Jóias no cinema, um ensaio mundano

Um ensaio de Jeffis Carvalho sobre as jóias — e humor, e suspense, e aventura — no cinema. Os diamantes são mesmo eternos, afinal, como pregava Marilyn.

por Jeffis Carvalho

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O dia amanhece. A rua, que dali a pouco estará tomada de pessoas apressadas, no momento está deserta. O táxi, amarelo, estaciona. Dele desce uma mulher. Uma bela mulher. O vestido negro, decotado, reto, longilíneo. O cabelo em coque, propício para a tiara digna de uma princesa. A bela mulher se posta diante de uma vitrine. Seus olhos, sedutores, agora são seduzidos pelo brilho de pedras preciosas. A mulher, única, é Audrey Hepburn. O vestido negro é um modelo Givenchy. A rua deserta àquela hora é a Quinta Avenida, em Nova York. E a vitrine é da Tiffany Co. Com esta cena, que abre o filme Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany’s, 1961), o diretor Blake Edwards eternizou —congelando num flash atemporal — a simbologia da jóia no universo feminino. Mas ele fez mais: ao som instrumental da canção Moon River, de Henri Mancini, o que vemos é a síntese de uma relação que sempre foi eterna: jóia e mulher; mulher e glamour; glamour e elegância; elegância e sofisticação; e tudo isso na tela do cinema. A imagem da estrela Audrey refletida na vitrine da maior joalheria do mundo não deixa dúvidas: no cinema, jóia é glamour. A jóia é essencial para o cinema, a arte do glamour por excelência, que fez dela companheira, adorno, meta, cúmplice e, claro, personagem.

Em 2004, o poster original de Bonequinha de Luxo foi arrematado em uma casa de leilões de Londres. Preço: 350 mil dólares. Se o filme já era, ele mesmo, uma pequena jóia do cinema, o seu poster foi comprado pelo valor digno de um diamante. No fundo, tudo o que se relaciona a Audrey Hepburn hoje em dia é assim: vale tanto quanto um diamante. Nada mais justo. Afinal, se nenhuma atriz conseguiu fumar tão bem no cinema quanto Bette Davis, ninguém soube usar uma jóia melhor do que Audrey. E olha que ela teve grandes rivais nesse quesito: Greta Garbo, Marlene Dietrich, Ingrid Bergman, Rita Hayworth, Grace Kelly, Catherine Deneuve, Sophia Loren e até mesmo Elizabeth Taylor — que soube unir, como nenhuma outra,  jóia, glamour e cafonice, tanto na tela como fora dela.

Mas se você acha que Audrey é só uma estrela do passado, veja My Fair Lady (Idem, 1964).

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Audrey Hepburn como Elisa Dolittle em My Fair Lady (Reprodução)

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No baile de sua apresentação a high society de uma Londres Belle Époque, a entrada triunfal de Elisa Dolittle, repaginada pelo professor Higgins na versão musical de Pigmalião dirigida por George Cukor, é a prova definitiva de que jóias, no cinema, só mesmo no colo, no pescoço, nos braços e na cabeça de Audrey Hepburn. O resto é só figuração.

A presença de braceletes, gargantilhas, colares, pulseiras, brincos, coleiras, tiaras, coroas, pingentes, relógios e anéis, no cinema, quase sempre se resumiu a isto: figuração. No sentido literal de um item a mais de figurino na composição de um quadro de riqueza, poder, ostentação, sofisticação ou elegância das personagens que as portavam. No cinema em preto e branco, essas jóias reluziam em pescoços, braços, dedos, cabeças e colos de grandes estrelas, de coadjuvantes ou mesmo de figurantes. Mas reluziam apenas o brilho e, por isso, quase nunca eram realmente diamantes, rubis, esmeraldas ou topázios. Eram apenas vidro. O cinema, como a arte da prestidigitação, transformava pedaços de vidro em pedras preciosas e, por tabela, em verdadeiras jóias.

No era do technicolor, o truque se sofisticou a tal ponto que de repente as jóias de verdade invadiram os filmes. É que o truque deixou de ser na tela e virou um espaço de merchandising de designers e joalheiros. Um efeito que depois saiu dos filmes e invadiu as premiações do cinema, principalmente, claro, o Oscar. Hoje, na festa anual dos prêmios da Academia, as estrelas desfilam jóias autênticas, avaliadas em milhares e até milhões de dólares. As estrelas se tornaram modelos de jóias cada vez mais sofisticadas e extravagantes. Se a Tiffany invadiu a tela de Bonequinha de Luxo, a joalheria brasileira H. Stern já colocou no pescoço de Angelina Jolie um colar de diamantes de corar Liz Taylor. O resultado, ainda que possa desagradar a opinião de estilistas e jornalistas de moda, é que não havia mulher mais bonita naquela edição do Oscar do que Angelina Jolie.

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Marilyn Monroe no clássico número Diamons Are a Girl’s Best Friend, do filme Os Homens Preferem as Loiras (Reprodução)

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Para rivalizar com a elegância de Audrey & jóias, só mesmo a sensualidade de Marilyn Monroe & diamantes. O grande Howard Hawks, um dos maiores cineastas americanos, deu-lhe um papel sob medida no filme Os Homens Preferem as Loiras (Gentlemen Prefer Blondes, 1953), baseado no musical da Broadway, que, por sua vez, era uma adaptação do livro de Anita Loos. Marilyn faz par com outro símbolo sexual do início dos anos 50 do século passado, a voluptuosa Jane Russel, na engraçada história de duas garotas que procuram um ótimo casamento durante um cruzeiro. Jane é a morena e Marilyn, claro, é a loira aparentemente burra, mas mais esperta que todos os marmanjos do filme juntos. Em seu primeiro papel como estrela, Marilyn é a síntese da irresistível alquimia femme and diamonds, com toda a inerente carga de sedução e, claro, de quilowatts de sensualidade. Como Lorelei Lee, ela só pensa em homens ricos e diamantes (que nunca estragam e nem envelhecem). Marilyn nunca esteve tão bonita, sexy e sedutora como no clássico número musical Diamonds are a Girl’s Best Friend. Nele, ela é a loira rodeada de homens de fraque, num vestido rosa maravilha em que as pulseiras de diamantes estão sobre as luvas. Mais do que Lorelei Lee, é a própria Marilyn defendendo com garra a sua tese: os diamantes são o melhor amigo de uma garota.

Das telas do cinema para a vida real. Mais do que qualquer outra estrela, Elizabeth Taylor estabeleceu uma intensa cumplicidade com as jóias, mais especificamente com os diamantes. Eles saíram dos filmes e entraram como símbolo em sua vida pessoal. Sua conturbada relação com o grande Richard Burton (casaram-se duas vezes, embededaram-se, brigaram, se agrediram e se amaram como num filme em tempo real) foi marcada, sempre, por diamantes e esmeraldas.

Liz Tayor, brigas e muitos, muitos diamantes de reconciliação (Reprodução)

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A cada reconciliação, Burton lhe dava uma jóia. Como foram muitas brigas e muitos reatamentos, os diamantes sempre ficavam maiores e mais caros, como se eles fossem uma espécie de plot nesse roteiro surreal. Nos anos 60 e início dos 70, o público assistiu de camarote (para deleite da mídia sensacionalista) a um verdadeiro reality show protagonizado por duas celebridades, em que o prêmio final era um enorme e valioso diamante que podia valer um milhão de dólares.

Se para Liz Taylor o diamante era prova de amor e para Marilyn eles nunca estragam e nem envelhecem, a melhor definição de uma jóia foi mesmo dada pela elegante Audrey. Mais do que o valor em si, de sua preciosidade calculada em milhares ou milhões de dólares, a jóia vale pelo o que ela representa de glamour para a mulher. Na seqüência de Bonequinha de Luxo que se passa dentro da própria Tiffany, George Peppard, o co-astro de Audrey no filme, quer lhe dar um presente da joalheria, mas só tem dez dólares. A solução é gravar algo num simples anel, brinde de um pacote de biscoitos. Para Audrey, a Tiffany, ao gravar, avalizou aquele anelzinho como uma jóia. Puro glamour.

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Jóias & suspense…

A jóia, no cinema, pode ir além, muito além de ser apenas uma peça a mais no figurino de astros e estrelas. Com o mestre Alfred Hitchcock, a jóia ganhou o status de personagem. Em alguns de seus grandes filmes, essa personagem assumiu um papel decisivo na trama: ou como pista, ou como objeto de disputa e ganância, ou como elemento decisivo de identificação e resolução da trama.

No seu filme predileto, (confessado ao cineasta Peter Bogdanovich, que o entrevistou), Hitchcock reservou a uma jóia o papel de peça conclusiva para a identificação de um assassino. O filme é uma das indiscutíveis obras-primas do mestre do suspense: À Sombra de uma Dúvida (Shadow of a Doubt), de 1943. A trama se desenrola num ambiente familiar típicamente americano, numa pequena cidade do interior.  A história é aterradora. Nesse ambiente calmo e idílico, chega Tio Charlie (Joseph Cotten), o membro errante de uma pacata família. Sua sobrinha mais velha tem o seu nome, Charlie (Tereza Wright), e nutre pelo tio um misto de profunda admiração e atração. Mas Tio Charlie volta à sua cidade porque está fugindo da polícia. Ele guarda um segredo: é um assassino frio e calculista. Conhecido como Viúva Alegre, ele mata viúvas depois de lhes roubar. Está armado o suspense, que se desenrola num crescendo.

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Teresa Wright e Joseph Cotten como Charlie e Charlie em À Sombra de uma Dúvida (Reprodução)

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O embate Charlie X Charlie se instala quando a sobrinha começa a desconfiar do tio. E a peça que lhe dá a certeza de suas piores suspeitas é uma jóia. Tio Charlie dá a Charlie um anel de presente (um dos bens que ele roubou no último assassinato). Por uma foto de jornal, ela descobre que o tio é um assassino. O anel que ela possui no dedo é o mesmo que estava no dedo da vítima. O tio lhe deu a prova de seu próprio crime.  Mais do que um suspense convencional, Hitch faz uma radiografia da possível maldade instalada em nossas próprias casas.

Diametralmente oposta é a trama, leve e bem humorada, de Ladrão de Casaca (To Catch a Thief), de 1955, em que Hitchcock mostra um famoso ladrão aposentado (Cary Grant), chamado de o Gato, voltando à ativa para descobrir quem está roubando jóias na Riviera francesa usando o seu estilo, o seu toque. Nessa empreitada ele se envolve com uma rica herdeira (Grace Kelly, mais bonita do que nunca) que desfila com classe e muito charme, colares, pulseiras, brincos e gargantilhas.

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Grace Kelly em Ladrão de Casaca, de Alfred Hitchcock  (Reprodução)

No maior de seus filmes, Um Corpo Que Cai (Vertigo, 1958), o mestre do suspense reserva a uma jóia o instrumento da revelação nessa obra-prima de suspense e ambiguidade. Por meio dela, Scottie (James Stewart) descobre que Judy (Kim Novak), que ele repaginou como sua amada Madeleine e que havia morrido por sua culpa, por sofrer de vertigem, é efetivamente Madeleine. Descobre, então, que o tempo todo foi vítima de uma grande conspiração de assassinato.

Em seu derradeiro filme, o simpático Trama Diabólica (Family Plot), de 1976, Hitch faz dos diamantes a recompensa principal na história de dois vigaristas atrapalhados (Barbara Harris e Bruce Dern) que se envolvem com um casal de contrabandistas profissionais (Karen Black e William Devane). A sequência final, em que a falsa médium (Barbara Harris) consegue, enfim, usar o seu dom e “ver” onde estão escondidos os diamantes, é simplesmente hilariante.

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Jóias, aventura & humor…

O sucesso do filme foi estrondoso e a sua sequência de abertura em desenho animado tão marcante — gerando depois uma série de TV — que hoje em dia poucos são aqueles que se lembram que Pantera Cor-de-Rosa era o nome do maior diamante do mundo.

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O cartaz internacional de A Pantera Cor-de-Rosa (Reprodução)

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É o filme A Pantera Cor-de-Rosa (The Pink Panther, 1963), de Blake Edwards. Na trama, o protagonista é o ladrão refinado e nobre Sir Charles Litton (David Niven), secundado pelo verdadeiro responsável pelo sucesso do filme: o inspetor Clouseau (Peter Sellers). Sir Charles empreende o mirabolante plano para roubar o diamante conhecido como Pantera Cor-de-Rosa, e o inspetor Clouseau tenta, em vão, impedi-lo. Segundo o estudioso Pedro Karp Vasquez, esse primeiro filme da série foi “um começo indigno do melhor inspetor da Sûreté Francaise. O invencível Clouseau não só é vencido, como acaba na cadeia, acusado — pasmem! — do roubo do diamante Pantera Cor-de-Rosa que deu nome ao filme”.  E mais do que isso, lembra Vasquez, Litton consegue a cumplicidade de ninguém menos do que a senhora Clouseau.

Em outra famosa série do cinema, o espião a serviço de sua majestade teve mais sorte do que o atrapalhado Clouseau. James Bond (Sean Connery) consegue evitar o uso maligno de um satélite de diamantes e, claro e sempre, termina a trama com a bond girl de plantão (Jill St John). O filme é 007 – Os Diamantes são eternos, (Diamonds Are Forever, 1971), de Guy Hamilton.

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Cartaz de Os Diamantes são Eternos (Reprodução)

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Na trama, 007 investiga atividades suspeitas no mundo do mercado de diamantes e descobre que seu arqui-inimigo Blofeld (Charles Gray) está por trás do desaparecimento de uma grande quantidade de diamantes. Ele está armazenando um estoque de pedras para utilizar nos escudos refletores de seu mortal satélite a laser. O objetivo — lembrem-se, é uma aventura de James Bond — é mirar o canhão laser do satélite e destruir o arsenal nuclear das grandes potências, na clássica chantagem por dinheiro, muito dinheiro.  Com a ajuda da linda contrabandista Tiffany Case (Jill St. John), Bond faz de tudo para evitar os planos do vilão. Afinal, é o destino do mundo, mais uma vez, que está em perigo. Na seqüência que mostra o satélite sendo armado no espaço, com seus incríveis refletores cravejados de diamantes, é quase inevitável a lembrança de Marilyn cantando Diamonds are a Girl’s Best Friend. Ali, em órbita, aqueles diamantes demonstram, mais do que nunca, como pregava Marilyn Monroe, que são mesmo eternos.

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