O começo é grandiloquente:
No princípio, Deus criou o céu e a terra. A terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo, e um sopro de Deus agitava a superfície das águas. Deus disse: ‘Haja luz’ e houve luz.
Porém o fim da Bíblia hebraica no Livro das Crônicas é um anticlímax amargo: YAHWEH destruindo Jerusalém pelas mãos do Rei da Babilônia e dispersando os judeus que escaparam à espada. Já o Testamento cristão começa com a imagem prosaica de um bebê numa manjedoura, mas tem um gran finale cataclísmico: o vislumbre do trono de Deus celebrado por multidões e depois aquela torrente interminável de horrores. Se a Antiga Aliança progredia por catástrofes pedagógicas – o dilúvio, a demolição de Babel, as pragas do Egito – aqui é o fim – o Universo em holocausto. Tudo é superlativo, delirante: massacres planetários; chuvas de estrelas; lagos de fogo; oceanos de sangue; gafanhotos como cavalos com armaduras, face humana, dentes de leão, cabelos de mulher e cauda de escorpião; um Deus que vomita gente morna; legiões sob um Cristo que ora é um cordeiro com sete olhos e sete chifres ora um vingador de cabelos brancos, olhos de fogo, pés de bronze e a boca aberta de onde salta uma espada. Que diabos é esse caleidoscópio de fantasmagorias? Terrorismo espiritual? O pesadelo de Deus? O sonho do Demônio?
O Fim dos Tempos começa com palavras claras mas alarmantes: “Revelação de Jesus Cristo… das coisas que devem acontecer muito em breve.” Porém há quase dois mil anos inflamam nosso imaginário moldando nossa história: das catedrais góticas aos futurismos tecnofóbicos, das seitas messiânicas aos revolucionários milenaristas e vice-versa. O que há por trás dessas visões e além? Serão o começo do Fim ou o fim de um começo? O fim do Mundo ou a morte da Morte? A extrema-unção da humanidade ou seu batismo de fogo? Só Deus sabe ou deveríamos saber ler os sinais dos tempos? Mas como digerir esse vomitório de figuras inextricáveis sempre conflagradas por interpretações intrincadas para servir ambições obscuras?
A mensagem final, ao menos, é mais clara que a água, clara como a luz. No fim o espírito por trás das letras revela que já veio e está vindo um Novo Céu e uma Nova Terra onde todos os seres vivos se congraçarão eternamente em torno a uma Nova Jerusalém de onde o Messias que é o Amor encarnado reina como o coração do corpo cósmico – porém não sem antes sofrimentos que desafiam nossas forças, imaginação e esperança (como uma crucificação deve desafiar) – ; nos últimos versículos da última página da Bíblia cristã, antes do último ponto final da história de Deus e suas criaturas, de seu Filho e sua mãe, irmãos, irmãs e Esposa, as últimas palavras são no fim familiares como um “Adeus”, singelas como um “Até mais ver…”:
“Sim, venho muito em breve!”, diz aquele que atesta essas coisas.
Amém! Vem, Senhor Jesus!
A graça do Senhor Jesus esteja com todos! Amém.
Convidados
José Adriano Filho: coordenador de pesquisa em teologia e ciências da Religião da Faculdade Unida de Vitória.
Kenner Terra: professor de literatura e exegese bíblica da Faculdade Unida de Vitória.
Paulo Nogueira: professor de história e literatura do cristianismo primitivo na Universidade Metodista de SP.