir tem mais a ver com respeitar e tolerar do que com impor, seja por uma novilíngua, seja pelos fuzis vermelhos de uma patrulha que acredita ser a dona da verdade, cuja definição nem Cristo ousou arriscar perante Pôncio Pilatos.

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