E agora, José [Mayer]?

E agora, José? Está sem mulher, aquela que não cedeu aos “galanteios” do galã quase septuagenário (“você é mais velho que o meu pai”, disse ela)

por Tiago Pavinatto

E agora, José?

Está sem mulher, aquela que não cedeu aos “galanteios” do galã quase septuagenário (“você é mais velho que o meu pai”, disse ela).

Está sem discurso, posto não passar de parola a sua carta aberta, conversa pra boi dormir na qual, desvirtuando o mea culpa, vitima a si próprio como “fruto de uma geração que aprendeu, erradamente, que atitudes machistas, invasivas e abusivas podem ser disfarçadas de brincadeiras ou piadas.” Só faltou citar o Peninha e alegar que “tudo era apenas uma brincadeira e foi crescendo, crescendo”… crescendo mesmo: partiu de “como você é bonita”, passou a um “você nunca vai dar pra mim?” e chegou a tocar, de maneira não consentida, os lábios inferiores da moça.

Está sem carinho; não se ouvem vozes em sua defesa… muito embora, para sua sorte, seja o homem um ser que esquece e, se até Bruno, o goleiro, já é novamente assediado por fãs para selfies, o autógrafo do novo milênio, logo José voltará a ser.

Sim, o homem é um animal que esquece!

Há mais de dois mil e quinhentos anos, o poeta grego Píndaro, em seu Hino a Zeus, narrou a interpelação de Apolo ao maior dos deuses acerca de um grave defeito dos homens: o esquecimento.

No Corão, ao ser perguntado pelo Faraó, Moisés responde que o seu “Senhor jamais se equivoca e nem se esquece de coisa alguma” (20, 52).

Em conclusão, ao contrário do homem, diz São Tomás de Aquino, [Deus] et ideo non obliviscitur.” (In Psalmos Davidis expositio, Super Psalmo 9, n. 8).

Falando em São Tomás, é justo e necessário lembrar que, segundo ele, esse Deus que não esquece não pode (ou não quer), no entanto, fazer uma só coisa: à mulher deflorada, pode devolver-lhe a pureza e até mesmo a integridade física, mas nem mesmo Ele pode apagar o passado e a tornar desconhecida do varão que já a conheceu (Quaestiones de quolibet, V, q. 2 a. 1).

Do exposto, duas conclusões: (i) se até Deus tem sua onipotência restringida, José deveria reconhecer seus limites; e, (ii) a despeito de alguns fundamentalistas católicos acreditarem que tudo começou a dar errado depois dos ensinamentos do italiano de Roccasecca, tal respondeo é paradigmático quanto à dor que não se apaga, à impossibilidade de reparação do dano moral do estupro, cuja eventual compensação jamais será suficiente e, muito menos, tornará indene a vítima.

Apesar de indelével e hediondo, a atual disposição sobre o estupro no Direito brasileiro é um verdadeiro acinte à boa técnica jurídica.

Outrora, o artigo 213 do Código Penal dispunha que estuprar era “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”. Ou seja, só haveria estupro quando perpetrada penetração por homem (capaz de uma ereção; o sujeito ativo) contra mulher (sujeito passivo).

A redação restaria perfeita com a troca da palavra “mulher” por “alguém”, posto que resolveria o caso de estupro de homens e transexuais (quanto a estes, assinalemos verdadeira luta pelo reconhecimento da neovagina), bem como da expressão “conjunção carnal” por “ato sexual”, o que permitiria inserir, literalmente, a prática de introdução de órgãos não genitais ou objetos em qualquer abertura do corpo da vítima.

Venceu, todavia, o irresponsável palavrório de esquerda e, em 2009, por obra da Lei nº 12.015, o alterado artigo 213 passou a definir estupro como o ato de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Salve-se quem puder!

O tipo penal, deveras, passou a representar sério perigo na vida social das pessoas. Apesar da devida mudança de “mulher” por “alguém”, a lei manteve a expressão “conjunção carnal” e, desastrosamente, previu a prática de “outro ato libidinoso”. Que outro ato libidinoso? Qualquer um!

Logo, um afago pode ser um estupro. Sem exagero!

José foi acusado de assédio sexual, que, segundo o artigo 216-A da mesma codificação, é constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se da sua condição no exercício do emprego, cargo ou função. Porém, senhoras, senhoritas, senhores e senhorxs, ele pôs a mão onde não devia.

E agora, José? Foi assédio ou foi estupro?

Os dois!

O politicamente correto, óbice à liberdade da manifestação do pensamento, tradução dos termos econômicos marxistas para termos culturais, transformou o sexo de um jogo do prazer num tabuleiro de campo minado.

Resultado disso, conforme pesquisa da revista científica Archives of Sexual Behavior com 26.707 pessoas nos Estados Unidos e publicada em 2016, os jovens de hoje têm menos relações sexuais que as gerações anteriores (nos anos 60, a porcentagem de jovens que declarava não ter parceiros sexuais desde os 18 anos era de 6%; hoje, é de 15%). Sem falar da gouinage, prática sexual sem cópula já discutida como tendência.

Também nos Estados Unidos, depois que o Governo Obama endureceu superlativamente as medidas contra a violência sexual, gravar a transa, a despeito do direito à privacidade do parceiro, através do uso de câmera escondida se tornou algo corriqueiro (e prudente). Não para fins de posterior exercício da paixão solitária, mas de prova eficaz contra falsas acusações de estupro – afinal, melhor incorrer em crime de gravação ilegal do que ser condenado por estupro.

Nestas terras morenas de noites não mais tão serenas, o “outro ato libidinoso” da Lei penal sancionada por Luiz Inácio e assinada também pelo Tarso, pai da Luciana, deixou-nos com essa mesma insegurança. Tirou a excitação do romance e pôs a incerteza em seu lugar.

Apesar de tudo, José, não nos venha falar de, como bem denominou Reinaldo Azevedo, “machismo atávico” geracional, porque, além de absurdo, na sua geração, aliás, desde o século IV, já era dada aos verdadeiros amantes a singela lição de V?tsy?yana:

as técnicas sexuais não devem ser empregadas
com todas as mulheres, nem a qualquer hora.
a prática é determinada por cada região,
por cada lugar do corpo e pelo tempo.
(K?mas?tra, Livro Segundo, Capítulo Sete)

Mas, diria Letícia (a quem, convenhamos, não se pode dar tanto crédito assim), você não se emenda, você é duro, José… José Mayer Drumond, mas jamais de Andrade.

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