por Eduardo Wolf
A Independência do Belo e do Feio
Não é de hoje que a Bienal de Arte de São Paulo se notabiliza mais por temas que guardam relação acidental com o domínio artístico – quando não puramente estranhos ao universo da arte – do que propriamente por assuntos com cidadania própria no território a que antes chamávamos “artes visuais”. Uma tragicômica interdição do Ibama em instalação envolvendo urubus aqui, manifestações políticas atrapalhadas contra o Estado de Israel por parte da curadoria acolá, a verdade é que as diversas tendências que há algumas décadas comandam os negócios das artes contemporâneas têm, as mais das vezes, pouca ou nenhuma afinidade com os temas e as práticas que por mais de dois milênios caracterizaram a tarefa do artista – e a de seu crítico, diga-se. Lamentavelmente, não é diferente com esta 32ª edição da Bienal, aberta ao público até 11 de dezembro próximo.
Verificando as linhas gerais do que ali vai exibido, no entanto, é possível perceber que um filósofo e crítico como o italiano Benedetto Croce (1866-1952) articulou perfeitamente bem os tipos de compreensão limitadora e equivocada do fenômeno estético que testemunhamos esparramados pelo pavilhão da mostra. Tristemente esquecido em nossos meios editoriais, acadêmicos e críticos, Croce retorna ao circuito das ideias brasileiras agora com sua Estética como Ciência da Expressão e Linguística Geral (É Realizações), obra-prima de 1902 em que, entre outras ambições intelectuais, identifica modos de compreensão da estética que não hesita em chamar de “desvios e erros”. Hedonistas, moralistas e pedagogos, esses tipos apresentados por Croce (amiúde amalgamados, tanto na figura do artista quanto naquela do crítico em nossos tempos) nos acompanham desde há muito, e o fato de os encontrarmos todos no Ibirapuera hoje é talvez a única conexão entre aquilo que passa por arte no universo da Bienal e o que tradicionalmente se chamou de arte no Ocidente por 2 mil anos.