O especial Liberdade vs. Autoritarismo do Estado da Arte prossegue com a publicação de um artigo da cientista política e pesquisadora americana April Kelly-Woessner, do Elizabethtown College, publicado originalmente em tradução portuguesa pelo Indigo (Instituto de Inovação e Governança). De acordo com sua análise, os estudantes americanos são menos tolerantes e menos engajados na defesa da liberdade de expressão do que as gerações mais velhas. Uma cultura de intolerância nos campi universitários tem se espalhado com grande velocidade. O “pai” deste fenômeno? O grande mentor da “Nova Esquerda” nos anos 1960, o alemão Herbert Marcuse.
por April Kelly-Woessner
Quando Samuel Stouffer escreveu pela primeira vez sobre tolerância política durante a era McCarthy, ele concluiu que os americanos eram, no geral, um grupo intolerante. Contudo, constatando que as pessoas mais jovens eram mais tolerantes do que seus pais, Stouffer também concluiu que os americanos se tornariam cada vez mais tolerantes ao longo do tempo, devido à reposição geracional e à expansão do ensino. No entanto, Stouffer não previu o surgimento da Nova Esquerda, que eu argumento ter reformulado nossas noções coletivas sobre a liberdade de expressão, resultando em um declínio significativo da tolerância política entre a juventude americana. Eu desenvolvo esse argumento em um capítulo que escrevi para o último livro de Stanley Rothman, The End of the Experiment (Rothman, Nagai, Maranto e Woessner, 2015). Minhas conclusões estão descritas abaixo.
Primeiro, eu defendo que os jovens são menos politicamente tolerantes do que a geração de seus pais e que isso marca uma clara inversão das tendências observadas pelos cientistas sociais nos últimos 60 anos. A tolerância política é geralmente definida como a disposição a estender as liberdades civis e os direitos democráticos básicos aos membros de grupos impopulares. Ou seja, para ser tolerante, é preciso reconhecer os direitos de seus inimigos políticos participarem plenamente do processo democrático. Normalmente, isso é medido perguntando às pessoas se elas permitiriam que membros de grupos impopulares, ou grupos de que elas não gostam, exerçam direitos políticos, como dar uma palestra pública, ensinar em faculdades ou ter seus livros disponíveis para empréstimos em bibliotecas públicas.
Na verdade, os americanos não se tornaram mais tolerantes. Em vez disso, eles redirecionaram sua aversão para novos grupos. Por exemplo, “os clérigos muçulmanos que pregam o ódio contra os Estados Unidos” são agora o grupo menos apreciado incluído na Pesquisa Social Geral (GSS), seguido por pessoas que acreditam que “os negros são geneticamente inferiores”. Mais importante ainda, em comparação aos adultos de 40 anos de idade, as pessoas em seus 30 e 20 anos demonstram menor tolerância em relação a tais grupos. De acordo com o GSS de 2012, pessoas em seus 40 anos são as mais tolerantes para com os clérigos muçulmanos que pregam o ódio anti-americano: 43% dizem que um membro desse grupo não deveria ter permissão para discursar publicamente em sua comunidade. Entre as pessoas em seus 30 anos, o número que proibiria esse grupo de falar sobe para 52%, e para aqueles em seus 20 anos, ele passa para 60%. Os jovens também são menos tolerantes do que os grupos de meia idade com militaristas, comunistas e racistas. O mesmo não é verdade sobre a tolerância com relação a homossexuais ou ateus, porque as pessoas mais jovens simplesmente gostam mais desses grupos. (A tolerância política não é uma medida do quanto gostamos de alguém, mas a disposição a estender as liberdades políticas àqueles de quem não gostamos).
Em segundo lugar, eu afirmo que a intolerância juvenil é conduzida por fatores diferentes da intolerância antiquada, e que essa mudança reflete a ideologia da Nova Esquerda. Herbert Marcuse, considerado “O Pai da Nova Esquerda”, articula uma filosofia que nega expressão política àqueles que se opõem a uma agenda social progressiva. Em seu ensaio de 1965, “Tolerância Repressiva”, Marcuse (1965) escreveu,
A tolerância é estendida a políticas, condições e modos de comportamento que não deveriam ser tolerados porque estão impedindo, se não destruindo, as chances de criar uma existência sem medo e miséria. Esse tipo de tolerância fortalece a tirania da maioria contra a qual protestam os progressistas [“liberals”, no contexto americano] autênticos… A tolerância libertadora, então, significaria intolerância contra movimentos da direita e tolerância com movimentos da esquerda.
A ideia de “tolerância libertadora” é, assim, aquela em que as ideias que a esquerda considera intolerantes são suprimidas. É um argumento orwelliano para uma “intolerância à intolerância” e parece estar ganhando força nos últimos anos e reformulando nossos compromissos com liberdade de expressão, liberdade acadêmica e normas democráticas básicas. Se observarmos apenas pessoas com menos de 40 anos, a intolerância aparece correlacionada à uma orientação de “justiça social”. Ou seja, as pessoas que acreditam que o governo tem a responsabilidade de ajudar pessoas pobres e negros a avançar também são menos tolerantes. É importante destacar que isso é verdade mesmo quando observamos a tolerância a outros grupos que não os negros. Para pessoas com mais de 40 anos, não há relação entre as atitudes de justiça social e a tolerância. Essa diferença reflete um deslocamento de valores do liberalismo clássico para a Nova Esquerda. Para as gerações mais velhas, o apoio à justiça social não requer uma rejeição da liberdade de expressão. A tensão entre as visões sociais de esquerda e a tolerância política é, assim, algo novo.
Em terceiro lugar, eu defendo que a própria intolerância está sendo reclassificada como um bem social. Durante seis décadas, os cientistas sociais trataram quase universalmente a intolerância como uma doença social negativa. Contudo, agora que as liberdades são renunciadas por igualdade ao invés de segurança, a esquerda parece menos preocupada com os efeitos nocivos da intolerância. Na verdade, eles reformularam completamente o seu conceito. Por exemplo, a cientista política Allison Harell (2010) utiliza o termo “tolerância multicultural”, que ela define como a disposição a “apoiar os direitos de fala para grupos condenáveis”, mas não para “grupos que promovem o ódio”. Em outras palavras, a tolerância multicultural permite que indivíduos limitem os direitos de seus opositores políticos desde que estruturem sua intolerância em termos de proteger outros contra o ódio. É isso o que Marcuse chamava de “tolerância libertadora”. Na verdade, a ideia de que alguém deveria ser “intolerante à intolerância” tomou conta de muitos campi universitários, como exemplificado através de códigos de fala, códigos de civilidade e políticas amplas e abrangentes de assédio e discriminação. Os estudantes agora frequentemente lideram protestos e banimentos nos campi contra palestrantes que eles acreditam promover o ódio.
Embora isso possa ter o efeito de criar espaços aparentemente mais civis, há conseqüências negativas. Há, na verdade, uma correlação positiva entre as tolerâncias por todos os grupos. Não é simplesmente o fato de pessoas de esquerda se oporem à expressão de grupos de direita. Ao invés disso, aqueles que são intolerantes a um grupo tendem a ser intolerantes aos demais e à comunicação política em geral.
Como tudo isso afeta o “mercado das idéias” no ensino superior? Por um lado, meus co-autores e eu (Rothman, Kelly-Woessner e Woessner, 2011) encontramos pouca evidência daquilo conhecido como doutrinamento generalizado. Em vez disso, os estudantes universitários saem depois de quatro anos com valores políticos e atitudes bastante semelhantes àquelas que eles trouxeram consigo. O que não significa, no entanto, que política não importa. Ao contrário, a disposição em ouvir pontos de vista opostos e exercer tolerância é prevista pela exposição de uma pessoa a mensagens contra-atitudinais (Mutz, 2006). Ou seja, ouvir pontos de vista que contradizem o nosso nos torna mais tolerantes. Desta forma, a falta de diversidade ideológica no ensino superior contribui para a intolerância, especialmente entre os estudantes de esquerda. Este é um ponto que o Presidente Obama frisou vigorosamente em um discurso em Des Moines, Iowa.
Quando as faculdades fracassam em representar a extensão total das idéias políticas, é menos provável que os alunos aprendam a tolerar aqueles que são diferentes deles. Essa falha, aliado ao legado da Nova Esquerda de “tolerância libertadora”, cria um ambiente que valoriza a raiva e a ortodoxia sobre a indagação e o debate.
Extraído de: https://heterodoxacademy.org/2015/09/23/how-marcuse-made-todays-students-less-tolerant-than-their-parents/
Tradução: Tuana Neves
April Kelly-Woessner é professora de Ciência Política no Elizabethtown College