A Pintura nos Países Baixos

Quem quisesse escrever uma “História de Perfeição” teria de dedicar um capítulo especial à pintura holandesa do século XVII.
Vermeer, “A Arte da Pintura”

Quem quisesse escrever uma “História de Perfeição” teria de dedicar um capítulo especial à pintura holandesa do século XVII. Esse é o instante mágico no qual o homem, 40.000 anos depois que começou a pintar paredes de cavernas, finalmente se percebeu capaz de representar absolutamente qualquer coisa tocada pela luz: um vestido de cetim, o ar vaporoso, as escamas de um peixe, um cálice de vinho e, claro, todos os matizes da carne sob a pele humana. Qualquer vibração do nervo ótico podia agora ser comunicada à mão e de lá imortalizada em uma superfície plana.

Não por acaso, essa epifania visual aconteceu no mesmo espaço e tempo em que se aprimorava e se popularizava máquina-mãe da fotografia e do cinema: a câmera escura. Era o tempo no qual a experiência científica começava a desafiar a revelação religiosa como autoridade suprema do saber, e o espaço no qual começavam a ser testados os aparatos democráticos e a sociedade de mercado na qual vivemos hoje. Enquanto os artistas italianos, respirando a atmosfera das cortes banhadas pelo esplendor do renascimento católico, idealizavam um novo mundo povoado pelos nus pagãos de atletas sobre-humanos, no ambiente austero da Holanda mercantil e protestante, os pintores, movidos pelo amor ao real, enchiam os olhos com tudo o que encontravam ao seu redor a fim de glorificar a vida como ela é. Como disse Hippolyte Taine

“aquilo que [o gênio nacional holandês] exige e aquilo que ele provoca, é a representação do homem real e da vida real, tal qual os olhos os veem: burgueses, camponeses, gado, lojas, estalagens, alojamentos, ruas e paisagens. Não há necessidade de transformá-los para os enobrecer; basta que eles sejam, para serem dignos de interesse. A natureza por ela mesma, seja qual for, humana, animal, vegetal, inanimada, com suas irregularidades, suas trivialidades, suas lacunas, tem razão de ser como ela é; quando a compreendemos, a amamos e gozamos ao vê-la. A arte tem por fim, não a alterar, mas interpretá-la; por força da simpatia, ela a faz bela.”

Convidados

Antonio Gonçalves Filho: crítico de arte, curador e repórter especial de cultura do jornal O Estado de São Paulo.

Luiz Marques: professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.

Pieter Tjabbes: graduado em Direito e História da Arte pela Universidade de Leiden, na Holanda, curador e sócio fundador da Art Unlimited.

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