A geração ansiosa: Jonathan Haidt explica o impacto das mídias sociais na saúde mental dos jovens

Psicólogo social norte-americano faz um convite valioso à reflexão sobre as relações entre tecnologia e transtornos mentais, mas certamente não oferece a palavra final sobre o assunto. 

Quando uma criança ou adolescente enfrenta um problema de saúde mental, como ansiedade ou depressão, não é raro que os pais se perguntem: “Por que isso está acontecendo?”. Esse questionamento, carregado de dor e incerteza, reflete a busca humana por nexos causais. Ao longo do tempo, os campos da psiquiatria e da psicologia têm se esforçado para entender por que alguns jovens desenvolvem transtornos mentais enquanto outros não. Recentemente, a percepção crescente de que mais e mais crianças e adolescentes estão enfrentando problemas de saúde mental trouxe esse tema ao centro do debate público.

É a partir deste gancho que o psicólogo social Jonathan Haidt constrói o argumento de seu mais recente livro, A Geração Ansiosa: como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais (Cia. das Letras, 440 páginas; tradução de Lígia Azevedo). Baseando-se no modelo tecnológico das gerações — que define os limites geracionais a partir de mudanças tecnológicas na sociedade — Haidt foca na chamada geração Z, nascida no período de aproximadamente 1995 a 2012, a primeira coorte de indivíduos a atravessar a puberdade com acesso a smartphones e mídias sociais.

Jonathan Haidt. Crédito: James Duncan Davidson.

Esse aspecto desenvolvimental é central para a tese de Haidt. De fato, mudanças tecnológicas têm promovido mais individualismo e postergado marcos importantes do ciclo vital. A família, antes reunida em frente à televisão, hoje está atomizada, com cada membro interagindo sozinho com uma ou mais telas. Ao mesmo tempo, pesquisas que usaram metodologias padronizadas para avaliar características dos jovens ao longo das décadas convergem ao indicar que — ao menos nos EUA — as idades médias do primeiro encontro romântico, do primeiro emprego e mesmo da primeira experimentação de drogas vêm aumentando. No entanto, o grande diferencial da geração Z está no fato de serem os primeiros a se exporem à tecnologia justamente no período crucial da formação de suas identidades: a adolescência.

Haidt atribui o declínio da saúde mental de jovens a dois fatores principais: o aumento do uso de mídias sociais e a diminuição do brincar sem supervisão. Ele sugere que uma “grande reconfiguração da infância” vem ocorrendo devido à combinação de uma superproteção no mundo offline e uma baixa proteção no mundo online. Esse argumento serve de justificativa para as quatro grandes recomendações que apresenta em seu livro: 1. nada de smartphones antes do ensino médio; 2. nada de redes sociais antes dos 16 anos; 3. escolas livres de celular, inclusive nos recreios; e 4. mais independência e brincadeiras livres no mundo real.

Desde sua publicação, o livro tem sido alvo de críticas de pesquisadores na área, muitos apontando que as evidências até agora são inconclusivas e que as mídias podem até ter efeitos benéficos para alguns jovens. Ao mesmo tempo, iniciativas de saúde pública para restringir o acesso de jovens às novas tecnologias já começaram a ser implementadas em diversos países. A preocupação com os impactos negativos de novas tecnologias na saúde mental não é novidade: rádio, televisão e videogames já foram alvo de críticas no passado. Mas será que a atual ênfase nas mídias sociais é apropriada?

O aumento do uso de mídias sociais e a diminuição do brincar sem supervisão explicariam o declínio da saúde mental dos jovens.
Foto: Gaelle Marcel/Unsplash.

O foco nos jovens se justifica, pois a adolescência e o início da idade adulta representam o pico de incidência de transtornos mentais. Mais do que isso, em países nos quais dados epidemiológicos de qualidade estão disponíveis, observa-se um aumento na prevalência de transtornos como ansiedade e depressão nessa faixa etária — um crescimento que começou antes mesmo da pandemia. Alguns poderiam argumentar que esse crescimento é resultado de maior acesso à informação e redução do estigma, mas indicadores menos dependentes de relato, tais como visitas a emergências e taxas de suicídio, também estão em ascensão.

O aumento nos indicadores de piora da saúde mental coincide com a disseminação das novas tecnologias, o que justifica um exame mais atento da matéria. Dados norte-americanos sugerem que por volta de 2010 houve um crescimento nos problemas de saúde mental entre adolescentes, especialmente entre as meninas; neste mesmo período iniciou a rápida disseminação de smartphones. Entretanto, é fundamental lembrar que correlação não implica causalidade. Assim como podemos imaginar que o uso excessivo de redes sociais afeta a saúde mental, também é plausível que jovens ansiosos ou deprimidos busquem refúgio no mundo virtual. A maioria dos estudos publicados até agora usa dados transversais, ou seja, captura as informações em um único momento, o que limita inferências sobre causalidade.

Ainda que a chamada causalidade reversa possa estar em jogo, há diversas hipóteses que explicam como o uso excessivo de mídias sociais prejudica a saúde mental, como privação de sono e fragmentação da atenção. O portal que cada jovem carrega em seu bolso transforma cada um em gestor de sua própria imagem, gerando preocupações constantes com seguidores e curtidas, além da pressão para criar o clique perfeito. Vale lembrar que a câmera frontal dos celulares, tão essencial para os selfies, foi introduzida há menos de quinze anos.

O portal que cada jovem carrega em seu bolso transforma cada um em gestor de sua própria imagem.

Para os pais, é difícil resistir ao argumento de que “todo mundo está fazendo”. Como deixar seu filho ser o único da turma sem smartphone? Curiosamente, este argumento costuma aparecer em quase todas as casas na hora de convencer os pais, e praticamente todas as crianças são “as únicas que ainda não têm”. E, se todos estão usando, deve ser seguro, certo? Dada a natureza social das novas tecnologias, Haidt destaca que uma resposta coletiva torna-se necessária. Para além da decisão de fornecer dispositivos e controlar acesso, é importante reconhecer que os efeitos podem se dar mesmo em quem não os utiliza. Imaginemos, por exemplo, uma situação em que a maioria da sala está fazendo uso: não dá para dizer que quem não está usando não será impactado.

Do ponto de vista metodológico, pesquisas experimentais seriam ideais para entender os reais efeitos do uso de mídias sociais. Entretanto, tais estudos são difíceis de conduzir, pois seria eticamente problemático randomizar o incentivo para o uso de mídias sociais. Deste modo, os estudos experimentais existentes se baseiam na redução ou interrupção de uso, sugerindo que, a curto prazo, pode haver uma piora inicial na saúde mental, mas a longo prazo ocorre uma melhora — um padrão que se assemelha ao observado em outros comportamentos aditivos. Dito de outro modo, não basta reduzir ou parar o uso; parece ser necessário permanecer com este novo comportamento para se observar benefícios.

Examinando os efeitos indiretos sobre a saúde mental, Haidt argumenta que um dos grandes prejuízos se dá pelo custo de oportunidade. Ao substituir o brincar pelo uso de dispositivos eletrônicos, as crianças podem perder experiências ricas e essenciais para o desenvolvimento emocional e social. No mundo offline, as interações são corporificadas, sincronizadas, com laços sociais mais profundos. Já no mundo online, além de descorporificadas e muitas vezes assíncronas, as relações se pautam pela busca por um público cada vez maior, que é acompanhado por um investimento cada vez mais limitado nas relações individuais. 

Ao substituir o brincar pelo uso de dispositivos eletrônicos, as crianças podem perder experiências essenciais para seu desenvolvimento.
Foto: Gilley Aguillar/Unsplash.

Sabemos que é através da experiência real — e não da mera informação — que a capacidade de regulação emocional se estabelece nas crianças. No brincar, as frustrações custam relativamente pouco, sendo que privar uma criança de tais experiências pode dificultar o desenvolvimento socioemocional. Em uma perspectiva de antifragilidade, de forma análoga a como o sistema imune depende da exposição a microrganismos, as crianças também precisam de uma dose de desafios sociais para se tornarem versões mais robustas de si mesmas. De acordo com Haidt, a redução da autonomia no mundo real reduz as oportunidades para elas serem inoculadas contra a ansiedade e desenvolverem um senso de autoeficácia.

Para ele, as mídias sociais prometem, mas falham na entrega de mais conexão, multiplicando a quantidade de conexões virtuais enquanto limitam a qualidade dos relacionamentos no mundo real. Importante lembrar que essas ferramentas de fato iniciaram como redes sociais, promovendo conexões bidirecionais, mas que hoje na verdade são muito mais mídias sociais, através das quais fluxos de informação predominantemente unidirecionais seguem algoritmos cuja lógica principal é potencializar engajamento.

O livro de Haidt ainda explora uma gama de outras explicações mecanísticas, sempre buscando trazer uma série de dados de pesquisa para embasar suas afirmações. Entretanto, a velocidade da disseminação de novas tecnologias é maior do que a da ciência para compreender seus efeitos. É necessário reconhecer que conclusões científicas sólidas ainda não existem para afirmar inequivocamente que as mídias sociais são a grande causa da epidemia de problemas de saúde mental em jovens. A própria pesquisa na área ainda está engatinhando, com a grande maioria dos trabalhos utilizando medidas bastante precárias, como autorrelato do tempo de tela ou de uso de mídias sociais — e basta uma olhada no relatório de uso de nossos telefones para ver que nem sempre conseguimos estimar com precisão o tempo que passamos por lá.   

Com fluxos de informação predominantemente unidirecionais, as mídias sociais tomam o lugar das redes sociais.

Desde seu lançamento, A Geração Ansiosa tem atraído atenção por sua visão sobre a saúde mental dos jovens. Embora a obra traga à tona um fenômeno que merece escrutínio, sua ênfase em uma única grande explicação pode, ainda que não intencionalmente, perder o foco do debate sobre saúde mental.

Há mais de 400 anos, Robert Burton, em A Anatomia da Melancolia, já identificava 44 possíveis causas para a depressão. No último século, na tentativa de se consolidar como uma especialidade médica, a psiquiatria acabou adotando teorias monocausais para explicar a origem dos transtornos mentais, como se a descoberta de uma única causa pudesse dar legitimidade a esses problemas, tão difíceis de quantificar e entender. Curiosamente, essa abordagem, inspirada principalmente no modelo etiológico das doenças infecciosas, ignorou a complexidade inerente à saúde mental. Hoje, sabemos que os transtornos mentais se assemelham muito mais a doenças como o câncer ou doenças cardiovasculares, cuja compreensão da etiologia multifatorial tem permitido grandes avanços em sua prevenção e tratamento nas últimas décadas.

Reconhecer as nuances dos fatores que influenciam a saúde mental dos jovens é crucial e qualquer debate sério sobre o problema precisa ir além de explicações simplistas. Não há dúvidas de que a vida mental dos jovens de hoje está profundamente entrelaçada com o mundo digital. No entanto, atribuir às mídias sociais o papel de principal vilã por trás da epidemia de transtornos mentais é uma visão que não faz justiça à complexidade do fenômeno. Um exame cuidadoso da literatura científica tampouco permite afirmar que essas plataformas sejam inofensivas, exigindo, portanto, uma abordagem cautelosa, principalmente se levarmos em consideração que a exposição maciça acaba sendo um experimento social com indivíduos ainda em desenvolvimento. A Geração Ansiosa é um convite valioso à reflexão sobre as relações entre tecnologia e saúde mental dos jovens, mas certamente não oferece a palavra final sobre o assunto.

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Christian Kieling é Psiquiatra da Infância e da Adolescência e Professor da Faculdade de Medicina da UFRGS. É Investigador Principal do consórcio internacional de pesquisa Identifying Depression Early in Adolescence (IDEA) e co-editor da The Lancet/World Psychiatric Association Commission on Depression.

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