O Estado da Arte encontrou o fotógrafo alemão Michael Wesely no lobby de seu hotel, na Avenida Paulista, para uma conversa sobre seu trabalho. Foi no dia seguinte à inauguração do edifício do Instituto Moreira Salles em São Paulo. Wesely estava no Brasil à convite do centro cultural, que abriga sua exposição “Câmera Aberta”, com curadoria de Thyago Nogueira, coordenador de fotografia contemporânea do instituto.
Pioneiro em fotografias de longuíssima exposição, Wesely desenvolveu uma técnica com câmeras que, construídas por ele, permitem expor um mesmo negativo por horas, dias ou mesmo anos. O resultado é a condensação de todo o tempo de exposição em uma única fotografia. Entre suas imagens mais célebres estão as da reforma da Potsdamerplatz, em Berlim, que se estendeu por dois anos ou a poética série “Flores”, uma nova e instigante leitura das referências imagéticas da natureza-morta.
Sobre o projeto do IMS paulistano, Wesely comenta: “É o momento de materialização. Essa é para mim a melhor maneira que conheço de descrever meu trabalho. O IMS está sendo capturado no momento de sua aparição. O prédio vai do nada à sua realização última e isso é um processo. Usualmente a fotografia captura apenas um momento, então você retorna ao mesmo lugar e tira fotos diárias, e você coleta todo o processo em milhares de imagens. E aqui, tudo condensado em uma única imagem te faz atentar para diversas outras coisas além da construção. Pois quando você fotografa do início ao fim da obra, o resultado final, a arquitetura quase desaparece pois a proporção de seu registro é realmente pequeno e a foto mostra as estruturas principais enquanto muito do resto fica entre visível e invisível.”
Para o projeto, o artista instalou seis câmeras – quatro analógicas e duas digitais – nas fachadas dos edifícios vizinhos à obra do edifício. Elas capturaram continuamente imagens das quatro faces do novo centro cultural sendo construído por quase três anos e foram desligadas ao final da construção, em 2017. As quatro imagens do projeto e uma das câmeras utilizadas ficarão expostas no Estúdio, espaço que ocupará o último andar do IMS Paulista. Além desta oportunidade, uma individual do artista – com o retrato de Oscar Niemeyer, abaixo – pode ser vista na Galeria Casanova (Rua Chabad, 61, Jardim Paulista).
Confira abaixo a entrevista concedida a Leandro Oliveira, colunista do Estado da Arte, e a fotógrafa Amanda Areias.
O efeito do seu trabalho por vezes cria um efeito de uma certa inquietação. Fantasmas, é claro, são referências recorrentes: como se espectros invisíveis do éter tivessem sido capturados.
Michael Wesely – Talvez não seja bom usar o termo efeito, pois não uso a técnica para criar um efeito. Efeito para mim trata de um desejo deliberado para obter alguma sensação. Mas não é o que quero. A ideia de cortar o tempo, de coletar o tempo cria uma sensação, mas este é um elemento adicional. Pois em algumas partes da imagem você fica intrigado e o palpite que você tem sobre o que é ou não é aquilo se torna algum tipo de conhecimento, ou o conhecimento de alguma situação reconhecível… Há um equilíbrio entre a própria imaginação e o que a imagem te mostra. Esse é para mim um playground, playground talvez seja uma palavra muito infantil, mas a sala de discussão. Nela a imagem te dá uma coisa e a outra parte você precisa completar e para isso você deve contar com teus próprios arquivos. Mas sim, este sentido é uma espécie de playground, onde você pode entrar ou não, se não tiver tempo você pode deixar a imagem e ir para outra, mas a fotografia te serve como uma guia para tua própria imaginação.”
Não é um risco dizer que nunca tivemos tantos registros de imagens no mundo. Hoje qualquer um pode capturar aquilo que seu celular disponibiliza. Qual o efeito disso para a fotografia? E seu trabalho?
Michael Wesely – Também na fotografia, as hierarquias estão acabando. Hoje todos têm Facebook, Instagram, e podem realizar fotografias… É um erro dizer que não podemos tirar fotos com celulares. Um verdadeiro fotógrafo pode. Eu mesmo aprendi. Há limites que você precisa saber lidar. As lentes. Mas é parte da coisa. Você não pode chegar muito perto pois o nariz fica muito grande, então se quiser tirar um retrato precisa tomar alguma distância… Mas sim, você pode fazer fotos com smartphones. É como usar uma câmera que funciona com lentes 34 mm: ok, vamos lidar com isso. São limites com os quais você precisa saber operar. Diz mais sobre sua sensibilidade daquilo que funciona e o que não funciona.
Sebastião Salgado comenta que não é possível fazer fotografia com aparelhos celulares…
Michael Wesely – Há essa brasileira que está sendo muito festejada pela mídia, que faz retratos com seu smartphone (Luisa Dôrr). Ela é uma espécie de sensação. Algumas realmente não parecem ser feitas por um smartphone. A resolução é boa. Sim, é possível. O único problema para mim é o manuseio do equipamento… mas todo o resto é bem feito. Basta comparar com as limitações que tínhamos na década de setenta e oitenta. Tínhamos que aprender. A questão não é o aparato, é sobre como você organiza o espaço. Arquitetos fazem isso transformando duas em três dimensões; fotógrafos transformam três em duas.
Como começou seu processo com a pesquisa de longuíssima exposição?
Michael Wesely – Fotografia tinha para mim uma parte muito pouco satisfatória. Não sei de onde eu tirei essa ideia, mas sempre achei que a perfeição tinha um problema. Sempre achei que se uma fotografia era muito perfeita, nela havia a falta de alguma coisa. Falta de poesia ou falta de alguma coisa que talvez eu não saiba nomear. O mais detalhado uma coisa aparenta, menos espaço para a imaginação ou outra coisa. Isso não é apenas minha invenção, a natureza tem a mesma situação: nela, tudo que é muito perfeito não resiste a mudanças. Então na natureza, a imperfeição é o desejável pois é ela que dá um certo equilíbrio, uma certa maleabilidade para o imponderável. Há um pouco de John Cage na minha fotografia. Uma ideia muito próxima da dele, na verdade. Para ele, a música devia abrir as janelas. Deve-se estar aberto ao que acontece, e eu sempre achei dessa forma, há algo disso em meu trabalho. É preciso estar aberto ao que acontece, e dizer sim. É uma boa dica para a vida, também: é necessário dizer sim para as coisas, e saber seguir em frente. Eu tenho que aceitar o resultado do que é impresso no negativo, e neste sentido, não estou modelando a fotografia. Neste sentido, meu trabalho se vincula a essa “não-tradição”, pois há uma filiação a essa aceitação do aleatório.
As pessoas acreditam demais na fotografia como a entrega da verdade. Mas a fotografia não é confiável. Nunca.
Suas fotos de arquitetura são, geralmente, mais conhecidas que seus retratos. Como as pessoas reagem a eles?
Michael Wesely – Todo o início da investigação de meu trabalho em longuíssima exposição surge com os retratos. É necessário pensar nos anos oitenta, quando fotografia era muito diferente. Havia um certo machismo no mundo da imagem, todos ficavam tirando fotos sem ligar para o fotografado. Era como capturar a outra pessoa. A ideia do “momento decisivo” que embute a ideia da verdade, da realidade como ela é. A fotografia é sempre uma verdade inventada. Você escolhe o momento, o ângulo. São diferentes realidades ao mesmo tempo. Você pode fazer com que o ambiente seja quase tudo que você queira. As pessoas acreditam demais na fotografia como a entrega da verdade. Mas a fotografia não é confiável. Nunca. Detestava esse jogo de pique-esconde entre fotógrafo e modelo. Posso tirar mil fotos de você e cada uma será diferente. Qual é você? Essa ou aquela? E o fotógrafo é aquele que escolhe… Eu não gostava disso, era muito agressivo. Como pegar a mosca, uma dinâmica da qual eu não queria fazer parte. Então, eu tiro 300 segundos de alguém. São 300 segundos em que abro o obturador e ficamos sem comunicação verbal. Daí fecho o obturador. Não tenho controle sobre o resultado, alguns se movem todo o tempo. Há muitas opções e muitos comportamentos, há gente que tenta ficar quieto como numa foto tradicional, outros se movem, conversam.
Como foi voltar ao Brasil?
Michael Wesely – Há um tempo atrás, fiz uma enorme pesquisa sobre Brasília e me familiarizei aos poucos com essas grandes nomes da arquitetura e da cultura do país. Em algum momento da década de cinquenta, os astros estavam no lugar certo no Brasil. Tudo parecia conspirar para essa coisa incrível. Sempre fico fascinado aqui, sobretudo em São Paulo. Há muitos e extraordinários projetos. Muitos estão mal cuidados mas em algum momento haverá algum esforço para manter, preservar estas edificações.