Anatomia do Amor: uma história natural de conquista, casamento e por que nos perdemos

Como funciona o amor? Como funcionamos quando amamos? A antropóloga e bióloga Helen Fisher tem algumas respostas.

por Renata Velloso

Em seu livro clássico inicialmente publicado em 1992 e totalmente revisado e atualizado em 2016, a antropóloga, bióloga e pesquisadora da Universidade de Rutgers Helen Fisher aborda o que a ciência pode nos ensinar a respeito da maior fonte de prazer e de sofrimento dos seres humanos: os relacionamentos amorosos.

“Ela chega ao local do encontro e ele logo nota a sua presença. Sorriem um para o outro. Se aproximam e iniciam uma conversa. Em dado momento ficam em silêncio, ele encara os olhos dela de maneira mais demorada, ela retribui. Beliscam uma comidinha. Ele pede uma bebida, ela aceita. Ela chega mais perto e toca a mão e o ombro dele (é quase sempre ela que dá esse passo importante). Ele retribui o toque. O acordo tácito está fechado. Continuam animados, inconscientemente imitando os movimentos um do outro. E, claro, saem juntos daquele lugar.”

Se a história lhe parece familiar, não é porque tinha alguém lhe seguindo no seu último encontro, e sim porque ela é comum mesmo. Helen Fischer descreve no seu livro Anatomia do Amor o ritual de acasalamento dos seres humanos e conclui que independentemente das nossas diferenças culturais, o olhar, o sorriso, o toque feminino, a mesa farta e a bebida fazem parte dos nossos rituais de conquista desde a época das cavernas. O que vale para as tribos da Amazônia, vale também para os cafés de Paris. Na verdade, segundo a autora, outros primatas já apresentavam comportamentos de conquista muito semelhantes aos nossos. Aliás é esse o sentimento que permeia toda a leitura desse livro imperdível: ora nos sentimos macacos, ora nos sentimos tubos de ensaios de laboratório. Mas afinal o que somos mesmo além de animais que reagem a impulsos gerados por hormônios que banham nossos neurônios cerebrais?

Para tentar explicar não só como paqueramos, mas também porque nos apaixonamos, casamos e traímos, a autora não economizou em pesquisas. Além de trabalhar como pesquisadora senior do instituto Kinsey, Fisher é consultora científica do site de relacionamentos Match.com. Sua pesquisa conta com questionários detalhados a respeito do comportamento romântico e sexual de milhares de norte-americanos (são 5 mil entrevistados por ano desde de 2010) e também com exames de imagem que ajudam a entender como a arquitetura do nosso cérebro se modifica em diferentes estágios do relacionamento. Para dar mais embasamento ainda aos seus escritos Fisher também se valhe de estudos antropológicos clássicos que visavam compreender o comportamento dos nossos ancestrais e também de povos isolados em outras culturas. As conclusões são surpreendentes.

Os estudos de Fisher com ressonância magnética sugerem que existem três circuitos cerebrais principais referentes aos relacionamentos amorosos e sexuais. O primeiro, capitaneado pelo hormônio testosterona seria o responsável pelo desejo sexual; o segundo, controlado pela dopamina seria o responsável pela paixão e um terceiro, o da oxitocina, pelo apego no longo prazo. A gente sempre soube da existência desses três tipos de sentimentos: desejo, paixão e amor; o que os estudos de Fisher demonstram de novidade é que eles não precisam vir necessariamente em ordem e que podem co-existir em um mesmo cérebro ao mesmo tempo. Sendo assim, é possível que uma pessoa sinta desejo sexual por alguém, depois se apaixone por essa pessoa e por fim que se casem e sejam felizes para sempre. Mas, uma vez que esses circuitos cerebrais são independentes, segundo Fisher é possível acontecer tudo ao mesmo tempo, ou seja, é normal que um ser humano sinta desejo por uma pessoa, seja apaixonado por uma segunda e por fim viva um amor de longo prazo com uma terceira. Se a pessoa vai ou não consumar esses sentimentos é outra história, claro, mas a existência deles pode ser inevitável.

Fisher também trabalha com a hipótese de que existem, quatro tipos diferentes de personalidades quando o assunto é relacionamento: os construtores, os exploradores, os diretores e os negociadores. Cada um com seu sistema hormonal dominante.

Os construtores possuem traços de personalidade ligados a serotonina, são mais caseiros, planejadores, detalhistas e não gostam de mudanças ou surpresas, já os aventureiros, ligados a dopamina, seriam o inverso disso, buscam risco e novidades na vida. Os diretores, com traços de personalidade ligados a testosterona são mais agressivos, controladores e gostam de tomar decisões, enquanto os negociadores, com traços de estrogênio seriam mais carinhosos e dedicados. Claro que essa é uma simplificação até exagerada e que nenhuma pessoa é dominada por apenas um hormônio, todos nós somos capazes de produzir os quatro em quantidades diferentes ao longo da vida, mas é impossível não se identificar com um dos tipos. É como se fosse um horóscopo, mas com embasamento científico. Quem tiver curiosidade de saber sua personalidade amorosa Fisher disponibiliza um teste (em inglês) no seu site.

Os estudos de Fisher vão além de descrever as personalidades, segundo ela, seus estudos indicam que os relacionamentos mais bem sucedidos são entre aventureiros-aventureiros, construtores-construtores e entre diretores-negociadores. Não é uma regra, mas vale a pena levar em consideração e analisar essas questões nos nossos relacionamentos não para “consertar” (até porque segundo ela essas características não tem conserto) mas para entender melhor o outro.

Numa das passagens mais interessantes do livro, Fisher aborda também como o nosso foco e interesse vai se modificando ao longo da vida, como uma resposta evolutiva-adaptativa. As crianças, cujo principal objetivo é sobreviver à infância, período da vida em que somos mais vulneráveis, são concentradas em si mesmas. O egocentrismo infantil seria uma resposta evolutiva aos perigos deste período. Na adolescência, começamos a precisar dos laços sociais e buscar parcerias com outros humanos que possam nos ajudar a ter sucesso. É por isso que adolescentes são tão focados nos seus amigos. Um adolescente é capaz de tirar algo dos seus pais para ajudar um amigo. Já no início da idade adulta o foco passa a ser a prole, queremos passar o nosso DNA adiante e por isso investimos tanto nos nossos filhos. Nessa fase, adultos podem tirar dos amigos para ajudar seus filhos. Já no final da vida, é o momento que os seres humanos mais se dedicam a caridade e a trabalhos voluntários, a ideia aqui é que nesta fase da vida queremos, conscientemente ou não, deixar um mundo melhor para que nosso DNA possa se perpetuar por várias gerações.

Sobre a monogamia, Fisher afirma que seus estudos mostram que a tendência de formar um par romântico é um impulso natural dos seres humanos, existente na grande maioria das sociedades desde a pré-história. Ela demonstra que mesmo em sociedades que permitem casamentos múltiplos (de um homem, com várias mulheres, por exemplo) um percentual sempre muito pequeno de pessoas, de fato, o fazem. Para Fisher, porém, monogamia é diferente de fidelidade. Enquanto a monogamia seriada (um par fixo por vez) seja de longe o desenho mais popular de relacionamentos entre humanos, a grande maioria é, foi, ou será infiel na vida. O próprio conceito de infidelidade varia de sociedade para sociedade. Em países asiáticos, por exemplo, e ela cita China, Japão e Índia, até recentemente o homem só era considerado adúltero se tivesse relações sexuais com uma outra mulher casada (porque assim estaria invadindo o direito de outro homem e neste caso as punições eram severas). Mas concubinas solteiras eram aceitas normalmente e tinham um status social superior ao das amantes na sociedade ocidental porque cumpriam a função de engravidar.

Esse é o modelo que segundo ela, também se vê na natureza. A grande maioria dos animais não são monogâmicos, mas mesmo entre aqueles que são, como algumas espécies de pássaros, a infidelidade também é comum. A autora descreve que ao observarem pássaros supostamente monogâmicos, biólogos perceberam que enquanto um dos pares ficava chocando os ovos no ninho (não importa se o macho ou a fêmea) e o outro saia para procurar comida, este último não raro parava aqui ou ali para uma copulação casual. Estudos com o DNA dos filhotes comprovaram o que já se sabia: nem toda a prole descendia biologicamente do mesmo pai.

Fisher justifica esses relacionamentos extra-maritais como uma estratégia secundária de reprodução, uma forma de aumentar a probabilidade de gerar uma prole saudável e bem adaptada evolutivamente. Esse princípio, segundo Fisher vale não só para os animais, mas também para os humanos desde a pré-história. Segundo ela, as nossas antepassadas que mantinham relações extra-conjugais secretas conseguiam mais recursos durante a vida, proles com genes melhores e um DNA mais variado em linhagens futuras com maior chance de sobreviver a alterações inesperadas no meio ambiente. Por isso, o gene dessas mulheres foi paulatinamente sendo escolhido adaptativamente, passando de geração para geração até hoje. O próprio fato da mulher não ter um período de cio, para Fisher, ajuda nessa estratégia. Sem um período fixo para copulação a mulher consegue manter um parceiro estável e estar pronta para relações adúlteras a qualquer momento.

Ao abordar o divórcio, Fisher relata que o fenômeno sempre existiu. Faz parte da natureza humana formar um par, se separar e posteriormente encontrar outro par. Segundo ela, o principal determinante para as taxas de divórcio é a independência. Em sociedades, modernas ou antigas, em que ambas as pessoas pudessem ser independentes separadas, as taxas de divórcio são superior do que em modelos de relacionamento em que uma pessoa é dependente, financeira ou emocionalmente da outra. Segundo ela as pessoas se divorciam porque podem e isso é bom, ou pelo menos muito melhor do que ficar em um relacionamento insatisfatório porque não se tem alternativa. Outro dado interessante que ela trás neste capítulo é a respeito da relação entre filhos e divórcios. Segundo suas pesquisas 43% dos casais que se divorciam não tem filhos, 29% tem um filho, 18% tem dois filhos e apenas 5% tem três filhos (as taxas de divórcio para pessoas com mais de 3 filhos são baixíssimas). Se é porque é difícil se separar com muitos filhos pra cuidar ou porque bons relacionamentos geram mais crianças, Fisher não arrisca dizer. Ainda sobre divórcio Fischer ataca o mito da famosa crise dos 7 anos, segundo ela a crise vem antes e o pico dos divórcios ocorre entre 3 e 4 anos de casamento.

O desejo de amar e estabelecer relacionamentos, porém não diminui com a idade ou com o número de relacionamentos acabados. Fisher relata que o grupo de seniors  (indivíduos com mais de 65 anos) é o que mais cresce nos sites e aplicativos de relacionamento. Fisher porém faz um alerta, os medicamentos antidepressivos, que tem como princípio aumentar a quantidade de serotonina no nosso corpo pode estar diminuindo a intensidade e a frequência com que nos apaixonamos. É como se estivéssemos anestesiados, incapazes de sentir as emoções (boas e ruins) que a paixão proporciona.

No final do livro, a autora se mostra otimista com o futuro dos relacionamentos. Ela afirma que estamos vivendo uma fase de slow love, em que o sexo acontece rápido, mas as pessoas demoram mais para entrar em um casamento ou relacionamento estável. Isso para ela é bom, porque assim pessoas se conhecem melhor antes de criarem compromissos. O casamento passou a ser o desfecho de um relacionamento, não mais um início, como acontecia quando os casamentos eram arranjados pelas famílias. Isso trouxe mais felicidade também, de acordo com suas pesquisas cerca de 80% das pessoas casadas se dizem felizes no casamento e que se casariam novamente com seu parceiro atual. Parece que no amor, como em outras esferas da vida, a liberdade e a independência são o segredo para a felicidade, ainda que ele “não seja imortal, posto que é chama” como dizia nosso poetinha.

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