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Trazemos hoje, no Estado da Arte, ‘A recriação da filosofia a partir do cinema’ — um ensaio de Jônadas Techio, Professor do Departamento de Filosofia da UFRGS e Pesquisador CNPq, e Flavio Williges, Professor do Departamento de Filosofia da UFSM, que serve de introdução à antologia Filosofia e Cinema, disponível gratuitamente no espaço da Série de Livros Eletrônicos do Departamento de Filosofia da UFPEL.
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A recriação da filosofia a partir do cinema
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por Jônadas Techio e Flavio Williges
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Se entendermos por filosofia a compreensão que uma época ou uma cultura tem de si mesma, e se o cinema for o locus privilegiado de expressão artística da contemporaneidade — no sentido de ser a forma de arte mais popular, mais democrática e que gera maior impacto na vida cotidiana de bilhões de seres humanos — é de se esperar que essa arte desperte grande interesse da parte de filósofas e filósofos. E ainda que os primeiros estudos filosóficos dedicados ao cinema tenham sido publicados poucos anos após a popularização das imagens em movimento[1], apenas recentemente esses estudos começaram a se institucionalizar, sobretudo nos ambientes acadêmicos europeu e norte-americano, dando origem a várias disciplinas, cursos, conferências e periódicos especializados dedicados a investigar as relações entre filosofia e cinema. No Brasil esse processo de institucionalização ainda se encontra em uma fase bastante embrionária, e esperamos que este volume possa contribuir para impulsionar seu desenvolvimento e consolidação.
No que segue gostaríamos de articular algumas razões iniciais para defender a pertinência e a importância do envolvimento da filosofia com a investigação sobre a natureza do meio cinematográfico, bem como da reflexão filosófica acerca dos produtos mais populares que recebem expressão nesse meio — os filmes. Tendo articulado essas razões passaremos a indicar como os ensaios que compõem o presente volume pretendem contribuir para as finalidades aqui propostas.
Comecemos lembrando de um fato óbvio, mas cujas consequências ainda estão longe de serem completamente compreendidas ou mesmo mensuradas. Nas últimas décadas assistimos a uma explosão sem precedentes na produção e no consumo de imagens. De alguns poucos retratos na parede e fotografias em álbuns de família, passando pela popularização do cinema, da televisão e do home video, e chegando aos milhares de fotografias e vídeos digitais produzidos por nossos smartphones e compartilhados em redes sociais e serviços de streaming, imagens (estáticas ou em movimento) se tornaram simplesmente onipresentes em nossas vidas. Como resultado de tal onipresença, nossa própria experiência da realidade está se tornando cada vez mais informada, mediada e sobredeterminada por imagens. Desse modo, o que até pouco tempo atrás eram oportunidades para escapar da subjetividade e do isolamento, desfrutando uma realidade mais ampla e independente — reuniões com amigos e familiares, viagens, visitas a museus, etc. — agora estão cada vez mais se tornando ocasiões para emular, re-encenar ou aperfeiçoar outras tantas imagens dessas experiências, com as quais tivemos contato em revistas, filmes, programas de TV, anúncios e assim por diante. Mesmo atividades corriqueiras, como uma simples caminhada no parque, podem se tornar rotinas bem planejadas — roteirizadas, produzidas e encenadas, se não gravadas e editadas, e com direito a trilha sonora. De forma mais reveladora, até nos raros momentos em que decidimos não carregar nenhum tipo de dispositivo de registro fotográfico, muitas vezes nos vemos não apenas olhando para algo — uma paisagem, digamos — mas pensando “que bela foto isso daria”, ou “como essa paisagem é cinematográfica”, e assim por diante.
Mas isso não é tudo. Para além de moldar nossa experiência, as imagens às vezes nos parecem mais reais do que a própria realidade. Para dar um exemplo simples, talvez a leitora ou o leitor compartilhem da sensação de um certo desapontamento ao entrarem em contato pela primeira vez com uma famosa obra de arte — digamos, a Mona Lisa no Museu do Louvre —, depois de terem visto tantas ampliações em alta definição ou mesmo acompanhado documentários inteiros dedicados a explorar todos os intrincados detalhes da produção e história dessa pintura. Experiências como essa, ao que tudo indica, têm se tornado cada vez mais comuns, e têm levado alguns filósofos contemporâneos a proporem novas categorias conceituais com as quais procuram explicar esse fenômeno[2].
Adicionalmente, o cinema tem ocupado uma posição cada vez mais central como cânone da cultura contemporânea[3], no sentido de que é cada vez mais comum que filmes ou outras formas de narrativa audiovisual (como as séries de TV) cumpram a função de expressar e transmitir visões de mundo e de nossa condição humana que se tornam amplamente discutidas e, pelo menos nalguma medida, compartilhadas — sintoma disso é que é muito mais corriqueiro encontrarmos pessoas que se interessem pelos mesmos filmes ou pelos mesmos seriados do que, por exemplo, pelos mesmos livros, ou pelas mesmas músicas. De fato, filmes e narrativas audiovisuais muitas vezes fornecem o primeiro e mesmo o único cânone efetivo para um grande número de pessoas, constituindo assim o ponto comum de referência para a avaliação de uma série de questões fundamentais relativas aos nossos valores, à nossa identidade, aos nossos costumes, à nossa moralidade, à nossa participação em sociedade, aos limites de nosso conhecimento, e finalmente, questões existenciais relativas à nossa finitude, à nossa mortalidade, e à busca humana por sentido.
Por fim, é cada vez mais comum que os próprios filmes abordem problemas e temáticas de cunho ostensivamente filosófico. Apenas para citar alguns exemplos relativamente recentes e populares, qualquer espectador minimamente familiarizado com a filosofia é capaz de localizar o papel que certas imagens ou questões filosóficas desempenham na trama de filmes como os seguintes:
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Matrix, O Show de Truman, 13º Andar: assim como na República de Platão ou nas Meditações de Descartes, esses filmes nos convidam a considerar a possibilidade de que a realidade inteira que experimentamos seja o produto de um embuste ou ilusão, uma espécie de sonho ou véu, e de que o descobrimento da realidade última de nossa vida, a matriz por trás desse véu, depende de se transcender a experiência humana cotidiana.
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Minority Report, Agentes do Destino, Gattaca, Westworld[4]: esses filmes exploram questões envolvendo o livre arbítrio e a responsabilização moral, tais como: Estamos determinados a agir de certa forma (por determinação divina, cosmológica, genética, etc.)? Se estamos, podemos ser responsabilizados por nossas ações?O Resgate do Soldado Ryan e Batman — O Cavaleiro das Trevas: ambos os filmes estruturam-se implicitamente em torno do familiar debate metaético entre deontologia e utilitarismo, explorando, por exemplo, a questão de saber quando seria legítimo colocar a vida de muitas pessoas em risco em nome de uma só, porque “isso é a coisa certa a ser feita”, ou de saber em que situações (se é que em alguma) seria correto fazer concessões ao mal visando um bem maior.
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Blade Runner – O caçador de Andróides, O Homem Bicentenário, Eu Robô, Inteligência Artificial, Ela, Ex Machina: todos esses filmes, juntamente com uma série de outros exemplos de ficção científica cinematográfica, exploram questões tradicionalmente investigadas pela filosofia da mente, tais como: Podem máquinas ou sistemas digitais complexos pensar? O que é a mente? Qual é a natureza da relação mente/corpo? O que define o próprio ser humano?
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Não obstante a frequente aparição de imagens e questões filosóficas em filmes, esse fato não deve nos conduzir à falsa e simplificadora ideia que as relações entre cinema e filosofia se esgotam na tese que o cinema ilustra ou explicita problemas filosóficos originalmente apresentados em outros meios. O cinema é muito mais do que um campo de experimentação de teses filosóficas ou uma arte a serviço da filosofia. Não há, nesse sentido, nenhum exagero em dizer que o advento do cinema redesenhou boa parte das feições tradicionais da filosofia. Ou, de todo modo, esta é uma tese que será explorada e defendida em várias das contribuições reunidas nesta coleção.
Uma das pretensões centrais deste volume, nesse sentido, é justamente estudar a fisionomia que a filosofia adquire em contato com o cinema, tomando o cinema não apenas como ferramenta didática que exemplifica e revela teses filosóficas, mas principalmente como um meio capaz de efetuar transformações no próprio modo como as questões da filosofia podem ser abordadas. Com isso, esperamos poder lançar luz sobre outros e novos aspectos da relação entre cinema e filosofia, alguns deles ainda pouco conhecidos na comunidade filosófica brasileira, e também pelos profissionais e amantes do cinema em geral.
A ampliação do estudo das questões que a relação entre cinema e filosofia colocam e suas possibilidades de resposta começou a ser levada a cabo mais vigorosamente no final dos anos 80. No mundo de língua inglesa, essa abertura foi conduzida pelos ensaios precursores de filósofos como Stanley Cavell e, mais recentemente, Stephen Mulhall. No Brasil, o impulso para o estudo das relações entre cinema e filosofia deve muito ao trabalho precursor de Julio Cabrera[5]. A sugestão resultante desses seminais estudos filosóficos sobre o cinema é que a filosofia, tradicionalmente concebida como uma área restrita em termos de estratégias de “dizer o mundo”, de apreender as ambiguidades inerentes à condição moral ou metafísica humana, poderia encontrar no meio fílmico outras formas de exposição e apreensão de suas questões fundamentais. Essa afinidade foi sustentada em, pelo menos, três direções independentes: em primeiro lugar, no estilo da filosofia, uma vez que a diversidade das formas literário-narrativas que a filosofia pode assumir — desde o estilo argumentativo ou demonstrativo até formas compreendidas no diálogo, nos sermões, meditações ou nos romances literários propriamente ditos —, é desafiada pela sétima arte, pela imagem em movimento, que pensa por si mesma e formula problemas de um modo que não é contínuo com outras formas de apresentação (argumentativas e não-argumentativas) da filosofia. Mais do que uma linguagem que apoia a filosofia, o cinema é aqui uma forma de arte que redescreve a própria ideia da filosofia e dos seus objetos.
Um segundo ponto relevante dessa intersecção diz respeito à proximidade entre o cinema e a formação (em termos de estratégias de significação de si) do ser humano contemporâneo. O cinema é um objeto cultural e, como tal, incorpora perspectivas, formas de reflexão sobre a existencialidade e temporalidade muito particulares, guardando uma intimidade com a experiência individual. Pensado nessa direção, o cinema como objeto cultural e meio filosófico enriquece, a partir de seu nexo com a particularidade, com o tempo subjetivo e a individualidade, as pretensões universalizantes da filosofia.
Por último, sendo o cinema não somente uma forma da arte, mas uma realidade, o “objeto-filme” também tem dado origem a questões ontológicas diversas: Qual a natureza do filme? Como essa natureza se articula com outros objetos da experiência? A filosofia do cinema toma-o como um ente e filosofa sobre este ente de maneira análoga à filosofia dos entes em geral. Neste caso, a filosofia é um meta-discurso ontológico sobre a relação entre as coisas tal como elas são e as coisas tal como elas figuram em filmes. Neste modo de entender, a filosofia do cinema não é uma parte da estética, mas uma metaphysica specialis sobre uma região do Ser, os entes cinematográficos.
Esses diferentes direcionamentos, que estão longe de esgotar o repertório de temas e problemas que o advento do cinema possibilitou, ajudam a perceber como cinema e filosofia se retroalimentam e, ao mesmo tempo, colocam desafios um ao outro enquanto modos cognitivos e artísticos de exploração da experiência humana. Tendo em vista a diversidade de perspectivas e de questões envolvendo as relações entre cinema e filosofia indicadas acima, dividimos esta coletânea em três partes principais.
Na primeira, intitulada “Cinema e Filosofia: Ontologia e Método”, os textos abordam questões ontológicas, relativas à natureza do meio cinematográfico em suas diferentes expressões (fotografia, cinema mudo e cinema falado), e também questões metodológicas, relativas às diferentes maneiras em que o cinema pode contribuir com a reflexão filosófica.
O volume começa com uma exploração da forma de arte que está na base do meio cinematográfico, a fotografia. No capítulo intitulado “As sete camadas da fotografia e seus usos na arte”, Guilherme Ghisoni busca explicitar categorias filosóficas que possam nos auxiliar a compreender o que um artista visa através do uso da fotografia. Partindo de ideias de Nelson Goodman, Dominic Lopes e John Kulvicki, Ghisoni propõe uma estratificação da imagem fotográfica em sete camadas: (1) a denotação (o referente causal), (2) as propriedades literais, (3) o conteúdo pictórico, (4) as propriedades metafóricas (conteúdo expresso pela imagem), (5) os elementos verbais, (6) os pressupostos filosóficos e, por fim, (7) o ato ilocutório fotográfico. O capítulo então investiga o modo como essas sete camadas podem ser mobilizadas pelo artista para a determinação do significado de uma obra. Inspirado em considerações de David Novitz e de John Austin, Ghisoni argumenta que o artista, ao propor uma fotografia como candidata à apreciação em um determinado contexto, realiza um ato de fala que, como tal, tem (ou geralmente tem) uma intenção comunicativa. Esse ato de fala realizado pelo artista é chamado de ato ilocutório pictórico fotográfico. A tese central defendida no capítulo é que, no uso da fotografia como arte, o ato ilocutório do artista poderá ter como alvo prioritário ao menos uma das sete camadas da imagem fotográfica. Em muitos casos, a complexidade da obra se encontra no modo como o artista mobiliza várias camadas em conjunto, como parte de seu ato de fala.
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Em “O silêncio e a sintaxe fílmica”, Eduardo Vicentini de Medeiros investiga aspectos do meio cinematográfico que o distinguem de outras formas de expressão como o teatro e a literatura, sugerindo uma lista de técnicas fundamentais da sintaxe do cinema. Para tanto, Medeiros toma como objeto de análise a utilização de recursos como o movimento panorâmico da câmera, a inversão temporal das imagens captadas, a alteração de foco como recurso de transição entre os planos ou a animação quadro a quadro, em filmes produzidos no primeiro cinema e no cinema mudo amadurecido — portanto, antes da sincronização mecânica entre imagem e som. A tese principal do capítulo é que uma parcela apreciável dos elementos da sintaxe cinematográfica seria resultado da escolha deliberada por deixar a sincronização com o som de fora da equação fílmica.
Em “Como traduzir ‘movie’ e ‘film’? Um travelling por palavras”, Nykolas Correia Motta reflete sobre os desafios envolvidos na tradução do texto de Conant (capítulo 4 deste volume), o qual visa estabelecer uma ontologia de “movies” como uma espécie do gênero de “films”. Como traduzir esses termos sem perjurar a dupla fidelidade com o original e com a língua em que o traduzimos? Correia Motta busca responder a essa questão e ao mesmo tempo justificar sua escolha de terminologia, refazendo o percurso que levou até ela. Trata-se de um “travelling por palavras” não apenas porque o texto presta uma atenção detida aos termos sob análise (como no recurso cinematográfico), mas também porque convida o leitor a uma viagem no tempo, percorrendo rapidamente o desenvolvimento histórico da palavra “movie”, de sua origem popular menosprezada até sua predominância nos dias de hoje.
“O Mundo de um Filme”, de James Conant, procura responder a questão sobre o que é um filme. Essa questão é explorada sobretudo por uma via negativa: Conant parte de um exemplo de película que a seu ver não constituiria propriamente um filme, a saber, A Dama do Lago. O que torna essa película adequada ao propósito de esclarecimento de Conant? Segundo ele, seus realizadores teriam tentado gerar uma espécie de intimidade perceptual aprimorada entre o espectador e o mundo ficcional da narrativa, fazendo com que a perspectiva da câmera coincidisse mais ou menos completamente com o ponto de vista do protagonista. No entanto, argumenta Conant, em vez de esse uso radicalmente “subjetivo” da câmera fechar a lacuna entre o espectador e as cenas sendo projetadas — como esperavam seus realizadores — ele acaba causando uma dificuldade de imersão ou absorção no mundo fílmico. É esta falha de A Dama do Lago que torna a película um caso tão provocativo para pensarmos, por contraste, sobre que tipo de coisa é um filme, tornando visíveis aspectos de nossa experiência cinematográfica que se tornaram invisíveis para nós, justamente devido à sua naturalidade e familiaridade.
O capítulo “Filosofia do cinema”, de Thomas Wartenberg, publicado originalmente como um verbete na prestigiosa Stanford Encyclopedia of Philosophy apresenta uma introdução didática das principais questões que a relação entre filosofia e o cinema têm produzido, a começar pelo surgimento e justificação da própria ideia de uma “filosofia do cinema”. Wartenberg, que é também autor de outros importantes ensaios sobre filosofia do cinema, examina a relação que o campo da “filosofia do cinema” coloca particularmente para áreas acadêmicas próximas como a “teoria do cinema”, bem como os métodos e objetivos teóricos que devem ser visados pela filosofia do cinema — seja como uma área de investigação que emula as investigações científicas e busca construir teorias gerais, seja como uma “ciência” necessariamente vinculada ao estudo de casos particulares. Seu ensaio também examina o chamado problema da autoria no cinema, uma vez que a autoria de filmes geralmente é creditada a diretores, embora a “obra” em si resulte de uma equipe de produção, atores, roteiristas etc. O capítulo termina com um debate em torno das relações normativas que podem ser estabelecidas entre cinema e vida em sociedade, particularmente a relação do cinema com a análise e formulação de questões sobre política (guerra, forme, justiça) e ética, onde a constante e fecunda exploração de emoções desempenha um papel fundamental, seja como disparador de reflexão, seja estimulando a identificação com dramas e realidades vividas por personagens fictícios.
Em “Cinema como filosofia? Uma introdução ao debate, e uma análise de Rashomon como caso-teste”, Jônadas Techio introduz e avalia o debate contemporâneo envolvendo a possibilidade de o cinema oferecer contribuições genuínas para a filosofia. Seguindo os passos de autores como Martha Nussbaum, Cora Diamond, Stanley Cavell e Stephen Mulhall, Techio procura mostrar que os principais obstáculos para considerar o cinema como capaz de fazer filosofia derivam de pontos de vista bastante restritivos sobre a natureza da racionalidade, da cognição, do significado — e, finalmente, da filosofia e do cinema eles mesmos. O capítulo indica alguns desses obstáculos e sugere formas de removê-los, a partir de uma interpretação mais ampla daquelas noções. A compreensão resultante é elaborada em mais detalhes por meio da leitura de um filme específico — Rashomon, de Akira Kurosawa — que é apresentado como uma obra exemplar de ficção cinematográfica capaz de refletir filosoficamente sobre a natureza da realidade e de nossa própria existência. Essa leitura é enriquecida com um “interlúdio heideggeriano” tratando da importância dos estados de ânimo em nosso envolvimento com o mundo. O capítulo conclui com a sugestão de que Rashomon deve ser interpretado em um registro existencial, exigindo, portanto, que se vá além das familiares considerações epistemológicas com as quais o filme é normalmente associado.
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A segunda parte do livro é dedicada ao cinema e ao ramo prático da filosofia, isto é, à ética, estética e política. Nessa parte, serão explorados temas diretamente ligados ao nosso cotidiano, temas que frequentemente geram fortes debates entre teóricos e amantes do cinema. Por exemplo: como lidar com os riscos colocados por ideias políticas ou morais perigosas veiculadas no cinema? A ideia que o cinema pode estimular comportamentos violentos, agitação política, ou mesmo práticas absolutamente condenáveis ou imorais, tal como ocorre nos filmes de “exaltação do mal” ou naqueles que apresentam personagens doentios que alimentam formas de sujeição e perversão (sexual ou moral) é uma ideia antiga, que acompanha essa forma de arte desde que ela se popularizou. Existe algum limite à liberdade artística das criações cinematográficas? Podemos admitir “filmes-propaganda” que exaltam ou “romantizam” regimes políticos ou atores políticos autoritários, quando eles são, inequivocamente, obras de arte? Por outro lado e num tom mais positivo, é inegável que filmes são e podem ser fontes de aperfeiçoamento e entendimento moral, sobretudo pela íntima conexão do cinema com emoções, capazes de gerar motivação e formas efetivas de internalização de padrões morais, como ilustrado pela atração exercida por caracteres virtuosos nas telas ou através de narrativas que exploram a indignação e o aprimoramento moral, tal como ocorre nos filmes em que um personagem, inicialmente indiferente, vai, aos poucos, sofrendo uma transformação e passa a enfrentar toda sorte de obstáculos para assegurar direitos violados ou reparar uma injustiça. Assim, embora a estreita conexão entre sociedade, moralidade, política e cinema gere preocupações, embora sejamos capazes de ver o mal e temer os riscos do cinema para a moralidade, sociedade e política, é também indiscutível a conexão do cinema com modelos humanos que estimulam a virtude e promovem o aprimoramento de nossas práticas morais, políticas e sociais. Esses temas difíceis e diversos são explorados, sob diferentes perspectivas, na segunda parte deste volume.
No primeiro capítulo dessa seção, Flavio Williges oferece razões para ver o cinema como um tipo de meio capaz de contribuir para o entendimento de questões morais de um modo que as teorias morais tradicionais, geralmente formuladas em termos de princípios morais gerais a serem aplicados na avaliação da moralidade de atos específicos, não conseguem oferecer. Williges argumenta que filmes podem ampliar nosso entendimento moral, especialmente por acionar componentes emocionais em narrativas. Ele formula o entendimento moral como um estado cognitivo que envolve tanto conhecimento moral, que é saber o que é certo ou errado e as relações inferenciais de crenças morais com outras crenças, quanto uma sensibilidade perceptiva e imaginativa, com uma fenomenologia afetiva própria, que permite envolvimento e engajamento moral. Baseando-se nos estudos de ontologia das emoções, das análises da relação do cinema com o desenvolvimento de virtudes morais e na análise do filme Wit, ele defende que o cinema, ao lado da literatura, está em melhores condições do que as teorias morais tradicionais de oferecer o tipo de apreensão afetivamente engajada de temas morais fundamentais como o sofrimento, dor e morte.
Ainda na segunda parte o capítulo “Notas sobre filosofia e cinema: o lugar do engajamento nos filmes sobre o racismo no cinema americano contemporâneo”, de Érico Andrade, explora a relação entre arte e política em função de uma compreensão da filosofia como prática crítica. Assim, ao invés de oferecer uma definição do que poderia ser um cinema político ou um filme engajado (como procede a filosofia com frequência) o texto se preocupa em mostrar, por meio da construção de duas críticas sobre dois filmes Corra e Inflitrado na Klan, como a filosofia pode contribuir para apreciação da obra de arte, em particular do cinema. A partir disso, o autor defende que o engajamento com o tema do racismo (presente nos dois filmes analisados) é, a exemplo do que acontece com outros temas, sobretudo estético, no sentido que o tema se funda na própria forma pela qual ele é apresentado. Andrade procura, nesse sentido, tornar manifesto que a dimensão política e ética do cinema podem ser articuladas e promover reflexão sobre temas como o racismo a partir da estética fílmica, particularmente na exploração da tensão, do humor, de metáforas e alusões sutis que tornam-se marcas fundamentais das abordagens mais recentes do racismo no cinema.
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O terceiro capítulo, uma contribuição da pesquisadora portuguesa Susana Viegas, aborda o valor filosófico do cinema enquanto prática pedagógica para se pensar a violência, a estética e a ética nas imagens em movimento. Ela discute as relações que se estabelecem entre o artístico e o ético quando a obra representa elementos que perturbam a sua fruição estética, elementos tais como a violência física, a pornografia, a crueldade, a humilhação, a traição, a incitação ao ódio. Ela também pergunta como analisar estes elementos colocando em diálogo duas posições antagônicas: o esteticismo, ou a total autonomia da obra em relação a outros valores que não os valores estéticos, e o eticismo, ou a valorização da obra pelos valores não-estéticos expressos. Ao aplicar a ética ao estudo dos documentários de fabulação, registro no qual atores não-profissionais ficcionam a sua vida, em particular ao filme O Acto de Matar (2012) de Joshua Oppenheimer, Viegas explora dois pontos convergentes: (1) do ponto de vista de uma ética imanente, analisar as formas de exposição do Outro como Outro (questões levantadas pelo eticismo aos limites do esteticismo); (2) do ponto de vista temporal, analisar os modos de criação de uma subjetividade cinematográfica a partir do ato de contar a sua própria história (questão da memória pessoal e coletiva, ideia de memorial e de lendário).
O capítulo “Ilustração e metaética em Dogville”, de Pedro Harres, examina o filme Dogville tendo em vista seus aspectos éticos e meta-éticos. A hipótese central explorada é a de que existiria uma reflexão metaética em Dogville, a qual, uma vez articulada, é capaz de dar um sentido que unifica o filme. Na leitura oferecida por Harres, o filme se articula na forma de uma anti-parábola cujo sentido é justamente interditar a capacidade de narrativas ilustrarem pontos morais de forma satisfatória. Harres formula, através da análise crítica e amplamente contextualizada de Dogville, as dificuldades de ver o filme como uma defesa de teorias morais específicas como o utilitarismo, a ética das virtudes ou o deontologismo ético.
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A terceira parte desta antologia é dedicada a leituras de filmes (e também de um recente seriado de TV) que exploram aspectos fundamentais de nossa existência em suas narrativas. Os capítulos aqui reunidos abordam desde questões especulativas tradicionalmente investigadas por disciplinas da filosofia teórica, tais como a metafísica, a epistemologia e a filosofia da mente, até questões de cunho mais existencial, relacionadas com nossa finitude, mortalidade e a busca pelo sentido da vida. A epistemologia, em conexão com a filosofia da arte, tem encabeçado importantes debates sobre o tipo de cognição revelada pela arte. Seria possível, por exemplo, “ver um filme” e adquirir conhecimentos, tal como adquirimos ao ler um livro de física nuclear? E se for possível, qual conhecimento seria? Numa veia similar, na metafísica, o cinema tem permitido debates sobre a natureza da imagem-movimento, ao mesmo tempo que permite pensar questões ligadas à estrutura última da realidade, identidade, determinismo, além de outros conceitos que formulamos para pensar nossa condição e o mundo ao nosso redor. Esses temas estão interligados na terceira parte com reflexões ligadas à finitude e existencialidade.
No primeiro ensaio da terceira parte, intitulado “A filosofia de Westworld e o problema do livre-arbítrio”, Marco Azevedo e Ana Azevedo analisam o problema de determinar se os hosts ou anfitriões da série Westworld, que são robôs altamente sofisticados, quase-humanos, embora distingam-se dos demais humanos por não saberem que sua existência é artificial e inteiramente programada, podem ser considerados seres humanos. Um dos fatores que parece conduzir a uma resposta negativa para a pergunta é a ausência de autoconsciência plena. Os hosts têm consciência de si, mas não têm consciência que são produtos tecnológicos destinados a satisfazer os desejos de ricos, até mesmo desejos recrimináveis como usá-los como objetos do desejo de matar ou de fazer sexo violento. Assim como a consciência de si, eles também têm sentimentos e expectativas. Sua principal diferença em relação a “humanos normais” parece ser o fato de desconhecerem sua natureza de autômatos. Marco Azevedo e Ana Azevedo desenvolvem um argumento didático e rico visando mostrar como teorias filosóficas tradicionais, como a teoria da Harry Frankfurt e da mente bicameral ajudam a entender as dificuldades colocadas pela natureza ambígua ou híbrida desses personagens fascinantes e seu impacto na compreensão do livre-arbítrio e da responsabilidade ética. Afinal, devemos tratá-los e ter pelos hosts a consideração que temos pelos demais seres? É suficiente para um ser a presença de sentimentos e autoconsciência para ser tratado como uma pessoa portadora de direitos? São essas as questões centrais do ensaio.
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Em “Seria All of Me um filme dualista? Um esboço para uma leitura ‘animacionista’”, Nykolas Correia Motta questiona o consenso acerca da existência de uma espécie de dualismo no filme referido no título (conhecido no Brasil como Um Espírito Baixou em Mim). Motta analisa em detalhe a leitura de Murray Smith, que considera o filme como paradoxalmente dualista, por dramatizar intenções conflitantes sobre o papel do corpo em nossas identidades. Murray Smith concebe Um Espírito Baixou em Mim como uma espécie de experimento mental cinematográfico para atacar o empreendimento da leitura filosófica de filmes como adiantada por Stephen Mulhall. Motta critica essa leitura sob o argumento que não faria justiça à complexidade de filmes como obras de arte. Partindo de uma reconstrução em detalhe da leitura dualista de Murray Smith, Motta oferece um esboço de uma leitura alternativa, que ele chama de “animacionista”, dado seu enfoque no corpo humano animado. Tal esboço é então empregado como contraexemplo à alegação de que leituras filosóficas não seriam capazes de capturar a complexidade artística de filmes.
Em “Persona: identidade, memória e esquecimento”, Mitieli Seixas da Silva apresenta uma proposta de leitura filosófica do filme Persona de Ingmar Bergman a partir da investigação do quanto de memória e esquecimento é necessário para a formação da identidade pessoal. Para compor esse ensaio, a autora utiliza como ponto de partida a concepção narrativa da identidade de Alasdair MacIntyre para, em seguida, discutir duas teses concernentes à relação entre o “eu” e suas “máscaras” à luz da Segunda Consideração Extemporânea de Friedrich Nietzsche — a saber, a tese essencialista, segundo a qual nossa identidade seria composta por um “eu genuíno” para além de toda e qualquer “máscara” que possamos adotar, e a tese “não essencialista” que compreende nossa identidade pessoal como sendo redutível às nossas “máscaras”. A exposição das duas teses, bem como de sua relação com as noções de memória e esquecimento será realizada a partir da análise de três blocos de cenas do filme: i) as imagens aleatórias iniciais; ii) as fotografias como lembranças do passado; iii) o relato da orgia de Alma. O objetivo final do capítulo é sustentar uma leitura de Persona como uma obra que privilegia a tese não essencialista ao explicitar a imobilidade — e sua consequente indisposição para a vida — das duas personagens principais.
Em “Retratando o humano (em corpo e alma): Uma leitura de Blade Runner”, Stephen Mulhall interpreta este clássico da ficção científica como um filme explicitamente interessado, ou até mesmo obcecado, com a questão de saber o que é ser um ser humano. No percurso do filme, muitas respostas errôneas a essa questão são examinadas e rejeitadas — por exemplo, a ênfase na finitude e na duração média de uma vida humana, a posse de certas capacidades físicas, emocionais ou intelectuais por parte dos replicantes, ou ainda a existência de uma substância imaterial “por trás” do seu corpo e do seu comportamento. Ao apresentar entidades que sob vários aspectos comportam-se exatamente como um ser humano, mas sob outros diferem, o filme levaria o espectador a, alternadamente, projetar ou reter conceitos que constituem o “espaço lógico do mental” a essas entidades. Ao fazer isso o filme dramatizaria algumas das lições mais fundamentais de Wittgenstein sobre a relação entre o comportamento e a aplicação de conceitos psicológicos, as quais são encapsuladas na observação de que “o corpo humano é o melhor retrato da alma humana”. Ao mostrar que nenhum tipo de evidência comportamentalmente atestável é em si mesmo suficiente para que os replicantes sejam elevados ao status de seres humanos, o filme mostraria que a questão sobre o que nos torna humanos não pode ser respondida apelando a considerações puramente epistêmicas, mas precisa ser tratada no âmbito de uma investigação mais ampla de certas atitudes fundamentais, em particular nossa capacidade de reconhecimento.
Em “A cruzada do idealista: notas sobre a epistemologia e o sentido da vida em O Sétimo Selo”, Giovanni Rolla explora temas epistemológicos presentes no filme de Ingmar Bergman. Rolla argumenta que o cavaleiro Antonious Block, personagem central da trama, que depara-se com a morte ao voltar de uma cruzada e tenta enganá-la desejoso de conhecer a Deus, exibe uma variedade de idealismo, o que faz com que perca de vista as coisas realmente importantes da sua vida. Rolla complementa essa leitura com uma imagem do sentido da vida apoiada em uma interpretação das notas de Wittgenstein em Da Certeza (1969). Segundo a interpretação avançada, não é possível acessar discriminativamente o sentido da vida. Que a vida possua um sentido é algo que assumimos no decorrer da vida e que fundamenta, entre outras coisas, nossas interações sociais, mas não é algo que podemos explorar discursivamente, como parece pretender Antonius. Rolla conclui que é possível interpretar o argumento de Bergman nessa mesma direção.
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Em “Niilismo, morte e ansiedade em Viver (Ikiru,1952)”, Gustavo Coelho analisa e avalia a solução encontrada pelo protagonista do clássico de Akira Kurosawa para o desafio de superar a ansiedade nele despertada pela descoberta da proximidade de sua morte. Estabelecendo um paralelo entre o percurso do protagonista do filme e o caminho para a superação do niilismo contemporâneo proposto pelo filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard, Coelho defende a tese de que a solução final encontrada pela personagem central de Viver pode ser entendida como aquela que Kierkegaard defendeu ser a única forma de superação do niilismo de nossa época. Partindo dessa tese, Coelho então avalia a solução do protagonista tanto a partir do que o filósofo alemão Martin Heidegger, em resposta a Kierkegaard na segunda parte de Ser e Tempo, defendeu ser a melhor forma de vivermos frente ao reconhecimento de nossa contingência e mortalidade quanto a partir de importantes reflexões do filósofo estadunidense Thomas Nagel acerca do valor que podemos pretender atribuir às nossas vidas e a muito do que fazemos com elas.
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Notas:
[1] Como indica Thomas Wartenberg no capítulo “Filosofia do cinema”, neste volume, filósofos figuram entre os primeiros acadêmicos a publicar estudos sobre o cinema, começando já nas primeiras décadas do século XX.
[2] O modo como nossa percepção seria alterada por nossas tecnologias de reprodutibilidade já estava sendo explorado por Walter Benjamin, em seu clássico ensaio “A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Tecnológica”. De acordo com Benjamin: “Assim como todo o modo de existência dos coletivos humanos muda na passagem de longos períodos históricos, o mesmo ocorre com o seu modo de percepção. A maneira pela qual a percepção humana é organizada — o meio em que ela ocorre, é condicionada não apenas pela natureza, mas pela história.” (BENJAMIN, W. “The Work of Art in the Age of its Technological Reproducibility”, Selected Writings Volume 4 1938–40, EILAND H. e JENNINGS, M. W. (Eds.). Cambridge, MA: Harvard University Press, 2003, p. 255. Ênfase no original.) Mais próximo de nossos dias, Jean Baudrillard argumentou que a fotografia (e, posteriormente, o cinema) teriam levado à “morte da realidade”, tornando-se mais atraente e “mais real” que o próprio real; por isso ele propõe a noção de “hiper-realidade” para dar conta de nossa experiência contemporânea (ver BAUDRILLARD, J., The Perfect Crime, Verso Books, 2008, p. 87). Ver também SONTAG, S. “In Plato’s Cave”. In On Photography. New York: Farrar, Straus and Giroux, 1977, p. 3-24.
[3] Esse ponto é melhor desenvolvido na Introdução de COX, D. e LEVINE, M. P. Thinking Through Film: Doing Philosophy, Watching Movies. Wiley-Blackwell, 2011.
[4] Tanto o recente seriado de TV da HBO Westworld, que será objeto de análise no capítulo “A filosofia de Westworld e o problema do livre-arbítrio”, quanto o filme de mesmo nome lançado originalmente em 1973 tratam dessas questões.
[5] Sobre a visão de Cabrera acerca das relações entre cinema e filosofia, ver o capítulo “Cinema e Filosofia: para uma crítica da razão logopática” em CABRERA, Julio. O cinema pensa: uma introdução à filosofia através dos filmes. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.
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