Viajantes alemães no Brasil durante o século XIX

A viagem de Alexander von Humboldt, entre 1799 e 1804, despertou na Europa um grande interesse científico pelo Novo Mundo. Por Eckhard Kupfer, um ensaio sobre os viajantes alemães no Brasil durante o século XIX, após abertura dos portos com a transferência da corte portuguesa para o Rio em 1808.

por Eckhard E. Kupfer

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Alexander von Humboldt influenciou quase todos os viajantes naturalistas do século XIX. Em 1799, ele iniciou sua expedição na Venezuela, subindo o Rio Orinoco até o encontro com o Rio Negro. Ele pretendia continuar rumo ao sul para comprovar a conexão dessas duas vias de navegação. Porém, ao chegar ao posto da fronteira com o Brasil, a sua entrada foi negada devido ao fato de que sua expedição fora autorizada pela corte espanhola. Ele continuou a viagem passando por Cuba, Equador, Colômbia, Peru, México e Estados Unidos, onde foi recebido pelo Presidente Thomas Jefferson.

No retorno para Europa residiu em Paris, o centro político e cultural nessa época, e iniciou as publicações junto com o seu parceiro de viagem, Aimé Bonpland. O primeiro volume foi apresentado no ano de 1811 com o título Relation historique du Voyage aux régions equinoxiales du Nouveau Continente fait en 1799 – 1804.

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Alexander von Humboldt e Aimé Bonpland por Eduard Ender, c. 1850

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A partir desta publicação e das palestras apresentadas nos círculos acadêmicos, Humboldt tornou-se o cientista universal mais admirado. Foi natural que, com a divulgação dos resultados e relatos dessa viagem de 5 anos, o interesse pelo Novo Continente, e especialmente pela América Latina, aumentasse consideravelmente. Mesmo residente em Paris, o autor despertou também um grande interesse no seu país natal, a Prússia, e nos reinados e ducados de língua alemã.

O crescente interesse de conhecer a maior região tropical das Américas foi causado por dois motivos: a impossibilidade de Humboldt de estudar a Amazonia brasileira e — depois da fuga da corte portuguesa para Rio de Janeiro em 1808 — a abertura dos portos brasileiros para a navegação de outros países.

Com a comitiva da corte chegaram também alguns alemães ao país, como, por exemplo, o engenheiro de mineração Ludwig Wilhelm von Eschwege, que fora contratado em 1802, por indicação de José Bonifácio de Andrada e Silva, como diretor de Minas em Portugal. Na mesma função, ele transferiu-se para o Brasil em 1810. Foi responsável pela organização da mineração neste país, instalou técnicas produtivas, assegurou que as normas e as leis do governo fossem cumpridas e organizou a comercialização dos minerais.

Outro alemão vindo de Portugal foi o engenheiro Frederico Luiz Guilherme Varnhagen, um colega do Barão de Eschwege, enviado para o interior de São Paulo a fim de avaliar e supervisionar a primeira fábrica de ferro em São João de Ipanema, perto de Sorocaba. Teve que superar os conflitos com o então diretor sueco, Hedberg, que não conseguiu iniciar uma produção de ferro eficiente. Em 1815, Varnhagen assumiu a diretoria. No ano seguinte nasceu, em São João de Ipanema, o seu filho Francisco Adolfo, o futuro Visconde de Porto Seguro, mais tarde chamado “Pai da história do Brasil”. Frederico permaneceu no país até 1821 e conseguiu, em 1818, produzir a primeira fornada de ferro líquido.

Um dos primeiros viajantes alemães a desembarcar no Rio de Janeiro em 1815 foi o príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied. Após ter servido no exército prussiano, e ter participado da ocupação de Paris, encontrou-se com Alexander von Humboldt e recebeu dele valiosas orientações e conselhos. No Rio de Janeiro, chegando de Londres em julho de 1815, foi recebido pelo cônsul da Rússia, Barão Georg Heinrich von Langsdorff, um médico e cientista alemão, que chegaria ao Brasil em 1813 e possuía uma fazenda e um engenho instalado no interior do estado. Lá, Wied-Neuwied encontrou os cientistas alemães Georg Wilhelm Freyreiss, ornitólogo, e Friedrich Sellow, botânico de Berlim. Sellow havia chegado em 1814, também com uma recomendação de Humboldt. Freyreiss e Sellow participaram da expedição do príncipe pelos estados de Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia e o interior de Minas Gerais. Wied-Neuwied pesquisou plantas, caçou animais e os classificou segundo o sistema de Lineu. Também se interessou pela população local e os povos indígenas. Permaneceu vários meses num acampamento perto do Rio Grande (hoje Rio Jequitinhonha) e viveu entre a tribo dos Botocudos, que eram considerados os mais perigosos. O estudo da língua deles se tornou referência. Em 1817, concluiu a viagem em Salvador da Bahia e retornou para Europa, com uma grande coleção de plantas e animais. Além disso, foi acompanhado por um jovem Botocudo, chamado Joaquim Quäck, que serviu como assistente na preparação da coleção no castelo da família na Alemanha. Em 1820, Wied-Neuwied publicou o livro Viagem ao Brasil nos anos de 1815 a 1817. Posteriormente viajou pelos Estados Unidos e se tornou um dos mais importantes pesquisadores dos povos nativos ao oeste do Rio Missouri.

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O Rio Doce do Príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied

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O interesse europeu pelo Brasil se intensificou com o casamento da princesa Leopoldina de Habsburgo com o príncipe D. Pedro I, em 1817. A jovem princesa tinha um grande interesse pelas ciências naturais e veio acompanhada de uma comitiva de cientistas europeus, chamada “Missão Austríaca”, uma das maiores expedições científicas já realizada nas Américas, sob a liderança de Johann Christian Mikan. Vieram também o botânico Johann Emanuel Pohl, que viajou pelo país até 1821; o zoólogo Johann Natterer, que percorreu o país até 1835 e levou para Viena uma imensa coleção de animais, principalmente insetos, e amostras de plantas. Parte dessas coleções pode ser encontrada no atual Museu de Etnologia e Museu de História Natural de Viena. Infelizmente, uma grande parte do material se perdeu em um incêndio no acervo durante a Revolução de 1848. O artista Thomas Ender participou da comitiva e deixou uma coleção de maravilhosas desenhos da época.

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O Rio de Thomas Ender, 1837 Eckhard

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A expedição de maior sucesso foi a viagem dos dois bávaros Johann Baptist von Spix, zoólogo, e Carl Friedrich Philipp von Martius, botânico, enviados pelo rei Maximiliano I. José da Baviera, avô da princesa Leopoldina, com a Missão Austríaca. Eles iniciaram a sua viagem no Rio de Janeiro, em dezembro de 1817, passando por São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Piauí e Maranhão, onde embarcaram para Belém do Pará, iniciando o trecho mais importante da viagem pelo Rio Amazonas até as fronteiras com o Peru e a Colômbia. Após ao retorno para a Baviera em 1820 foi publicado o relato de 3 volumes Viagem pelo Brasil.

O resultado da expedição foi uma imensa coleção de espécies de plantas, peixes, mamíferos e insetos, além de amostras geológicas e peças etnográficas. Como Spix faleceu seis anos após a expedição, provavelmente em razão de uma infecção pega durante a viagem, a análise, a catalogação e a publicação dos resultados ficaram por conta de Martius. Por mais de quarenta anos, ele se dedicou às pesquisas relacionadas à viagem, trabalhando como diretor do Jardim Botânico de Munique. Como resultado foi publicada a obra Flora Brasiliensis em 15 volumes sobre as plantas coletadas durante a viagem. A obra somente foi concluída pela equipe do Jardim Botânico em 1906, 42 anos após a morte de Martius.

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Flora Brasiliensis, 1875 (Reprodução)

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No ano de 1845, Martius participou num concurso do Instituto Histórico Geográfico de Rio de Janeiro, com a publicação Como se deve escrever a história brasileira, que foi premiada.

O cientista escreveu também um romance sobre o Brasil com o título Frey Apollonio. Escrito em 1831, porém somente redescoberto pelo Professor Erwin Rosenthal nos anos de 1990 entre os manuscritos na Biblioteca Nacional de Munique, o livro foi publicado na Alemanha em 1992 e posteriormente traduzido para o português. É considerado o primeiro romance escrito sobre o Brasil.

O Barão de Langsdorff, por sua vez, na função de Cônsul da Rússia no Brasil manteve uma fazenda bem instalada aos redores de Rio de Janeiro. Ele inspirou e estimulou vários viajantes, sendo que seu grande sonho era organizar uma expedição própria. Finalmente, em 1821 chegaram os recursos de São Petersburgo. Durante uma viagem pela Europa, contratou o botânico alemão Ludwig Riedel, os desenhistas Johann Moritz Rugendas, Hercule Florence e o artista francês Aimé-Adrien Taunay para fazerem parte da expedição. A viagem passou pelas regiões de Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso até chegar à Amazônia por vias fluviais. Foram percorridos ao todo 17 mil quilômetros. A expedição teve vários contratempos, como, por exemplo, o desentendimento entre Langsdorff e o desenhista Rugendas, que se desligou do grupo, e o afogamento de Taunay no Rio Guaporé. O próprio Langsdorff pegou malária e perdeu a memória. Assim, coube a Florence assumir a continuação da viagem e as anotações no diário.

O material coletado foi enviado para a Rússia, onde ficou guardado por mais de cem anos, sem ser catalogado. A publicação do diário de Florence aconteceu em 1875, e o diário de Langsdorff foi publicado no Brasil somente em 1997. O legado mais conhecido dessa expedição são as pinturas e os desenhos de Rugendas, que foram publicados em Paris, em 1835, sob o título Voyage pittoresque dans le Brésil.

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Rugendas, Voyage pittoresque dans le Brésil, fasc. 02, 1827

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A partir de um Decreto Real de 1820, o Brasil conseguiu contratar soldados, agricultores e artesãos alemães. Assim começou oficialmente a imigração alemã ao Brasil, com a fundação de São Leopoldo em 1824. Uma das colonizações alemãs mais famosas é a de Blumenau, fundada em 1850. O médico Hermann Blumenau recebeu a tarefa de atrair colonos para as margens do Rio Itajaí a fim de fundar uma nova colônia alemã. Entre os primeiros colonos chegava o médico Fritz Müller, que decidiu emigrar em 1852, em razão da situação política da Alemanha na época. Müller iniciou sua vida no Brasil como professor em um colégio católico em Florianópolis. Já nessa época, coletava crustáceos nas praias e estudava a evolução desses animais. Voltando para Blumenau, viajou pelo estado de Santa Catarina, coletou borboletas e estudou a reprodução de baratas. Müller foi informado por seu irmão Hermann que Charles Darwin havia publicado A Origem das Espécies. Müller e Darwin começaram a trocar cartas, e o médico alemão se tornou um pesquisador de campo, comprovando a teoria de Darwin com os animais que coletava. Posteriormente foi contratado pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro como naturalista viajante. A correspondência entre os dois cientistas continuou até a morte de Darwin no de 1882, que apelidara Müller de “Príncipe dos Observadores”.

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O Alto Xingu era, até o século XIX, uma região desconhecida. Por volta de 1750, o missionário Rochus Hundertpfund, da Companhia de Jesus, explorou uma parte do rio. Em 1842, o príncipe alemão Adalbert da Prússia passou pela região, porém somente quarenta anos mais tarde o médico Karl von den Steinen descobriu a bacia e os nascentes do rio e encontrou povos indígenas que ainda não tinham tido contato com a chamada civilização. Steinen foi acompanhado por seu primo Wilhelm, um desenhista, e pelo físico Otto Clauss. Eles elaboraram o mapeamento do Rio Xingu e coletaram peças etnográficas para o Museu de Etnologia em Berlim. Depois dessa primeira expedição em 1884, Steinen retornou em 1897 mais bem preparado, acompanhado pelo médico e fotógrafo Paul Ehrenreich, seu primo Wilhelm e o matemático e geógrafo Peter Vogel. Nessa expedição, visitaram grupos indígenas diferentes e coletaram mais de 1.200 peças etnográficas. Em 1892, foi publicado um vocabulário do idioma Bakairi. O mérito de Steinen foi ter introduzido o método chamado hoje “trabalho de campo”. Ele colocou a etnologia em uma sólida base científica, abandonando a visão eurocêntrica e valorizando a cultura indígena.

Em 1898, o etnólogo Theodor Koch participou de sua primeira expedição ao Xingu, sob a coordenação de Herrmann Meyer. Somente as viagens seguintes, de 1903 a 1905 no Alto Rio Negro e no Rio Japurá, trouxeram melhores resultados. Após essa viagem, Theodor adicionou ao sobrenome sua cidade natal: Koch-Grünberg. Sua terceira expedição é considerada a mais importante: do Rio Roraima até o Orinoco na Venezuela, onde conseguiu tirar mais de mil fotografias, fazer 85 gravações em áudio, registros em filme e a identificação de 21 idiomas indígenas. Coletou lendas e mitos, relatos sobre costumes e identificou etnograficamente os grupos indígenas. Na última expedição, em 1924, no Rio Branco, Koch-Grünberg faleceu de malária. Seus relatos, publicados em cinco volumes, permanecem até hoje como uma obra-prima sobre as pesquisas etnográficas em diversas regiões da Amazônia, enriquecida por fotografias e gravações autênticas.

Outra viajante foi a princesa Therese de Baviera, filha do príncipe Luitpold. No dia 17 de junho de 1888 ela embarcou com o navio Madeira de Lisboa para Belém/Pará, aonde chegou no dia 26 de junho. Ela e a sua equipe (um mordomo, uma governanta e um administrador) iniciaram as suas pesquisas subindo o rio Amazonas até Manaus e retornando para Belém. No dia 28 de julho, embarcaram de Belém para Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte e Bahia, chegando no Rio de Janeiro no dia 14 de agosto. De lá percorreram Minas Gerais e Espírito Santo subindo o Rio Doce e voltaram para a capital no dia 17 de setembro. Foi feita ainda uma visita a Dom Pedro II em Petrópolis e uma excursão para São Paulo antes de o grupo voltou no dia 10 de outubro para Lisboa.

Durante a viagem, tiveram intensos contatos com a natureza bem como com várias etnias brasileiras. Além disso, juntaram uma rica coleção de plantas, pássaros e outros animais que foram levados ao vivo para Munique e viviam com a princesa durante anos. No anexo do relato da viagem ela descreve a convivência e o comportamento dos animais no novo ambiente na Baviera. Os objetos artesanais foram entregues ao museu etnológico de Munique.

A importância da viagem é que ela era uma mulher. Naquela época, mulheres nem podiam visitar escolas superiores ou universidades para se formar em ciências. Pela insistência da princesa Therese, o seu pai autorizou no ano de 1902 que mulheres poderiam se matricular na universidade de Munique.

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 O Brasil, este país enorme, com sua rica biodiversidade e vários povos diferentes, atraiu desde cedo aventureiros e cientistas alemães. Os motivos variaram: da pesquisa geológica, botânica, etnológica, climatológica até o interesse pelas imensas dimensões a Região Amazônica.

Com tudo isso, ficou evidente o rico convívio entre o Brasil e a Alemanha no século XIX, na parte cientifica e cultural. Como o velho Johann Wolfgang von Goethe confidenciou a Martius em 1823, “se não estivesse já na idade avançada, gostaria de conhecer este maravilhoso país tropical”.

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A Guanabara de Thomas Ender

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Referências bibliográficas

Humboldt, A.v (1811-1825). „Relation historique du Voyage aux régions equinoxiales du Nouveau Continent, fait en 1799-1804”. 3 volumes.  Paris.

Wied Neuwied, M.v.(1820-1821). Reise nach Brasilien 1815 – 1817, 2 volumes, Heinrich Ludwig Brönner, Frankfurt.

Spix,J.B.v. e Martius,C.F.Ph. v,(1960) „Reise nach Brasilien 1817-1820“,          3 volumes, F.A. Brockhaus, Stuttgart.

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Da Silva D.G.B., (1997) „ Os Diários de Langsdorff, 3 volumes, Ass. de Estudos Langsdorff, Fiocruz, Rio de Janeiro.

Sommer F., (1952) “Guilherme Luís Barão de Eschwege”, Editora Melhoramentos, São Paulo.

Rugendas, M.(1825), „Voyage pittoresque dans le Brésil“, Erdmann, Paris.

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Steinen v.d.C.,(1886) “Durch Central-Brasilien, Expedition zur Erforschung des Schingú im Jahr 1884“, Brockhaus, Leipzig.

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Koch-Grünberg Th.,(1906) “Anfänge der Kunst im Urwald“, Indianer-Handzeichnungen auf seinen Reisen in Brasilien gesammelt“, Ernst Wasmuth.

Bayern v. Th.,(1897) „Meine Reise in den Brasilianischen Tropen“, Dietrich Reimer Verlag, Berlin.

Schneider S., (2008), „Goethes Reise nach Brasilien, Gedankenreise eines Genies“, Weimarer Taschenbuch Verlag, Weimar.

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