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No dia em que Sir Roger Scruton celebraria seus 77 anos de idade, recuperamos e reproduzimos aqui duas entrevistas suas. A primeira, trazida graças ao Nexus Instituut, parceiro do Estado da Arte na Holanda, que realizou a entrevista e permitiu sua reprodução e transcrição aqui. Em 2013, Scruton falou ao Nexus sobre alternativas a uma visão idealista, e idealizada, de mundo, sobre soluções locais para grandes problemas e sobre uma necessária noção de sagrado.
A segunda, produzida e dirigida numa parceria entre o Estado da Arte e o Spotniks, foi uma conversa — na última grande entrevista do filósofo antes de sua morte — conduzida por Eduardo Wolf, fundador do Estado da Arte, sobre As Memórias de Underground, a filosofia da arte de Scruton, meio ambiente, conservadorismo e muito mais.
(O segundo vídeo conta já com legendas em português. O primeiro, foi traduzido e transcrito por Gilberto Morbach, editor do Estado da Arte.)
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Roger Scruton, sobre alternativas ao Idealismo
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Parece haver uma divisão no debate, no qual você toma o lado dos realistas, em contraste com o idealismo de [por exemplo] Alain Badiou. Você não acha que o mundo precisa de um pouco de idealismo?
Não, eu acho que o mundo precisa de menos idealismo. O século XX foi criado pelo idealismo. O comunismo, o fascismo e o nazismo são todos baseados em sistemas idealizados, naquilo que o mundo devia ser idealmente, e na ideia de que, já que o mundo não é como devia ser, estamos autorizados a mudá-lo radicalmente, e a tomar o controle para fazê-lo. Os resultados imediatos são genocídios, como vemos. Penso que o idealismo do tipo de Badiou é extremamente perigoso. Eu estava em Paris em 1968 quando ele estava nas ruas gritando seus ideais e isso bastou para me converter para o outro lado.
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Foi tão ruim assim?
Foi, foi tão ruim assim, ver aqueles jovens arrogantes fingindo representar os trabalhadores, quando, na verdade, eram ricos subprodutos da classe média, querendo ditar a todo mundo o sistema político que derivavam de suas leituras pela metade. Isso ficou nessa classe de intelectuais franceses desde então. Eu acho que pessoas como eu têm um dever do realismo como oposição, de dizer “Veja, essa unidade entre os intelectuais e os trabalhadores, quem estava criando isso de fato? Vocês, intelectuais. Quantos trabalhadores estavam envolvidos? Muito poucos. Apenas aqueles que vocês controlavam por meio de sindicatos.” Livremo-nos dessas ilusões e tratemos as pessoas como elas são.
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Muito bem, eu não vou usar a palavra “crise”, mas certamente você deve pensar que há coisas no mundo hoje que estão erradas e que devem ser mudadas.
Sim. É claro. Há muitas coisas erradas que devem ser mudadas. A pergunta é como. O modo revolucionário de abordar essa questão é reunir uma pequena conspiração de elite para construir uma solução e então impô-la de cima para baixo à massa. Eu tomo o outro lado, a clássica visão inglesa. Às pessoas deve ser dada a liberdade para compreender seus problemas, enfrentá-los a partir de seu repertório existente de gestos políticos e sociais, e então gradualmente atingir algum consenso. E essa é uma abordagem muito diferente.
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Ela é, absolutamente. Você não está dizendo, porém, que precisamos de uma nova aristocracia?
Não. É certo que as coisas estariam melhores se eu tivesse mais voz. Mas não há como isso possa acontecer. Tenho sorte que o Nexus Instituut permite que eu fale. Agora, em meu livro sobre filosofia verde eu descrevo aquilo que vejo como uma alternativa a essas soluções de cima para baixo a grandes problemas como a questão do meio ambiente, e como minha alternativa é criar espaços para movimentos comuns de pessoas comuns no enfrentamento dessa questão.
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Certo. Como elas devem então lidar com o problema?
Antes de tudo, o problema deve ser local. Essa é uma coisa na qual eu concordo com Badiou, a ideia de que os grandes pontos de transição em indivíduos e em comunidades são locais. Eles envolvem algum problema pelo qual você está passando e que permitem que você reconheça sua dependência de outras pessoas, como você precisa se unir para resolver problemas. Os holandeses fizeram isso muito bem no século XVII. Eles tinham um grande problema ambiental, afinal, e construíram represas para solucionar. É um grande feito, que não foi conquistado por um comitê de vanguarda revolucionária impondo aos holandeses uma solução que eles não queriam. Tratava-se ali de pessoas normais reunindo-se localmente para construir sua própria represa. Gradualmente, o país solucionou o problema. E eu acho que muitos dos problemas ambientais que enfrentamos hoje podem ser confrontados dessa forma, desde que você mantenha aqueles intelectuais revolucionários de fora.
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Por fim, você menciona que [uma noção de] sagrado deveria retornar na sociedade. Você pode comentar sobre isso?
Penso que as pessoas são incompletas sem um conceito do sagrado. Elas devem ter uma perspectiva de que este mundo em que vivem tem momentos, lugares, acontecimentos, pessoas, enfim, que, em certo sentido, estão fora do curso ordinário das coisas. Não são coisas a serem barganhadas, coisas a serem compradas e vendidas, mas coisas que exercem juízo sobre nós. Todos temos essa perspectiva quando somos crianças, isso nos é instintivo, mas é algo que nos é arrancado pelo materialismo, pelo conforto em satisfazer nossos desejos, e por aí vai. O resultado é que, em grande medida, à deriva — desprovidos de algo necessário à nossa felicidade, que é exatamente a sensação de que estamos em boas relações com coisas sagradas.
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Uma conversa entre Eduardo Wolf e Sir Roger Scruton no Brasil
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