A tolerância na Ethica Nicomachea, por Marco Zingano

A Editora Odysseus acaba de lançar Ethica Nicomachea - III.9 - IV.15 - As Virtudes Morais. Trata-se do terceiro livro publicado por Marco Zingano, professor titular do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, na coleção Obras Comentadas, dedicada à tradução, estudo e comentário de obras clássicas da filosofia grega. Desde 2008, o professor Zingano vem se dedicando ao projeto da tradução e comentário integral da Ethica Nicomachea, tendo publicado, inicialmente, Ethica Nicomachea I.13-III.8 - Tratado da Virtude Moral e, mais recentemente, em 2017, Ethica Nicomachea V.1-15 - Tratado da Justiça. O Estado da Arte tem o prazer de publicar a tradução do capítulo 11 do quarto livro do tratado aristotélico — o capítulo dedicado à virtude da tolerância — seguido do comentário de Zingano. 

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Editora Odysseus acaba de lançar Ethica Nicomachea – III.9 – IV.15 – As Virtudes Morais. Trata-se do terceiro livro publicado por Marco Zingano, professor titular do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, na coleção Obras Comentadas, dedicada à tradução, estudo e comentário de obras clássicas da filosofia grega. Desde 2008, o professor Zingano vem se dedicando ao projeto da tradução e comentário integral da Ethica Nicomachea, tendo publicado, inicialmente, Ethica Nicomachea I.13-III.8 – Tratado da Virtude Moral e, mais recentemente, em 2017, Ethica Nicomachea V.1-15 – Tratado da Justiça. O Estado da Arte tem o prazer de publicar hoje, em parceria com a Editora Odysseusum excerto da Introdução assinada pelo professor Zingano, em que analisa a doutrina aristotélica da mediedade e seu papel da determinação da virtude da tolerância, seguida da tradução do capítulo 11 do quarto livro do tratado aristotélico — o capítulo dedicado justamente à virtude da tolerância — seguido do comentário ao texto e à tradução.

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Aristóteles por Josep de Ribera, 1637

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Excerto da Introdução de Marco Zingano

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A Doutrina da Mediedade e as Virtudes sem Denominac?a?o

A doutrina da mediedade cumpre um papel chave na teoria aristote?lica da ac?a?o, mas se poderia supor que perde muito de sua importa?ncia na psicologia moral que dai? decorre, pois na?o e? mais mobilizada em relac?a?o a?s descric?o?es dos caracteres. Ela esta? ausente, com efeito, dos Caracteres de Teofrasto, bem como do tratado ????? ???? ?????????? ????????????? de Aristo, pois e? uma pec?a inu?til para as descric?o?es feitas nestes textos. Pore?m, como procurarei mostrar agora, tal doutrina tem um papel importante tambe?m aqui, na psicologia moral, pois e? com base nela que o Estagirita pode mapear o domi?nio das virtudes morais que va?o servir de base para as descric?o?es dos caracteres ao modo de Teofrasto. Costuma-se dizer que Aristo?teles retorna a um cata?logo das virtudes morais que a li?ngua lhe oferece, deixando de lado a tentativa de restringir as virtudes a?s u?nicas virtudes cardinais segundo o projeto plato?nico de as reduzir a quatro virtudes ba?sicas e, feita esta primeira reduc?a?o, reduzi-las a? prude?ncia ou saber.36 Aristo?teles na?o partilha de tal projeto e se volta a? linguagem moral de seu tempo. Isto e? verdade, mas somente em parte. Aristo?teles recorre a um quadro ou tabela, tanto na EN (II 7 1107a32- 33: ??? ???? ??????????) como na EE (II 3 1220b37: ??? ???? ???????????), e se mostra sensi?vel a? pletora de termos da sema?ntica moral de sua e?poca, mas na?o se trata de proceder com base em um cata?logo das virtudes fornecido pelas pra?ticas lingui?sticas de sua e?poca, mas sim de ter um quadro, em seus cursos, em que as virtudes aparecem listadas segundo o esquema aristote?lico do excesso, falta e termo me?dio. E? particularmente importante ter isto em mente porque muitas virtudes ou vi?cios aparecem nesta tabela por forc?a da teoria do justo meio, porquanto ou bem na?o possuem denominac?a?o na linguagem moral corrente, ou bem encontram um lugar erra?tico na fala cotidiana, mas te?m seu lugar lo?gico assegurado unicamente pela doutrina do justo meio.

O lugar erra?tico pode ser ilustrado pela magnanimidade segundo as verso?es que An. Post. II 13 relata. Enquanto virtude, a magnanimidade na?o e? nem na?o tolerar insultos – o que gerou em Aquiles a co?lera funesta que canta a Ili?ada – nem mostrar-se indiferente a? roda da fortuna – como fazia So?crates. Quanto ao primeiro, o magna?nimo de fato na?o tolera insultos, mas isto porque busca a honra ma?xima fundada na virtude; no segundo caso, na?o se aflige nem se alegra em demasia com infortu?nios ou boa sorte, mas segue em suas atitudes tendo em conta que a fortuna e? u?til, embora abalos na riqueza na?o o esmorec?am em seu cara?ter.

Mais importante e? quando falta denominac?a?o, quando a li?ngua na?o deu atenc?a?o a um fato do mundo moral. Assim, no caso da coragem, quem excede na?o por ser demasiadamente arrojado em relac?a?o a?s coisas com as quais se deve ser arrojado, mas por lhe faltar medo a respeito do que se deve temer, na?o encontra denominac?a?o na li?ngua (EN III 10 1115b24-25), mas sua posic?a?o lo?gica e? detectada grac?as a? doutrina da mediedade em func?a?o de um dos para?metros da coragem (o de ter medo). No meio urbano, em relac?a?o ao divertimento e entretenimento, ha? uma virtude ligada ao humor e ao riso. Bufa?o e? quem na?o perde uma ocasia?o para uma piada e excede a este respeito; ru?stico e? quem nem faz nem sabe escutar tiradas de bom humor. A posic?a?o interme?dia, pore?m, na?o tem nome, mas, por ser identificada pela doutrina da mediedade, a pessoa que ocupa esta posic?a?o passa a ser chamada de espirituosa ou com senso de humor (EN IV 14 1128a33). O mesmo vale para quem esta? na posic?a?o intermedia?ria entre o obsequioso (????????) e a pessoa de trato difi?cil (?????????) ou querelosa (????????). Na EE, bem como na EN II 7, esta posic?a?o intermedia?ria e? denominada de amizade, ??????. O termo grego ?????? tem um amplo emprego e pode-se pensar aqui em amabilidade. No capi?tulo nicomaqueio dedicado a esta virtude (EN IV 12), Aristo?teles nos diz que na?o e? ??????, mas antes algo similar a? ??????. Ele reserva ?????? para suas ana?lises posteriores, nos livros VIII e IX, da amizade, um fato central na vida moral, e prefere deixar sem nome a virtude que ocorre entre o excesso da obsequiosidade e a falta expressa na atitude querelosa. Na?o e?, pois, ????????, afeic?a?o, a respeito da qual falara? no Tratado da Amizade, mas uma atitude de cordialidade ou, como propus, polidez, um feno?meno tipicamente urbano, que na?o e? de modo algum afetac?a?o, mas que tampouco pode ser assimilado a uma forma de amizade, pois permanece alheio a?s relac?o?es de convi?vio conti?nuo que a amizade requer. Na MM e na EE, Aristo?teles repertoria o homem solene (???????) como meio termo entre o obsequioso (????????) e o soberbo (?????????), ao passo que a ?????? e? o meio termo entre a hostilidade (??????) e a adulac?a?o (?????????). Na EN, este campo difuso de comportamentos sociais se reduz a um meio termo sem nome, cujos extre- mos sa?o, de um lado, a obsequiosidade (??????????), quando na?o ha? ganho, ou a adulac?a?o (?????????), quando ganho esta? envolvido, e, de outro, o trato difi?cil (?????????) e a natureza querelosa (???????????). Na?o e? fa?cil remodelar a linguagem e escolher as tri?ades que de fato conve?m manter. O homem solene (???????) e? cordial, mas tem um lado pomposo que excede a polidez; por outro lado, a ?????? ja? ingressa em uma afetividade que a polidez, por mais cordial que seja, na?o conte?m. Ha? uma sintonia fina que muda de obra para obra e mesmo, como vimos, oscila no interior da mesma obra. Na EE, Aristo?teles conclui o relato sobre as virtudes morais realc?ando suas dificuldades: (i) o meio termo e? mais contra?rio do que os extremos o sa?o entre si porque os rechac?a definitivamente, ao passo que os extremos podem entrar em uma certa combinac?a?o, como no caso do ????????????, literalmente o poltra?o temera?rio, ou aqueles que sa?o avaros para umas coisas e pro?digos para outras (EE III 7 1234a34-1234b4); (ii) o contraste por vezes e? maior entre o excesso e o meio termo, por vezes entre a falta e o meio termo, como o temera?rio que parece mais pro?ximo da coragem do que a covardia e o esbanjamento com respeito a? generosidade (III 7 1234b6-13). A despeito destas dificuldades, a busca do termo mais adequado se faz guiada pela doutrina da mediedade, que localiza os lugares lo?gicos dos extremos a ti?tulo de excesso e falta, de um lado, e, de outro, o meio termo entre estes extremos.

Desaparece, assim, a figura do legislador (?? ??????????) que cria os nomes, como ocorre ainda no Cra?tilo de Plata?o (ver, por exemplo, Crat. 389a5-6), seja ele uma figura divina que institui a correta linguagem, de total transpare?ncia com as coisas nomeadas, ou pertenc?a ele a um domi?nio recuado no tempo em que os primeiros homens concentraram nas palavras que no- meiam as coisas as definic?o?es que as revelam, mas assim o fizeram a partir da experie?ncia humana primeira do movimento e da mudanc?a. Na?o ha? mais uma legislac?a?o primeva, mas uma localizac?a?o lo?gica do que deve ser nomeado. A nomeac?a?o aristote?lica no domi?nio pra?tico vem amparada na doutrina da mediedade a ti?tulo de meio termo relativo a no?s que constitui a virtude moral entre dois extremos, o excesso e a falta. Na?o ha? um cata?logo de virtudes que a li?ngua oferece e que Aristo?teles procura justificar em sua riqueza contra a reduc?a?o plato?nica a?s quatro virtudes cardinais. Ha? sim uma ana?lise da riqueza do vocabula?rio em domi?nio moral governada pela doutrina do meio termo.

O mais extraordina?rio lugar lo?gico que a li?ngua comum deixou sem nomeac?a?o, mas que Aristo?teles localiza com base em sua doutrina do termo me?dio e ao qual aporta um nome, e? a ????????, que traduzi por tolera?ncia. Trata-se do meio termo entre a irascibilidade, ???????????, e algo como uma falta de reac?a?o cole?rica, ??????????. Este u?ltimo na?o tem nome na linguagem comum e e? marcado de modo fortemente pejorativo, pois quem e? ?????????? e? visto como servil (??????????????: cf. EN VI 11 1126a8), porquanto tem uma atitude de escravo, incapaz de defender a si mesmo e aos seus pro?ximos, e, por esta raza?o, parece ser estulto (?????????; cf. 1126a5). O termo me?dio tampouco tem nome e recebe a denominac?a?o de ???????? por Aristo?teles. A ???????? se inclina antes a? falta, pois, na li?ngua corrente, a pessoa tolerante e? vista como imperturbada, sem se deixar arrastar pelas emoc?o?es (EN IV 11 1125b34-35). Mas isto e? falso: a ???????? e? um meio termo e, a este ti?tulo, se opo?e a? falta de reac?a?o. Por outro lado, os que se encolerizam (??? ?????????????) reagem de pronto a? ofensa, defendem a si e aos pro?ximos, o que faz com que sejam vistos por um bom a?ngulo e favorecidos na estima popular. Ha? diferentes tipos de cole?rico: ha? os irasci?veis que sa?o vi?vidos e reagem imediatamente, mas tambe?m logo cessam; ha? os iracundos, que digerem com dificuldade o que se passou e guardam a co?lera por largo tempo; ha? os rancorosos, que so? se acalmam por meio de vinganc?a ou punic?a?o. Todos os cole?ricos buscam a vinganc?a, ao contra?rio do tolerante. Ora, como o pro?prio Aristo?teles diz, vingar-se e? particularmente humano (EN IV 11 1126a30: ???- ????????????? ???? ??? ????????????), o que explica a posic?a?o privilegiada de que gozam os cole?ricos no discurso moral comum. Mesmo assim, ocupam a posic?a?o de um extremo, o excesso, e por isso devem ser censurados. E? como que a fo?rceps que Aristo?teles extrai desta conjuntura sema?ntica desfavora?vel a virtude da tolera?ncia como termo me?dio entre a irascibilidade e a falta de co?lera. A tolera?ncia na?o tem lugar no discurso moral de seu tempo; ela so? passa a ser mencionada, ganhando enfim visibilidade, porque ocupa um lugar lo?gico que lhe prepara a doutrina do meio termo. E isto na?o e? um resultado pequeno, pois, de outro modo, ficaria invisi?vel e continuaria a carregar a pecha de servil ao ser identificada a? simples falta de co?lera.

Para que serve a doutrina do meio termo? O comenta?rio contempora?neo demonstra pouco aprec?o por esta doutrina. Para muitos, e? simplesmente uma pec?a inco?moda da teoria aristote?lica da virtude moral de que ele deveria separar-se assim que possi?vel. Seu defeito ma?ximo consistiria em promover um ca?lculo quantitativo das emoc?o?es para aquilatar o valor moral de um ato, cujo valor moral, pore?m, e? antes a sua qualidade. Para outros, a complexidade dos para?metros envolvidos em uma ac?a?o, como no caso paradigma?tico da coragem (em que arrojo face ao que nos da? confianc?a e temor diante do que deve ser temido constituem duas balanc?as que medem caso a caso o que deve ser feito), empresta a esta doutrina alguma utilidade que, de outro lado, lhe faltaria por inteiro. Se olharmos, pore?m, ao estudo que Aristo?teles faz das virtudes morais, vemos que ele na?o partiu de um cata?logo disponi?vel em algum diciona?rio moral da e?poca, mas que construiu sua sema?ntica moral a? luz dos lugares lo?gicos que a doutrina do meio termo preve? para os domi?nios de ac?a?o que a linguagem circunscreve. De outro modo, muitas virtudes e vi?cios ficariam sem denominac?a?o e passariam ao largo do discurso moral. Entre estas virtudes esquecidas, porque sem nome, se encontra justamente a tolera?ncia. Trazer para a reflexa?o uma virtude de tamanha importa?ncia por si so? veste a doutrina do meio termo com uma nova roupagem. A ta?o vilipendiada doutrina do meio termo tem, na verdade, um papel central na?o somente na teoria aristote?lica da ac?a?o, como tambe?m na psicologia moral que dai? decorre.

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Aristóteles, em detalhe d’A Escola de Atenas, de Rafael

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ETHICA NICOMACHEA [tradução de Marco Zingano]

IV. 11 Tolera?ncia e? a mediedade no tocante a acessos de co?lera. Uma vez que termo me?dio na?o possui nome e praticamente tambe?m na?o os extremos, aplicamos ao termo me?dio o termo tolera?ncia, a qual se inclina em direc?a?o a? falta, que e? ano?nima. O excesso e? um tipo de irascibilidade, dir-se-ia, pois, de um lado, a emoc?a?o e? co?lera; [b30] de outro, o que a provoca e? muito variado. Assim, e? louvado quem se encoleriza com as coisas com que se deve e com as pessoas contra as quais se deve encolerizar-se, ademais de como se deve, quando e durante quanto tempo em que se deve; este e?, enta?o, o tolerante, se e? bem que a tolera?ncia e? louvada (entende-se por tolerante quem fica imperturbado e na?o e? levado pela emoc?a?o, mas e? ficar rancoroso com estas [b35] coisas e durante tanto tempo como a raza?o ordena). [1126a] Parece antes, pore?m, incorrer em erro em direc?a?o a? falta, pois o tolerante na?o e? vingativo, mas antes compreensivo; e? censurada, pore?m, a falta, seja um tipo de ause?ncia de co?lera ou o que quer que seja (com efeito, os que na?o se encolerizam com as coisas com as quais se deve parecem [a5] ser estultos, bem como os que se encolerizam na?o como se deve nem quando nem com as pessoas com as quais se deve), pois parece na?o ser sensi?vel nem se afligir – ao na?o se encolerizar, parece na?o ser algue?m que preste socorro; ora, suportar ser conspurcado e fazer vistas grossas ao que ocorre a? parentela e? uma atitude servil. O excesso se engendra segundo tudo isto (pois se encoleriza com as pessoas com as quais na?o se deve, com as coisas com as quais na?o se deve, mais do que se deve, [a10] mais prestemente e por mais tempo); na verdade, todas juntas na?o ocorrem a uma mesma pessoa, pois isto na?o poderia ocorrer. Com efeito, o mal destro?i inclusive a si mesmo e, quando se da? por inteiro, torna-se invia?vel. As pessoas cole?ricas encolerizam-se rapidamente com quem na?o se deve, nas coisas com as quais na?o se deve e mais do que se deve, mas cessam rapidamente: e? [a15] o que te?m de melhor. Isto ocorre a eles porque na?o rete?m a co?lera, mas revidam, de modo manifesto, por causa da punge?ncia; em seguida, cessam. Os irasci?veis sa?o vi?vidos no excesso e sa?o cole?ricos contra tudo e em relac?a?o a tudo, de onde tambe?m prove?m o nome. Os iracundos digerem com dificuldade e ficam em estado [a20] de co?lera por muito tempo, pois rete?m o ardor. A calma vem quando ele revida, pois a vinganc?a faz cessar a co?lera, instilando prazer no lugar da aflic?a?o. Isto na?o ocorrendo, mante?m o ar grave, pois, pelo fato de a co?lera na?o ser visi?vel, ningue?m tampouco toma simpatia por eles, e digerir em si pro?prio a co?lera requer tempo. [a25] Tais pessoas sa?o as que mais causam inco?modo para si pro?prias e aos amigos mais pro?ximos. Denominamos rancorosos aqueles que nutrem rancor pelas coisas com as quais na?o se deve, mais do que se deve e por mais tempo, e que na?o se reconciliam sem vinganc?a ou punic?a?o. Opomos a? tolera?ncia antes o excesso, pois ocorre mais vezes (pois vingar-se e? particularmente humano), e os [a30] rancorosos sa?o os piores para o convi?vio. O que foi dito anteriormente nas discusso?es tambe?m fica evidente pelo que estamos dizendo, pois na?o e? fa?cil determinar o como, com quais pessoas, em quais coisas e por quanto tempo se deve encolerizar-se, bem como o ate? que ponto algue?m age corretamente ou incorre em erro. De um lado, com efeito, quem se desvia um [a35] pouco na?o e? censurado, nem quanto ao mais nem quanto ao menos; de outro, por vezes mesmo elogiamos os que esta?o em falta e os dizemos tolerantes, assim como dizemos [1126b] que os que nutrem rancor te?m ar viril como se fossem capazes de governar. Enta?o, na?o e? fa?cil determinar pela raza?o o quanto e o como quem se desvia e? censura?vel, pois a discriminac?a?o reside nos particulares e se faz na percepc?a?o. Contudo, pelo menos isto tanto esta? claro: que a disposic?a?o intermedia?ria e? digna de elogios [b5] – com base na qual nos encolerizamos com quem se deve, com as coisas com que se deve, como se deve e tudo o mais deste tipo –, ao passo que os excessos e as faltas sa?o censura?veis – levemente quando ocorrem em pouco desvio; mais, se mais; se muito, veementemente. Claro e? que se deve aderir a? disposic?a?o intermedia?ria. Estejam explanadas as disposic?o?es referentes a? co?lera.

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Aristóteles por Johann Jakob Dorner, o Velho, 1813

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Comentário:

A tolerância é uma virtude sui generis em Aristóteles e serve de teste para sua doutrina do meio termo entre dois excessos. Vimos já que há casos em que um dos termos falta. Assim, na coragem, o excesso é dito temeridade quando o agente tem arrojo em demasia, mas não há nome para designar aquele que excede segundo o parâmetro do medo, isto é, que excede por a ele faltar medo. De outro lado, na virtude relativa às honras menores, os dois extremos estão bem mapeados na língua (vaidade e desapego a honrarias), mas ao termo médio falta uma denominação própria, de modo que os extremos tendem a ocupar o lugar conceitual do termo médio. Mesmo assim, Aristóteles sente-se confiante em precisar a posição conceitual do termo médio relativo às honras menores. Porém, a situação parece mais aguda agora, pois não somente o termo médio relativo aos acessos de cólera não tem nome disponível na língua, como praticamente tampouco os têm os excessos. De fato, encolerizar-se e, por conseguinte, ser colérico parece ser o que a língua oferece como disposição virtuosa, a ponto mesmo de tomar o tolerante como uma falta a seu respeito, a falta propriamente dita tampouco possuindo nome. Assim, a prática usual grega identifica um só termo, o colérico, e o louva por ser o que há de mais humano, a tolerância sendo vista como falta e identificada à ausência de cólera, julgadas ambas como definitivamente reprováveis. É neste contexto semântico adverso que Aristóteles vai introduzir sua regra do meio termo entre dois extremos e determinar a virtude como sendo a tolerância, o ter acessos de cólera com o que se deve, quando se deve e contra quem se deve, em relação à qual o encolerizar-se excessivamente é o excesso e a ausência de cólera é a falta. É por força deste esquema conceitual tripartite que emerge a virtude da tolerância; de outro modo, a tolerância não teria lugar de virtude e continuaria sendo identificada à insensibilidade e falta de atitude de proteção de si e dos outros, claramente tomada então como um defeito.

É extraordinário acompanhar a emergência da tolerância como virtude por força de um esquema conceitual sobre o pano de fundo de uma linguagem moral que a exclui totalmente. De fato, a tolerância surge deste modo aqui, como que extraída pelo fórceps conceitual da doutrina do meio termo, sem ter lugar na linguagem comum a título de virtude. A tolerância também depende deste mesmo esquema conceitual para perdurar como virtude. Quando Tomás de Aquino se pergunta se é possível demonstrar cólera de modo justo (Summa IIa IIae q. 158), ele se debate agora com um mundo invertido: nenhum caso de cólera parece ser justificável, não há mais espaço para o colérico. Contra esta posição, o Aquinate recorre a Aristóteles para restabelecer os casos corretos de cólera, a saber, aqueles justificados pela razão. De fato, ele se apoia inicialmente em Agostinho, quem, na Cidade de Deus IX 4, havia também atenuado o repúdio total que os estoicos propunham a respeito das emoções, em especial da cólera, apelando a uma história que Aulo Gélio narra (Noctae Atticae XIX 1) a respeito de um estoico que, viajando de barco de Cassiopa a Brundísio, demonstra medo durante uma tempestade, mas que, retornada a calmaria, retira de seu bolso o livro V (hoje perdido) das Diatribes de Epicteto para explicar seu comportamento. Esta longa conversa erudita se faz necessária para dar lugar a uma cólera justificada lá onde o bom cristão deveria reprimir toda ira. Quando olhamos para Aristóteles, vemos que ele, em uma situação invertida, precisa igualmente recorrer a uma grelha conceitual para poder fazer emergir a tolerância como virtude. Antes de Aristóteles, a tolerância não tem lugar conceitual e muito menos se inscreve como virtude; após Aristóteles, será preciso recorrer a ele para repensar acessos justificados de cólera. Ao longo de toda esta conversa erudita, percebe-se o quão difícil é fazer emergir a tolerância como virtude e quão instável é sua posição como um meio termo entre dois extremos.

1125b28 o termo tolerância. O escoliasta observa que, embora sejam todos anônimos (o termo médio e os extremos), Aristóteles não é o primeiro a aplicar o termo tolerância à mediedade e irascibilidade ao excesso, pois Platão já mencionara na República que os guardiães deveriam ser duros e dóceis com as pessoas (193, 19-21). Com efeito, quando Platão introduz os guardiães da cidade em Rep. II, ele diz que devem ter uma dupla natureza, já que devem ser dóceis com os habitantes, mas duros com os inimigos (Rep. II 375c1-2: ??? ?? ???? ??? ???? ???????? ?????? ?????? ?????, ???? ?? ???? ????????? ????????; a citação que o escoliasta atribui à República encontra-se de fato nas Leis V 731b3-4: “todo homem deve ter ardor, mas ser gentil ao máximo possível”: ???????? ??? ?? ??? ????? ????? ?????, ????? ?? ?? ??? ????- ???). Aspásio, por sua vez, nos diz que o termo era utilizado por outros filósofos, mas servia então para designar quem era totalmente sem cólera, sem que fosse utilizado para casos em que se encolerizava como devia. Aspásio acrescenta que Platão foi o único filósofo antes de Aristóteles a dizer que se deve ser calmo e impetuoso ao mesmo tempo, fazendo referência à mesma passagem das Leis (119, 3-8), mas provavelmente pensando em República II.

1125b29 O excesso é um tipo de irascibilidade, dir-se-ia. O que Aristóteles nomeia aqui como um tipo de irascibilidade (????????? ???, em que ??? tem valor alienans: irascibilidade, de certo modo), ele dirá, na EE, caracterizar o agente “irascível, iracundo e rude” (EE III 3 1231b8-9: ?? ?????? ??? ?????? ??? ?????); na tabela que guia a análise da EE, o excesso, que abre a tabela, é ?????????, acompanhado da falta ????????? e do termo médio ??????? (II 3 1220b37).

1125b30-31 o que a provoca é muito variado. O que é causa eficiente ou o que provoca a cólera (o texto está no plural: literalmente, as coisas que a provocam são muito variadas). A paráfrase verte por ?? ?? ???????? ??? ?????, as coisas que movem a cólera (77, 29-30).

1125b32 quando e durante quanto tempo. A cláusula temporal do bem agir no tocante ao domínio dos episódios de cólera envolve não somente quando deve encolerizar-se, mas também por quanto tempo: o caso clássico de um erro na extensão do tempo é a cólera, ?????, que Aquiles nutre por muito tempo contra Agamêmnon (no grego homérico, ????? designa uma cólera dificilmente aplacável, típica de heróis e deuses, distinta da ?????, cólera humana, ou do ?????, ressentimento, rancor, zanga).

1125b33-34 entende-se por tolerante. Como Grant observa, é difícil determinar o valor de ???????? aqui, pois oscila entre “a palavra tolerante significa” e “o tolerante tem uma tendência”, mas o próprio Grant se decide pela primeira opção (II 81): a semântica usual é primeiramente dada para ser corrigida na  sequência da passagem.

1126a1 é ficar rancoroso. Isto é, significa (????????) ficar rancoroso (???????????) do modo como ordena a razão (?? ?? ? ????? ????).

1126a3 compreensivo. A ética aristotélica não é uma ética do perdão e da remissão dos erros; o agente pode ser ?????????????, compreensivo, sem por isso perdoar a outra pessoa. Sobre o perdão, ver nota a III 1 1109b33 (Tratado da Virtude Moral 142).

1126a3 seja um tipo de ausência de cólera. A falta tampouco tem nome, mas pode ser denominada de ???????? ???, em que ??? tem novamente um valor alienans: algo que se aparenta à falta de cólera, sem ser exatamente isso. O alfa privativo (?-) em ???????? pode indicar (i) a total ausência de cólera ou (ii) a dificuldade em se encolerizar. Na EE, Aristóteles lista, na tabela inicial, a falta como sendo ????????a, falta de sensibilidade (II 3 1220b38), mas, no exame eudêmio ex professo da tolerância, escreve que a pessoa em falta é ???????, insano (III 3 1231b10; Walzer-Mingay corrigem para ????????, alinhando o texto da EE ao da EN).

1126a5 bem como os que se encolerizam não como se deve. Entendo que há duas classes aqui: a dos que não se encolerizam e a dos que se encolerizam, mas não do modo como se deve (muito possivelmente se encolerizam muito pouco, mas se encolerizam mesmo assim). Sigo os manuscritos, que dão ??? ?? ?? ?? ??? ???’ ??? ???’??? ???, em que ??? é uma conjunção aditiva; no entanto, Kb lê ?? ?? ?? ??? ???’ ??? ???’ ??? ???, sem ???, o que poderia fazer pensar em um só grupo. Neste caso, estaria simplesmente explicitando que não se encolerizam como se deve nem quando nem com quem se deve, a título de glosa para a expressão com as coisas com as quais se deve da linha anterior.

1126a7 conspurcado. O termo grego é ????????????????, possivelmente ligado a ?????, barro, lama, no sentido de jogar lama, conspurcar (embora nem ????? nem ???????? pareçam ter existido). É difícil não ver aqui uma referência ao famoso discurso de Cálicles no diálogo Górgias de Platão, no qual o sofista defende, em um longo monólogo (482c4-486d1), a lei do mais forte, a busca por sempre mais (?????????) e, em especial, declara, contra o que Sócrates havia sustentado na discussão anterior com Polo, a saber, que é preferível sofrer injustiça a cometê-la, que esta não é atitude de um homem, “mas de um escravo, cuja morte é preferível à vida, incapaz, quando injustiçado e ultrajado <????????????????>, de socorrer a si mesmo ou a alguém por quem zele” (483b1-4, trad. de Daniel Lopes).

1126a12-13 o mal destrói inclusive a si mesmo e, quando se dá por completo, torna-se inviável. Tomás de Aquino explica que “isto é universalmente verdadeiro do mal: quando completo, ele se autodestrói, de sorte que o mal não elimina o bem inteiro (pois cada ser é bom na medida em que existe), mas um bem particular, do qual o mal é a privação, de modo que a cegueira elimina a vista, mas não destrói o animal. Se o animal fosse destruído, a cegueira cessaria de existir. Então, manifestamente, o mal não pode ser total, porque, ao destruir assim por completo o bem, destruiria a si mesmo” (Comment. IV 13 § 808).

1126a17 de modo manifesto. A oração ? ??????? ???? qualifica ??????????????, revidam, sendo equivalente a ???????, abertamente, claramente, ou, como Grant traduz, “in an open way” (como em uma construção pessoal de ??????? ????? com particípio no sentido adverdial de ???????). A paráfrase dá em seu lugar ???? ??????????, nada escondem (78, 6); Aspásio escreve que “tampouco passam despercebidos quando em cólera por causa da pungência do ardor” (120, 3-4: ???? ??????????? ??????????? ??? ??? ??????? ??? ?????). Até aqui é claro, mas a expressão mesma, ? ??????? ????, causa surpresa e Coraes consequentemente a marcou como “passagem suspeita” em sua edição grega corrigida de 1822. É a única passagem neste capítulo, porém, que conecta a expressão de cólera a uma dimensão pública de evidência. Na definição da cólera que a Retórica fornece, há o fato do sujeito se encolerizar por tomar algo como um insulto e, em consequência, sua busca de um revide público. A definição é a seguinte: “seja a cólera o desejo acompanhado de dor de uma vingança pública por causa de um suposto menosprezo a si próprio ou a alguém de sua companhia, o menosprezo não sendo justificado” (Rhet. II 2 1378a30-32: ???? ?? ???? ?????? ???? ????? ???????? ?????????? ??? ?????????? ????????? ??? ????? ? <??> ??? ?????, ??? ????????? ?? ???????????). Há duas vezes a noção de ?????????? nesta definição e penso que em cada caso tem um valor diferente (ver meu texto Pathos para uma justificação). Roberts traduz para a ROT ambas as aparições de ????????? como “conspícuo, notório”: “anger may be defined as a desire accompanied by pain, for a conspicuous revenge for a conspicuous slight at the hands of men who have no call to slight oneself or one’s friends” (ROT ad loc.); Rapp também mantém a mesma tradução, mas agora no sentido de “suposto”: “es soll also Zorn ein mit Schmerz verbundenes Streben nach einer vermeintlichen Vergeltung sein für eine vermeintliche Herabsetzung einem selbst oder einem der Seinigen gegenüber von solchen, denen eine Herabsetzung nicht zusteht” (Rhet. I ad loc.). Há obviamente uma vantagem filológica em manter a mesma tradução, mas filosoficamente tal atitude causa aqui dificuldades. Cope não hesita em adotar a primeira opção: “?????????? and ?????????? are both emphatic; not merely ‘apparent’ and ‘unreal’, but ‘manifest, conspicuous, evident’… a slight which is so manifest that it cannot escape observation; and therefore because it has been noticed by everybody, requires the more exemplary punishment in the way of compensation” (Rhet. II 10). Cope toma ?????????? em ???????? ?????????? como equivalente a ???????, vingança evidente, manifesta, termo que encontramos, aliás, no comentário anônimo transmitido pelo ms. Vaticanus gr. 1340, que pertenceu à biblioteca de Fulvio Orsini: ???? ?? ???? ?????? ???????? ?????????? ???? ??????? ???? ????? (Anonymi in Rhet., CAG 21, 1 ed. Rabe: 89, 8-9). Na segunda opção, porém, se trata antes de uma suposta vingança provocada pelo fato que o sujeito toma algo como menosprezo não merecido, que bem poderia não ser desdém algum, ou mesmo real, mas merecido. Neste caso, o que está em pauta é o lado subjetivo, as crenças que possui a pessoa que se encoleriza, de sorte que o espaço público, a ágora grega, perde muito de sua importância. Que outros, e mesmo muitos, assim o tomem não é o elemento crucial para que o sujeito se ponha em estado de cólera: o decisivo está em seu ato individual de tomar o que está ocorrendo a ele de um certo modo, a saber, como desprezo não merecido, e buscar em consequência algo que toma como sendo uma vingança adequada. Este fator cognitivo foi fortemente sublinhado por William Fortenbaugh em seu estudo sobre as emoções em Aristóteles: “by insisting on the essential involvement of cognition in emotional response Aristotle has rejected the view of James that emotion is properly a bodily sensation and aligned himself with Bedford in opposition to Pitcher, who thinks cognitions characteristic of but not essential to emotional response” (2002: 12; Fortenbaugh faz referência aqui ao livro pioneiro de William James, The Principles of Psychology, de 1890, precedido pelo artigo What is an Emotion, de 1884, bem como aos artigos mais recentes de Errol Bedford: Emotions, de 1956-7, e George Pitcher: Emotion, de 1965). Segundo esta perspectiva, alguém tem medo, por exemplo, desde que tome algo como ameaçador, ainda que isso não seja de fato em nada ameaçador. A crença do sujeito tem assim um papel preponderante na formação de uma emoção. É o que Aristóteles realça quando diz que “a cólera porta sobre uma suposta injustiça” (EN V 10 1135b28-29: ??? ????????? ??? ?????? ? ???? ?????). No mesmo sentido, quando Aristóteles retoma a definição da cólera nos Tópicos, ele dá prioridade ao elemento cognitivo embutido no ato de tomar algo de um certo ângulo: “a cólera é um desejo de vingança por causa de um suposto menosprezo” (Top. 156a32-33: ? ???? ?????? ????? ???????? ??? ?????????? ?????????). Tudo isto leva a dar um valor cognitivo a ?????????? em ??? ?????????? ?????????. Resta saber, porém, qual o valor de ????????? em ??????? ?????????, e aqui penso que se trata não de algo que o sujeito crê ou imagina ser uma vingança, mas, como queria Cope, de uma vingança que as pessoas veem como realizada, uma vingança pública e notória. Vingar-se em seu quarto rasgando o pôster de seu ídolo que supostamente o teria insultado em um concerto não é vingança em nenhum sentido, por mais doloroso que tenha sido para ele ragar o pôster. Há, assim, dois valores para ??????????: o de “suposto” em “suposto menosprezo” e o de “notório” em “vingança notória”. É este elemento de notoriedade que é realçado em nossa passagem, desta vez ligado ao sujeito e suas crenças, pois ele manifestamente está em estado de cólera por causa da pungência de seu sentimento; não fosse assim pungente, o agente poderia esconder sua cólera para eventualmente vingar-se mais tarde, de modo inesperado e, alegadamente, por isso mesmo mais eficaz. Resta assinalar que esta passagem, sintaticamente, pode ser lida de dois modos: “por causa da pungência” explica ou bem (i) o revide, que então torna manifesta a cólera, ou (ii) o caráter manifesto da ação e, por conseguinte, do agente. Optei por (i), pois o ponto me parece ser que, por conta da pungência, há um revide de pronto, e é este revide que faz com que os agentes não possam passar despercebidos em seu estado colérico.

1126a19 de onde também provém o nome. O termo é ?????????, de cólera vívida.

1126a19 Os iracundos digerem com dificuldade. Aristóteles distingue os iracundos, ?????? (literalmente: amargos, acres), dos ?????????, os irascíveis; os últimos são explosivos, mas, por isso mesmo, não guardam rancor, ao passo que os primeiros ruminam a cólera por longo tempo. O tópico de digerir a cólera é bem conhecido: no discurso de Calcas, ele pede a Aquiles para protegê-lo de Agamêmnon, pois, ainda que este digira a cólera no mesmo dia (I 81: ?? ??? ??? ?? ????? ?? ??? ??????? ????????), há de guardar em seu peito rancor (82: ???? ?????) contra ele. Mais adiante, Aristóteles introduz os rancorosos (????- ???), que só se reconciliam com vingança ou punição.

1126a25 requer tempo. Bywater sugere corrigir ??? (requer) dos manuscritos por ?????? (carece) com base na antiqua traductio, que imprime indiget.

1126a30 pois vingar-se é particularmente humano. Fato da natureza humana que explica a posição favorável que a linguagem comum dá aos irascíveis, ao passo que aproxima os tolerantes dos que não manifestam cólera nenhuma, que são tomados por servis e estultos.

1126a31-32 O que foi dito anteriormente nas discussões. Aristóteles faz diretamente alusão ao que disse em II 9 1109b14-26, do qual 1126a32 ?? ??? –1126b9 ????????? é uma repetição quase nos mesmos termos. Rassow editou as duas passagens em colunas paralelas e considerou que, em II 9, a passagem está em seu devido lugar, ao passo que, em IV 11, “é uma repetição dispensável” (Forsch. 17). Gauthier julga mesmo que é pouco provável que seja uma repetição por parte de Aristóteles; para ele, é simplesmente “le travail d’um éditeur trop zelé” (II 304) que não compreendeu que o capítulo se conclui em 1126a31. Detalhes do texto, porém, como veremos, levam a crer que se trata de uma adaptação inteligente e produtiva daquela passagem a este capítulo.

1126b1-2 têm ar viril. O termo ?????????, aqui traduzido por têm ar viril, faz contraste com quem tem ar servil (1126a8: ????????????) por não se encolerizar. Isto é sinal de que esta passagem está bem localizada aqui também; ademais, Aristóteles acrescenta somente aqui que estes têm ar viril como se fossem capazes de governar (1126b2: ?? ?????????? ??????).

1126b3 determinar pela razão. A expressão é ?? ???? ?????????, à qual se pode dar uma versão fraca (explicitar em palavras) ou uma versão um pouco mais forte (dar uma regra); penso, no entanto, que há um contraste forte entre a razão que determina de modo universal certas condições e a percepção que apreende, em cada situação, o estado preciso de coisas.

1126b3-4 pois a discriminação reside nos particulares e se faz na percepção. Bywater corrige o texto aqui à luz do que está escrito em II 9 1109b22-23, que sigo: ?? ??? ???? ???’ ?????? ??? ?? ???????? ? ?????? (no lugar de ?? ??? ???? ???’ ?????? ??? ?? ???????? ? ?????? dos manuscritos). O ponto importante é observar que a preposição ?? não tem o mesmo sentido nos dois casos: no primeiro, indica onde a discriminação ocorre (ela reside nos particulares), ao passo que, no segundo, indica a faculdade por meio da qual a discriminação se opera (ela se faz na percepção).

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Aristóteles com um busto de Homero, Rembrandt, 1653

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O leitor encontra a obra no site da Editora Odysseus.

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